Logo E-Commerce Brasil

Por dentro de um marketplace ucraniano durante a guerra na Ucrânia

Por: Giuliano Gonçalves

Jornalista do portal E-Commerce Brasil, possui formação em Produção Multimídia pelo SENAC e especialização em técnicas de SEO. Sua missão é espalhar conteúdos inspiradores.

O mundo tem os olhos postos no conflito que decorre na guerra da Ucrânia. As informações compartilhadas pelos diferentes canais são muitas e não é novidade ouvir falar de pessoas deslocadas, de refugiados em outros países, ou daqueles que decidiram lutar para defender o seu país. De um dia para o outro, a invasão Russa alterou o cotidiano da Ucrânia, o 32º país mais populoso do mundo (44,13 milhões de habitantes) e o 65º maior mercado de e-commerce com uma receita de US$ 1 bilhão só em 2021.

Imagem do busto de um soldado fardado segurando uma bandeira da Ucrânia

Por conta da guerra na Ucrânia, os bens essenciais são vendidos principalmente nos momentos de conflitos. Muitos produtos são comprados por militares, como smartphones, carregadores portáteis, comprimidos, baterias, entre outros.

Apesar dos seus números estarem ainda abaixo da média europeia a nível de receitas no e-commerce, o país viu o seu mercado online afetado. Maria Nazarenko, Diretora de Marketing e E-Commerce da COMFY (quinto maior player online da Ucrânia), falou sobre os impactos da guerra na empresa, hoje a maior vendedora omnichannel da Ucrânia de eletrodomésticos e eletrônicos, assim como de bens domésticos e de crianças.

Leia também: Guerra entre Rússia e Ucrânia já reflete no e-commerce

Fundada em 2005, a COMFY teve sua primeira loja aberta em Kryvyi Rih. Previamente à invasão (a 1 de Fevereiro), a cadeia de lojas COMFY consistia em 97 lojas de vários formatos em 51 cidades ucranianas. “Atualmente, perdemos o controle de algumas lojas nas regiões de Donetsk, Luhansk, Sumy, Kharkiv, Kherson e Chernihiv, assim como em Kyiv e na região. Nestas regiões, aliás, sete lojas foram saqueadas e incendiadas”, disse Nazarenko.

O início da guerra na Ucrânia

O conflito começou em 2021, com grandes movimentações das tropas russas na fronteira com a Ucrânia. Em 24 de fevereiro deste ano ocorreu uma invasão em grande escala, causando danos ainda incalculáveis nas vidas de civis. Questionada sobre a sua segurança e dos funcionários da COMFY, Nazarenko respondeu com dificuldade: “É impossível responder a esta pergunta sem ambiguidade. Afinal, o pessoal do time de comércio eletrônico, bem como funcionários de outros departamentos da empresa, responderiam a esta pergunta de diferentes maneiras”.

Leia também: Na guerra da Ucrânia, gigantes do varejo apoiam o país em meio à invasão russa

Segundo a executiva, nos dias que se seguiram ao início da invasão, cada funcionário escolheu o caminho que lhe pareceu mais adequado para manter a sua segurança e integridade. Ainda hoje, inclusive, vão se adaptando à situação vivida em cada região. “Alguns ficaram em Dnipro, onde está localizado o nosso escritório central e é relativamente seguro. Todas as grandes cidades são periodicamente bombardeadas; os alertas de ataques aéreos soam várias vezes por dia e é necessário esconder-se em abrigos, o que, infelizmente, não é suficiente para todos os residentes da cidade”.

Algumas pessoas, segundo ela, se mudaram para outras regiões da Ucrânia, mais seguras. Porém, mesmo na Ucrânia Ocidental, onde alguns dos nossos empregados estão localizados, a situação é inquietante com ataques aéreos e mais bombardeamentos. Enquanto alguns conseguiram ir a outros países (com o estatuto de refugiado), outros — cerca de 30 — estão em Mariupol. Lá, praticamente não houve qualquer ligação de água, gás e eletricidade nas últimas duas semanas!

A segurança dos colaboradores em primeiro lugar

Há, ainda, alguns empregados que seguem trabalhando remotamente, enquanto mais de 100 foram defender a Ucrânia nas Forças Armadas da Ucrânia ou na Defesa Territorial das Forças Armadas da Ucrânia. “Os empregados das lojas eram os que estavam em maior risco, por isso fechamos a maioria das lojas em regiões onde não podemos garantir a segurança dos empregados e clientes”. Os principais locais de fechamento, segundo Nazarenko, foram as cidades de Donetsk, Lugansk, Sumy, Kharkiv, Kherson e Regiões de Chernihiv, bem como em Kyiv e Região de Kyiv.

