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A verdade incômoda pós-Black Friday que o varejo ainda finge não ver

Por: Thiago Oliveira

CEO e fundador da Monest

É CEO e fundador da Monest - empresa de recuperação de ativos através da cobrança de débitos por uma agente virtual chamada Mia, conectada por inteligência artificial. Imerso no empreendedorismo desde o início da carreira, com apenas 19 anos ganhou a liderança da equipe de desenvolvimento da Ometz, o que lhe deu o entusiasmo de fundar o Hotel Já, uma startup que oferecia hotéis de alto padrão a um custo muito mais acessível para reservas de última hora. Depois, Thiago fundou a Davai, empresa de tecnologia e desenvolvimento, onde atuou em 15 projetos por seis meses, alguns bem expressivos - como Fórmula 1 e Expedia. Atuou como CTO de empresas líderes em inovação no ecossistema de Curitiba, como Hero99 e Beracode. Nesse período, administrou e promoveu o projeto Philips of Holland, que começou no Brasil e hoje ganha proporções mundiais. É graduado pela PUC/PR em Sistemas de Informação, com especialização em Machine Learning pela Udacity (2018) e tem mais de 15 anos de experiência no setor de tecnologia, com uma atuação consolidada no mercado de cobrança há mais de 10 anos. Eleito umas das 50 lideranças de Finanças e Risco pelo CMS Financial Innovation 2023.

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A Black Friday se tornou, há anos, o grande símbolo de força do e-commerce brasileiro. Mas, apesar de toda a maturidade do setor, ainda vejo uma contradição que se repete anualmente: os varejistas investem milhões para vender mais em novembro, mas continuam negligenciando a etapa que mais afeta o caixa em dezembro, janeiro e fevereiro: a inadimplência que explode logo após o pico de consumo. É como construir uma grande porta de entrada e deixar a porta dos fundos completamente aberta.

Mulher analisa documentos e cartão de crédito diante do notebook.
Imagem: Freepik.

A cada edição da Black Friday, o padrão é quase previsível. Consumidores empolgados com descontos fazem compras acima do usual, multiplicam parcelamentos, concentram gastos em um curto espaço de tempo e chegam ao fim do ano com um orçamento fragilizado. O varejo, por sua vez, celebra o aumento do GMV, mas pouco antecipa o impacto financeiro que virá semanas depois. Não é que as pessoas não queiram pagar; muitas vezes, simplesmente não conseguem encaixar mais uma despesa em um mês já pressionado por festas, férias e compromissos acumulados. A inadimplência, portanto, não surge como um desinteresse, mas como um sintoma de um fluxo financeiro real e previsível, e, mesmo assim, tratado como surpresa por muitas empresas.

A cobrança como extensão da jornada do cliente

O problema é que boa parte do varejo ainda enxerga a cobrança como um processo operacional, quase burocrático, quando ela deveria ser uma continuação natural da relação com o cliente. Se gastamos tanto esforço para conquistar alguém na Black Friday, por que tratamos essa mesma pessoa como um número frio de atraso no mês seguinte? A verdade é que a inadimplência não é o fim da jornada, é uma oportunidade de humanizar o relacionamento e mostrar ao cliente que a marca entende sua realidade. Quando o varejo aborda o consumidor com rigidez, linguagem ameaçadora ou processos difíceis, o efeito é o oposto do desejado: perde-se o cliente, destrói-se o valor construído na conversão e comprometem-se futuras vendas.

Por outro lado, quando a empresa assume que o atraso faz parte do ciclo e usa tecnologia para personalizar propostas, simplificar renegociações e criar uma experiência digna no momento de maior vulnerabilidade financeira do consumidor, a lógica muda completamente. O cliente não só tende a regularizar sua situação, como mantém, e muitas vezes fortalece, a sua relação com a marca. Hoje, ninguém quer negociar pelo telefone, repetir dados, justificar sua vida financeira ou perder tempo com etapas desnecessárias. O consumidor quer autonomia, rapidez, clareza e respeito. E, no pós-Black Friday, isso se torna essencial.

Transformando inadimplência em estratégia de retenção

O que defendo é simples: a cobrança precisa deixar de ser vista como uma área “reativa” e passar a ser uma estratégia de retenção. Se o varejo planeja a Black Friday durante meses, deveria planejar com igual cuidado o pós-Black Friday. Afinal, não adianta comemorar o aumento das vendas se o caixa não acompanha o mesmo ritmo. A inteligência aplicada à cobrança não é só sobre recuperar valores, é sobre preservar o cliente, algo muito mais valioso em um mercado extremamente competitivo.

A Black Friday termina em horas; seus efeitos no caixa duram meses. E enquanto o setor continuar tratando inadimplência como um problema marginal, continuará abrindo mão de resultados que poderiam ser amplamente previsíveis e administráveis. A boa notícia é que o varejo já tem tecnologia, dados e ferramentas suficientes para mudar esse cenário. Falta apenas encarar a cobrança como o que ela realmente é: uma etapa estratégica de relacionamento e sustentabilidade financeira do negócio.