Nos últimos anos, o retail media passou a ser reconhecido como a terceira onda do marketing digital, depois de search e social. Essa mudança ocorreu porque o varejo digital deixou de ser apenas um canal de vendas e passou a assumir um papel de ativo estratégico de mídia.

Os números mostram isso com clareza. De acordo com a Comscore (setembro de 2025), o setor já alcança 81% da população digital brasileira, o equivalente a 105 milhões de visitantes únicos. Desse total, 93 milhões acessam somente pelo mobile. Em aplicativos de varejo, o consumo ultrapassou 30 bilhões de minutos, representando 88% de todo o tempo dedicado ao segmento online.
A evolução dos investimentos e o crescimento regional
Esse nível de atenção acelera o desenvolvimento do retail media. Mas, ao mesmo tempo, revela um desafio central: o mercado nunca teve tanto dado, porém, ainda não conseguiu interpretar essas informações de forma integrada.
É nesse ponto que o retail media ganha relevância, de fato, ao conectar dados, audiência e ponto de venda dentro de um mesmo ambiente e transformar essa presença em valor real para marcas, varejistas e plataformas.
Essa dinâmica não é exclusiva do Brasil. O eMarketer projeta que o investimento em retail media deve ultrapassar US$ 140 bilhões em 2024, representando cerca de 23% de todo o orçamento publicitário digital das marcas. Na América Latina, os investimentos em retail media, segundo a mesma consultoria, devem alcançar US$ 2,6 bilhões em 2025, com o Brasil respondendo por 40% desse valor, o que equivale a US$ 1,06 bilhão. O problema é que o avanço dos investimentos nem sempre vem acompanhado de métricas equivalentes. E nem sempre se sabe como e onde utilizá-las de forma produtiva.
Nesse sentido, o estudo projeta que o investimento em retail media alcançará US$ 2,54 bilhões em 2025, representando 11% do total investido em publicidade digital na região – a primeira vez que essa participação atingirá duplo dígito. Além disso, a previsão é que, até 2029, esse investimento supere a marca dos US$ 6 bilhões.
A centralidade dos dados e os impasses da mensuração
Em essência, o dado deixou de ser um insumo técnico e tornou-se um vetor de poder competitivo. A descontinuação dos cookies de terceiros e o fortalecimento das legislações de privacidade reposicionaram o first-party data (dados obtidos diretamente na interação entre marcas e consumidores) como base do novo marketing digital. Diferentemente dos dados probabilísticos, ele oferece uma visão determinística do comportamento: o que o consumidor realmente faz, e não apenas o que se presume que ele faça. Permite observar o funil de forma completa, da exposição à conversão. Mas, para que essa visão se traduza em valor estratégico, o mercado precisa concordar sobre o que está medindo e como está medindo, além de qual aplicação dará ao dado coletado.
A falta de padronização, porém, não é apenas técnica, mas também cultural. A indústria digital construiu-se sobre lógicas de propriedade: cada plataforma protege seus dados e metodologias como diferenciais competitivos. Contudo, a dependência de métricas isoladas e a ausência de interoperabilidade entre plataformas criam um ambiente de “silos” analíticos, no qual cada empresa mede e interpreta sua própria realidade, sem um padrão compartilhado que permita avaliar o desempenho do ecossistema como um todo.
Essa postura, compreensível do ponto de vista de negócios, torna-se um obstáculo à mensuração da publicidade, e à evolução da indústria como um todo. É preciso considerar que o público já consome de modo fragmentado. Ele transita entre telas, apps, canais e formatos com fluidez. Estudos recentes da Comscore sobre Connected TV (CTV), por exemplo, mostram que o Brasil já figura entre os mercados mais avançados fora dos Estados Unidos no consumo de conteúdo em plataformas conectadas, com 89 milhões de visitantes únicos em 2023. Ao mesmo tempo, o crescimento acelerado do ecossistema varejista digital e o amadurecimento das estratégias mobile-first revelam que, em 2024, os brasileiros passaram em média 103,9 horas por mês utilizando aplicativos móveis. Essa convergência entre CTV, mobile e varejo indica que a atenção do consumidor está cada vez mais distribuída, e que a inteligência de mídia precisa acompanhá-lo em todos esses pontos de contato.
O papel do Brasil e a necessidade de colaboração setorial
O relatório Retail Media en América Latina reforça essas tendências e revela que a pandemia acelerou a digitalização na região, levando os varejistas a buscar novas fontes de receita e monetização de ativos digitais. Outro ponto relevante é que cerca de 85% das compras continuam acontecendo em lojas físicas, o que evidencia a importância da omnicanalidade para conectar jornadas online e offline.
Dentro desse cenário regional, o Brasil se destaca como líder. Programas de fidelidade integrados a dados de identificação, como o DNI em farmácias, demonstram maturidade no uso de first-party data. O país tem a oportunidade de avançar ainda mais em modelos de atribuição e personalização em escala, integrando lojas físicas e digitais em jornadas omnichannel e expandindo o retail media para setores como seguros, financeiro, automotivo e telecom. Players já sinalizam movimentos estratégicos, como o Mercado Ads, o Walmart Connect e a VTEX.
O dado de primeira mão é o novo idioma da publicidade, mas ainda falta uma gramática comum para que todos se comuniquem da mesma forma. Para avançar, o setor precisará investir não apenas em tecnologia, mas em coordenação, padronização e colaboração. A colaboração entre o mercado é imprescindível. Associações como ABA, IAB e Abramedia são fundamentais na construção de integração e uniformização de parâmetros. Estudos como o recém-lançado pela Comscore também são peças importantes para apoiar um mercado mais alinhado, informado e capacitado.