A situação mais difícil, segundo ela, é na região Leste. Até aos últimos dias antes da invasão, haviam diversas lojas operando nos territórios controlados pela Ucrânia das Regiões de Donetsk e Luhansk, algumas das quais, segundo ela, têm sido ocupadas pelo inimigo desde 2014. Há, inclusive, duas lojas em Mariupol, cidade com uma população de mais de 400 mil habitantes, cujo exército russo está neste momento apagando do mapa. “Antes da invasão, estas áreas eram pacíficas, não eram despovoadas e geravam vendas suficientes para manter as lojas abertas”, lamentou.

Leia também: Aluno da Escola Superior de E-Commerce, que mora em Kiev, relata como empresa de tecnologia está reagindo à guerra

Infelizmente não é a primeira vez que a Ucrânia enfrenta uma situação crítica. Entre 2013 e 2014, deu-se a crise da Crimeia, na sequência da Primavera Ucraniana, ou o Euromaidan, como ficou conhecida a revolução civil na Praça da Independência de Kiev — que levou à deposição do presidente Viktor Yanukovych. Naquele período, os manifestantes lutavam por uma maior integração europeia após terem suspendidos os preparativos para a assinatura de um Acordo de Associação e de um Acordo de Livre Comércio com a UE, em favor de relações econômicas mais estreitas com a Rússia.

Apoio do e-commerce aos militares ucranianos

Hoje, a invasão é em larga escala e ainda impossível de calcular os verdadeiros impactos econômicos e humanitários. “A situação é difícil. Por um lado, todos os residentes da Ucrânia estão num estado de constante ansiedade pelas suas vidas e pelas vidas dos seus familiares Afinal, são constantes os ataques aéreos, bombardeamentos, atos de sabotagem e territórios parcialmente ocupados pelo inimigo. Todos somos obrigados a decidir se ainda é possível ficar com crianças numa cidade que está sob bombardeamento, se é necessário partir para outra região mais segura ou condicionalmente segura, ou para fora do país”.

Para a executiva, a maioria das famílias está dividida diante desta situação: as mulheres com filhos deixaram as suas cidades natais ou a Ucrânia. Por outro lado, os homens servem nas Forças Armadas ou na Defesa Territorial ou permanecem em casa, incapazes de sair do país devido a restrições. “Já passamos por períodos de crescimento inspirador no nosso país, como durante o momento das Maidan, em 2013-2014. Hoje, porém, é simplesmente sem precedentes”.

Leia também: Varejistas deixam a Rússia em meio à conflito com a Ucrânia

Vale lembrar que a COMFY apoia ativamente os militares desde os primeiros dias da guerra em 2014. Na ocasião, doou dinheiro para apoiar o exército e forneceu aos militares eletrodomésticos e material doméstico. Desde os primeiros dias da invasão em 2022, a empresa tem aumentado o fluxo de apoio: “doamos muito equipamento aos militares, polícia, hospitais, orfanatos, voluntários e migrantes gratuitamente. Literalmente, todos os empregados aderiram ao movimento de voluntários. Isto é o que todas as empresas e todos os ucranianos fazem hoje, e ajuda-nos a acreditar que seremos vitoriosos”.

A esperança continua viva

Apesar das dificuldades, o povo ucraniano tem resistido. Para isso, entretanto, é preciso manter vivas as atividades do país. O pedido vem de cima, diretamente do presidente Volodymyr Zelensky e do Governo da Ucrânia. Neste caso, introduziram um conjunto de concessões sérias para as pequenas empresas, e pedem que as instituições nacionais deem a volta à frente econômica e que a mantenham a funcionar. “Portanto, a nossa estratégia visa retomar o trabalho da empresa sempre que isso seja possível”, reitera Nazarenko.

Confira algumas das medidas tomadas pela COMFY para o bem-estar dos colaboradores:

  • salários para fevereiro foram pagos antes do prazo e parcialmente para março;
  • todos os postos de trabalho foram retidos com assistência fixa paga a todos;
  • há um canal de Telegram e uma linha direta para empregados que planejam mudar-se para outra região ou para o estrangeiro. O canal contém informações sobre comboios de evacuação, os contatos de voluntários locais na Ucrânia e no estrangeiro, condições de partida e obtenção do estatuto de refugiado na maioria dos países europeus;
  • por meio do voluntariado interno, funcionários apoiam-se mutuamente recebendo ajuda do seu estabelecimento, que fornece coisas necessárias, a exemplo dos alimentos.

Solidariedade contra a violência

“Temos histórias fantásticas, incluindo como os ucranianos lutaram contra os saqueadores. Os habitantes locais filmam frequentemente casos de pilhagem e roubo de mercadorias de lojas fechadas e destruídas e partilham este conteúdo em redes sociais e conosco. Esperamos que este conteúdo nos ajude a encontrar e punir os criminosos após a nossa vitória na guerra e a restauração do controle sobre todos os territórios ucranianos”, disse.

