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Afroconsumo 2025: lares negros ganham protagonismo no varejo brasileiro

Por: Lucas Kina

Jornalista e produtor de Podcasts no E-Commerce Brasil

A 6ª edição do estudo Afroconsumo, realizado pela NielsenIQ e divulgada em novembro de 2025, aponta que os lares com presença de pessoas negras já somam R$ 625 bilhões em gastos anuais com bens de consumo massivo (FMCG). O grupo representa 54% do total desembolsado no varejo brasileiro e tem ampliado sua influência em categorias como higiene e beleza, bebidas não alcoólicas e itens para cuidados capilares.

Afroconsumo 2025 lares negros ganham protagonismo no varejo brasileiro
(Imagem: Envato)

Segundo o levantamento, a população negra segue mais exposta a fatores econômicos adversos, como menor renda média e maior taxa de desemprego, mas ainda assim demonstra crescimento de consumo e comportamento mais planejado na hora das compras.

O estudo combina dados de painéis da NIQ Homescan, da ferramenta Scantrack e de uma pesquisa com 1.572 respondentes conduzida pela NielsenIQ.

Contexto desigual afeta consumo

Os indicadores macroeconômicos reforçam diferenças históricas que impactam diretamente o poder de compra dessa população. De acordo com o estudo, pessoas negras recebem, em média, 58% da renda de pessoas brancas. Apenas 33% dos cargos gerenciais no país são ocupados por profissionais negros. A taxa de desemprego no 1º trimestre de 2025 chegou a 8,4% entre pessoas pretas e 8% entre pardas, contra 5,6% entre brancas.

Ainda assim, esses lares já representam 57,5% do total monitorado pela NIQ e mostram maior presença nos níveis socioeconômicos médio e baixo, com destaque para arranjos familiares maiores e maior participação de trabalhadores autônomos.

Atacarejo em destaque

O Afroconsumo aponta um avanço consistente do Cash & Carry entre consumidores negros. O canal apresentou alta tanto em penetração quanto em gasto médio por lar, e registrou peso acima do observado em lares não negros.

Cerca de 35% dos lares negros pesquisados compram em bandeiras regionais de atacarejo, com gasto médio de R$ 268 por ocasião, acima da média nacional do segmento (R$ 221). O comportamento de compra também evolui para missões mais planejadas: há queda na frequência, mas aumento no gasto por visita (+10%).

Regiões como Nordeste, Espírito Santo, Minas Gerais e interior do Rio de Janeiro concentram 44,8% desses lares, enquanto Sul e interior de São Paulo têm menor relevância quando comparados à média da população.

Cabelo e beleza

A cesta de produtos especializados para cuidado capilar afro segue entre as que mais crescem. Itens como pós-shampoo, modeladores e finalizadores tiveram expansão acima da média, impulsionando o desempenho de higiene e beleza entre consumidores negros.

A análise mostra ainda:

  • Downsizing nos tamanhos de shampoo afro, sobretudo em canais alimentares;
  • Upsizing de pós-shampoo e modeladores, com embalagens maiores ganhando espaço;
  • Ampliação da oferta no varejo físico, especialmente em perfumarias e farmácias;
  • Nos últimos dois anos, categorias como creme de pentear e finalizadores aumentaram a presença nos lares, acompanhando a tendência de rotinas mais completas de finalização dos fios.

Representatividade na compra

A pesquisa de percepção mostra que a pauta antirracista cresce entre o público em geral: 82% dos participantes não negros afirmam se considerar antirracistas, índice que fica em 77% entre negros. No entanto, mais importante para o varejo é o impacto direto dessas práticas na decisão de compra.

Entre os entrevistados:

  • 66% reconhecem ações afirmativas das marcas, como campanhas e postagens;
  • 74% dos negros afirmam que essas iniciativas melhoram sua percepção das empresas;
  • 55% dos consumidores consideram comprar marcas que exibem representatividade — número que sobe para 63% entre negros.

Marcas como Natura, O Boticário e Avon seguem como principais referências em representatividade negra. A pesquisa mostra que elas têm ganho de participação nas categorias em que atuam, reforçando o impacto econômico da inclusão.

Casos citados incluem produtos desenvolvidos com foco em tons de pele e tipos de fio das consumidoras negras, como a linha Natura Tododia Jambo Rosa e Flor de Caju e Match Ciência das Curvas, do Boticário — resultado de quatro anos de pesquisa com mil consumidoras brasileiras.

Acesso limitado

Mesmo em expansão, o mercado de produtos especializados enfrenta gargalos estruturais:

  • 60% dos consumidores negros afirmam comprar produtos específicos, mas 43,9% relatam dificuldade para encontrá-los e apenas 5,5% afirmam achar facilmente em qualquer lugar;
  • A internet é o principal canal para adquirir esses itens (65%), seguida de farmácias e perfumarias. Para descobrir novidades, as redes sociais lideram, citadas por 55% dos entrevistados.

Potencial de consumo ainda subaproveitado

Os insights da NielsenIQ indicam que, apesar do peso econômico dos lares negros, ainda há espaço significativo para expansão. A análise por categoria mostra oportunidades tanto para aumentar penetração quanto para ampliar gasto por lar em segmentos como alimentos, bebidas, cuidados pessoais e produtos de limpeza.

A presença de produtos especializados, a ampliação de sortimento em canais físicos e o investimento em comunicação inclusiva aparecem como fatores-chave para atender um público que, apesar dos desafios socioeconômicos, movimenta mais da metade do consumo nacional em FMCG.