Nos últimos cinco anos, o Brasil ganhou cerca de 15 milhões de novos inadimplentes. Hoje, são 77,8 milhões de brasileiros com o nome negativado, segundo dados do Serasa. Em outras palavras: quase quatro em cada dez adultos estão endividados. Esse número já não é apenas um dado econômico, é um sintoma social que o varejo não pode mais ignorar.

O problema é estrutural. E, por isso, tratá-lo como uma questão de educação financeira é uma explicação conveniente, mas rasa. O que está por trás desse cenário é uma combinação explosiva de renda pressionada, crédito caro, juros altos e inflação persistente. O resultado? Um consumidor sufocado, tentando equilibrar as contas básicas, como água, luz e gás, enquanto o cartão de crédito, que deveria ser ferramenta de conveniência, virou armadilha de sobrevivência.
O impacto no varejo digital
O dado mais preocupante é que 74% dessas dívidas estão atrasadas há mais de um ano, de acordo com o Serasa. Isso significa que o endividamento deixou de ser um contratempo passageiro para se tornar um estado permanente. E quando o endividamento se torna crônico, o impacto no varejo é inevitável: menos consumo, menos conversão e mais insegurança para o crescimento.
No e-commerce, essa relação é ainda mais direta. As compras online dependem fortemente do crédito e do parcelamento – motores que impulsionam as vendas, mas também refletem o grau de confiança entre o consumidor e o sistema. Quando essa confiança se rompe, todo o ecossistema sente: o consumidor hesita, o carrinho é abandonado, o faturamento desacelera.
Transformando inadimplência em oportunidade
E é nesse ponto que o varejo precisa mudar o olhar. O consumidor inadimplente não é o inimigo a ser cobrado, mas o cliente que precisa ser reconquistado. O setor precisa enxergar a inadimplência como um dado de comportamento, não apenas de risco. Isso exige empatia, tecnologia e estratégia.
Com o uso inteligente de dados, é possível identificar sinais de vulnerabilidade financeira antes que o problema aconteça e oferecer soluções reais, como planos de pagamento flexíveis, abordagens personalizadas e jornadas de renegociação mais humanas. É assim que se constrói lealdade: ajudando o cliente a voltar à superfície, e não empurrando-o ainda mais fundo.
Muitos gostam de repetir que “educação financeira é a resposta”. Mas vamos ser francos: você não ensina alguém a nadar enquanto a pessoa já está se afogando. No auge da inadimplência, o que o consumidor precisa é de um colete salva-vidas, não de uma aula de natação. A educação é essencial, mas ela deve vir antes da crise, e o varejo pode ser um agente transformador nesse processo, criando experiências financeiras mais sustentáveis e menos punitivas.
Ignorar o endividamento é fechar os olhos para um dos maiores desafios (e oportunidades) da economia brasileira. O futuro do varejo digital não será definido apenas por quem vende mais, mas por quem entende melhor o consumidor, inclusive aquele que parou de comprar.