Leia também: Novo lockdown na China e guerra na Ucrânia complicam cadeia de suprimentos

Além disso, ela relata que “em Melitopol, que hoje infelizmente está ocupada pelo inimigo, nosso time local conseguiu lançar uma luta bem sucedida contra os saqueadores. Nesse caso, encontraram pessoas específicas em filmagens e devolveram alguns dos bens. Ao mesmo tempo, os residentes locais devolveram parte do equipamento voluntariamente ou até pagaram pelo mesmo através do centro de contato”. Nazarenko diz ainda que uma residente desta cidade ligou para o centro de contato e relatou que o seu marido tinha roubado três notebooks. Pediu desculpas pela ação do homem e alguns dias depois pagou o custo do equipamento roubado na totalidade.

Apesar de toda esta movimentação solidária, ela entende que as vendas caíram vertiginosamente. “Hoje, o negócio na Ucrânia ocorre de forma puramente voluntária. Todos os empregados e gestores estão dando o seu melhor para salvar o país. Isto irá também salvar empresas e empregos. Portanto, os nossos empregados abrem as lojas não só para vender algo, mas para que possamos doar eletrônicos e eletrodomésticos ao exército, hospitais, orfanatos, voluntários”.

Um olhar para os bastidores da COMFY

O marketplace, que opera apenas em território ucraniano, tentou dar continuidade de seus serviços aos clientes, mantendo o centro de atendimento funcionando normalmente desde o primeiro dia da invasão. “Nosso centro de atendimento segue ajudando os clientes em quaisquer problemas. Isso vai desde a devolução de mercadorias que não podemos entregar até o apoio psicológico. Os clientes estão frustrados, assim como o resto de nós, e precisam desse apoio”. Por outro lado, a situação da guerra na Ucrânia exigiu adaptações de estrutura e funcionamento devido às várias situações causadas pelo ataque russo.

Acompanhe a seguir o novo formato de trabalho da COMFY devido à guerra na Ucrânia:

  • quase todos os empregados da sede da Dnipro trabalham à distância;
  • lojas funcionam apenas onde é possível garantir a segurança dos empregados e dos clientes;
  • a decisão de abrir é tomada pela equipe em conjunto com a sede;
  • as primeiras lojas abriram no terceiro dia após a invasão, 26 de fevereiro, porque havia muitas perguntas dos clientes, entre elas: onde comprar smartphones, carregadores portáteis, tablets e eletrodomésticos para as Forças Armadas e unidades de Defesa Territorial;
  • hoje, até 45 lojas são abertas diariamente, a depender da situação das diferentes regiões;
  • o horário de abertura da loja depende do toque de recolher na cidade ou região;
  • a loja online COMFY e o aplicativo mobile também funcionam, mas apenas para retirada de mercadoria em lojas;
  • Para conveniência dos clientes, há a atualização diária de funcionamento das lojas e verificação da disponibilidade das mercadorias na cidade e na loja mais próxima;
  • entrega de mercadorias ficou temporariamente fora de serviço durante as primeiras três semanas após o início da invasão. Hoje, a empresa tenta restaurar a entrega de mercadorias em regiões onde é possível garantir a segurança dos empregados, das equipes de entrega e dos clientes.

Produtos vendidos no e-commerce ucraniano

Atualmente, Nazarenko diz que as vendas da COMFY seguem de forma orgânica. “No primeiro dia da invasão, desligamos a publicidade e qualquer promoção paga. Porém, graças ao elevado nível de fidelidade dos clientes, houve tráfego e vendas durante todos estes dias. Hoje, os bens essenciais são vendidos principalmente nos momentos de guerra. E, principalmente, para os militares”. Entre os produtos, destaque para:

  • smartphones e acessórios baratos para eles (auscultadores, vidro protetor, caixas, carregadores e cabos);
  • comprimidos;
  • carregadores portáteis,
  • baterias;
  • pequenos eletrodomésticos;
  • e periféricos de computadores.

Quanto às relações com a Rússia, a executiva deixa claro que a empresa não será aliada de ninguém que promova ou apoie esta guerra na Ucrânia. Afinal, o marketplace fechou o site COMFY para visitantes provenientes do país desde os primeiros dias da invasão. “Não houve perdas decorrentes disto, pois trabalhamos apenas na Ucrânia. Não trabalhamos para a Rússia e não vendemos nem entregamos mercadorias naquele país”. Desde 2014 a COMFY apoia ativamente as Forças Armadas e o movimento de voluntários com o objetivo de reforçar a capacidade de defesa do país. “Portanto, qualquer cooperação com entidades jurídicas e indivíduos na Rússia não é uma opção para nós”, encerrou.

Fonte: ecommercenews.pt

Leia também: EUA e Europa impõem sanções de luxo à Rússia para atingir oligarcas