Por trás do crescimento expressivo do e-commerce brasileiro se esconde uma perda silenciosa, mas colossal: entre R$ 120 e R$ 150 bilhões em pagamentos com cartão de crédito são negados todos os anos nas transações chamadas de “cartão não presente” – aquelas realizadas à distância, como nas compras online.

Essa perda não decorre de queda na demanda ou de problemas logísticos, mas de um gargalo invisível e estrutural: a incapacidade dos sistemas atuais de validarem corretamente a identidade do consumidor online.
De acordo com dados da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), o mercado de pagamentos digitais movimentou cerca de R$ 1 trilhão em 2024. No entanto, segundo levantamento da Divibank, entre 9% e 27% dessas transações são barradas por sistemas de segurança – muitas vezes sem qualquer relação com fraudes reais.
Sistemas antifraude tradicionais causam efeitos colaterais
A conta não fecha: o setor investe bilhões em tecnologia para acelerar e democratizar o consumo digital, mas perde centenas de bilhões por não conseguir identificar com precisão quem é um cliente legítimo.
Essa falha de validação é mais grave do que parece. Sistemas antifraude tradicionais baseiam-se em regras de risco e padrões comportamentais. Ou seja, se o comportamento do cliente foge minimamente do padrão – seja porque viaja, usa um novo dispositivo ou tenta uma compra fora do horário habitual -, há grandes chances de a transação ser bloqueada. O problema é que esses mesmos filtros, criados para barrar criminosos, acabam atingindo em cheio os bons pagadores. O prejuízo, então, é duplo: o varejista deixa de vender e o consumidor se frustra, muitas vezes abandonando o carrinho e o site por completo.
A ironia é que o setor de e-commerce, conhecido por suas soluções tecnológicas de ponta, enfrenta um desafio básico de confiança digital. A diferença entre uma experiência fluida e uma venda perdida pode estar em detalhes como a ausência de uma autenticação biométrica eficiente, uma inteligência artificial mal calibrada ou um sistema de validação excessivamente rígido. Pior: essa falha estrutural tende a penalizar ainda mais grupos menos favorecidos digitalmente, como idosos, pessoas com acesso limitado à internet ou usuários de dispositivos móveis de gerações anteriores.
É urgente tratar identidade digital como ativo estratégico
Para mudar esse cenário, é preciso tratar a infraestrutura digital do e-commerce com a mesma seriedade que se dá à operação física de uma loja. Confiar em um único provedor de pagamento no checkout é como depender de uma única porta de entrada: se ela emperra, ninguém entra e as vendas param.
Falhas técnicas, instabilidades ou simples atrasos nesse único ponto podem gerar perdas significativas de receita, minando o esforço de aquisição e a experiência do cliente. O mesmo princípio vale para a verificação de identidade: quando baseada em tecnologias ultrapassadas ou inflexíveis, ela bloqueia transações legítimas e compromete a escala do negócio. A boa notícia é que já existem alternativas robustas – biometria facial, autenticação multifatorial e análise comportamental com inteligência artificial. O que falta, muitas vezes, é estratégia: diversificar, fortalecer e tratar a identidade digital como um ativo tão vital quanto os próprios pagamentos.
A digitalização do consumo não pode se sustentar sobre alicerces frágeis. Se o Brasil quer consolidar o e-commerce como motor de crescimento, inclusão e inovação, precisa resolver, com urgência, o paradoxo que hoje emperra suas engrenagens: não basta vender bem – é preciso reconhecer, de forma segura e justa, quem quer e pode comprar.