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Precificação dinâmica é o futuro para o varejo?

Por: Lucas Kina

Jornalista e produtor de Podcasts no E-Commerce Brasil

A adoção de precificação dinâmica, modelo que ajusta preços com alta frequência a partir de dados de demanda, estoque, horário e até clima, ganha força no varejo alimentar global e reacende discussões no Brasil. A prática, comum no e-commerce, chega ao varejo físico a partir do uso de etiquetas eletrônicas integradas ao sistema de gestão da loja, permitindo atualizações em tempo real.

Precificação dinâmica é o futuro para o varejo?
(Imagem: ChatGTP)

Nos EUA, o tema ganhou repercussão após reportagem do The New York Times, que mostrou supermercados alterando valores dezenas de vezes ao dia. O recurso, segundo as redes norte-americanas, ajuda a reduzir desperdício, ajustar margens e sincronizar operações. Contudo, ele também levanta preocupações sobre transparência, proteção ao consumidor e aumentos súbitos em momentos de alta demanda.

De acordo com Leandro Alves, conselheiro do E-Commerce Brasil e consultor de Transformação Digital e Estruturação de Negócios, a discussão avança de forma cautelosa no mercado brasileiro. Embora varejistas testem etiquetas digitais em categorias sensíveis a perdas — como perecíveis, padaria e hortifruti —, o uso de modelos dinâmicos ainda enfrenta barreiras culturais, jurídicas e operacionais.

Como funciona

O mecanismo se baseia na atualização automatizada dos preços conforme variáveis internas e externas. Para o varejo físico, isso depende de etiquetas eletrônicas que recebem valores diretamente do ERP, sincronizando prateleira e caixa. A lógica é semelhante ao e-commerce, onde ajustes ocorrem diversas vezes ao dia.

O modelo exige bases de dados robustas, integração com sistemas e governança para calibrar algoritmos. Sem essas condições, o risco é de distorções, inconsistências e necessidade de intervenção manual.

E no Brasil?

A prática ainda é pouco aplicada no país. O especialista afirma que, sobretudo, o varejo analisa o potencial de redução de perdas e maior sustentabilidade em perecíveis, mas a postura ainda é conservadora. Alves relembra que, além da sensibilidade dos consumidores brasileiros as variações de preço, o próprio Código de Defesa do Consumidor impõe restrições a aumentos injustificados, especialmente em itens essenciais.

O investimento inicial também pesa, já que as etiquetas eletrônicas podem custar de US$ 5 a US$ 20 por unidade, além dos gastos com infraestrutura e integração. Para redes menores, esse patamar dificulta a implementação em escala.

Ganhos possíveis

Entre os benefícios citados pelo analista, estão:

  • Redução de desperdício: existem estimativas de queda de até 20% em produtos próximos ao vencimento;
  • Maior giro;
  • Aceleração de promoções;
  • Ajuste fino de margens;
  • Eficiência operacional, eliminando erros manuais;
  • Menos consumo de papel e tinta.

Nos EUA, as redes supermercadistas exploram descontos dinâmicos em horários de menor movimento e ajustes de preço conforme condições externas. A prática, no entante, ainda divide opiniões entre consumidores.

Riscos do modelo

As principais preocupações envolvem percepção pública e regulação. A possibilidade de aumentos rápidos em situações de alta demanda pode ser interpretada como abuso, sobretudo em categorias essenciais. Esse cenário é apontado como risco reputacional, capaz de provocar reação de órgãos reguladores e perda de confiança dos consumidores.

A adoção indiscriminada também pode gerar efeitos adversos dentro do próprio setor, como espiral de guerra de preços ou instabilidade em categorias sensíveis.

Regras e isonomia

Segundo Alves, a expansão do modelo exige regras claras. Isso inclui tetos de aumento, pisos de desconto, maior cautela em itens essenciais e monitoramento contínuo do algoritmo.

“A loja deve garantir que o menor preço prevaleça em caso de divergência e assegurar transparência mínima sobre ofertas dinâmicas. Além disso, a governança de dados é outro ponto central. Sem dados históricos, parâmetros de elasticidade, informações de concorrência e registro de rupturas, o algoritmo opera com baixa precisão”, explica.

Cenários

No melhor panorama, a precificação dinâmica reduz perdas, melhora margens e oferece vantagens ao consumidor disposto a ajustar horários ou preferências. O regulador enxerga ganhos sociais ao reduzir descarte de alimentos, e a prática se consolida de forma estável e transparente.

No pior, supermercados utilizam ajustes para elevar preços em momentos de vulnerabilidade — ondas de calor, feriados ou crises de abastecimento. Consumidores reagem, órgãos de defesa do consumidor intervêm e o setor passa a enfrentar restrições rígidas, comprometendo a reputação das marcas.

Impacto no e-commerce

No ambiente digital, a precificação dinâmica já funciona como padrão. Plataformas ajustam preços conforme concorrência, comportamento de navegação, estoque e abandono de carrinho. A tendência é que, nos próximos anos, haja motores de pricing integrados entre lojas físicas e online, guiados pelas mesmas regras de negócio.

O modelo também tende a se sofisticar com personalização e ofertas segmentadas, embora sob maior vigilância em relação a compliance e riscos de discriminação involuntária por algoritmos.

O que vem pela frente

A precificação dinâmica deve avançar conforme supermercados acelerem digitalização e integração omnichannel. Contudo, o ritmo no Brasil dependerá de equilíbrio entre eficiência e confiança.

Para Alves, o caminho mais seguro não está em aumentar preços durante picos de demanda, e sim em usar tecnologia para reduzir desperdícios, ampliar acesso e fortalecer a percepção de preço justo.