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A inteligência artificial nunca vai substituir a inteligência relacional - a liderança é intransferível

Por: Camila Antunes

Camila Antunes é formada em Direito e Pedagogia, escritora, palestrante e especialista em inteligência emocional e parentalidade, é cofundadora da consultoria Filhos no Currículo. Transforma a forma como a parentalidade é percebida no trabalho e encoraja pessoas a se apropriarem de suas histórias, reconectando-se com sua força e autenticidade depois da chegada dos filhos.

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Nos últimos meses, muito se tem falado sobre o real impacto da inteligência artificial no trabalho. Algoritmos já escrevem textos, tomam decisões e executam tarefas com eficiência impressionante, além de operacionalizar tarefas repetitivas. Mas, dentre tantas transformações no campo tecnológico, há uma pergunta que me inquieta sempre: o que continua sendo humano? Quais os limites entre humanidade e tecnologia? Enquanto empresas correm para treinar máquinas, talvez o verdadeiro desafio da liderança contemporânea seja reconhecer o que não é delegável – o que é intransferível.

Mulher profissional olhando para o notebook, de frente para uma criança.
Imagem gerada por IA.

O relatório do Fórum Econômico Mundial, publicado este ano, estima que milhões de novos empregos serão criados até 2030, e que demandam tanto habilidades tecnológicas em IA, big data e segurança cibernética como habilidades humanas, classificadas como liderança, pensamento criativo, resiliência, flexibilidade, agilidade, pensamento analítico e colaboração.

Veja, existem, sim, tarefas que podem e devem ser automatizadas. A tecnologia precisa ser vista como uma extensão da inteligência humana, e líderes precisam usar a IA como copiloto, porém, há funções que pertencem exclusivamente ao campo humano, como a presença, a escuta, o vínculo, o discernimento ético, a coragem de se vulnerabilizar. Essas são as competências que constroem confiança, como diz a pesquisadora norte-americana, Brené Brown.

Ela, que é referência em assuntos ligados à liderança – conhecida pela famosa teoria do pote de bolinhas de gude para explicar a construção da confiança -, faz uso recorrente das competências que aprende dialogando com a própria filha em suas palestras pelo mundo. Segundo ela, as competências centrais dessa relação, e que são vitais para o trabalho, passam pelo exercício da coragem, da empatia, da resiliência à vergonha e pelo compromisso de viver os valores. A vulnerabilidade, por sua vez, é a base para a construção de um líder forte. Ser líder é exercer um tipo de inteligência que nenhuma máquina domina: a inteligência relacional. Ela nasce da experiência, da imperfeição e da empatia, não de dados.

A liderança que nasce da vida real

Há dez anos, eu fui “promovida” ao cargo mais exigente e transformador da minha trajetória: o de mãe. Desde então, descobri que liderar não é sobre ter todas as respostas, mas sobre sustentar processos de crescimento – nossos e dos outros – com presença, coerência e vulnerabilidade. Essa é a escola da parentalidade: o treinamento diário em improvisar, negociar, escutar, acolher e, ainda assim, seguir. Competências invisíveis aos olhos do mercado, mas fundamentais em tempos de incerteza.

A parentalidade me ensinou que liderar é um ato de presença, e essa não se delega. Nenhum software pode amar no seu lugar, construir confiança no seu lugar, se responsabilizar no seu lugar. Essa é a essência da liderança intransferível: aquela que só pode ser vivida por quem está inteiro. Quando tudo pode ser automatizado, o diferencial passa a ser o que é insubstituível. E o que é insubstituível, no fundo, são pessoas que sabem se relacionar. Líderes capazes de sustentar vínculos, atravessar conversas difíceis e gerar pertencimento.

Livro das habilidades

O futuro do trabalho deve ser profundamente humano ou simplesmente não haverá futuro. E esse é justamente um dos pontos que defendo no meu mais recente projeto: o livro “Coloque os Filhos no Currículo”, em que convido a liderança a reposicionar o cuidado como vantagem competitiva no mundo do trabalho. Mas, para isso acontecer de verdade, é preciso que as habilidades parentais sejam percebidas e valorizadas como aprendizado, uma escola, além de uma plataforma concreta de desenvolvimento humano e profissional.

No meu livro mostro habilidades essenciais que todos nós, profissionais com filhos, adquirimos no dia a dia: o saber cuidar, o saber educar, o saber negociar limites, o saber comunicar expectativas, o saber lidar com conflitos e o senso de priorização. Ouso dizer que essas são as habilidades mais desejadas no momento no mercado de trabalho.

Enquanto a IA progride, talvez o maior avanço que podemos fazer como sociedade seja relembrar que cuidado também é competência e, felizmente, ainda não é automatizável. E é fato: todos saem ganhando quando a cultura corporativa valoriza habilidades parentais.