Conforme notícia recentemente vinculada na imprensa, em 2014 a venda de tablets deve ultrapassar a de notebooks no Brasil. Em 2013 houve um aumento de cerca de 119% sobre os números do ano anterior. Já sobre os smartphones a notícia é que serão vendidos 47 milhões de aparelhos em 2014, sendo que 5 milhões deles já contarão com a tecnologia de quarta geração (4G). Tais números refletem a adesão dos consumidores brasileiros a tendência mundial de máxima mobilidade.
De fato, os tablets e smartphones, por terem grande capacidade de processamento e acesso rápido à Internet, acabam agregando cada vez mais serviços, de GPS interativo até programas de dietas, graças aos chamados APPs (abreviatura da palavra inglesa “application”). Tal cenário permite que os usuários desses aparelhos tenham, na palma da mão, um universo imenso de funcionalidades.
Contudo, apesar do esforço do empresariado, faltava uma funcionalidade que, por sua natureza e complexidade, dependia da atuação legislativa para se consolidar: o serviço de pagamento móvel. Existiam sim algumas iniciativas esparsas de oferecimento do serviço, porém, sem a devida regulamentação, não havia segurança jurídica para se investir pesado no projeto. Tal panorama perdurou até novembro de 2013, quando o Banco Central regulou a Lei 12.865 de 9 de outubro do mesmo ano, que disciplina os pagamentos eletrônicos no Brasil, entre os quais se encontra o pagamento móvel.
A Lei 12.865/2013 lançou as bases e elegeu os princípios para a implementação do pagamento eletrônico no Brasil em larga escala. Inicialmente a Lei 12.865/2013 criou definições legais, como a de arranjo de pagamento, que é o conjunto de regras e procedimentos que disciplina a prestação de determinado serviço de pagamento ao público aceito por mais de um recebedor, mediante acesso direto pelos usuários finais, pagadores e recebedores; a do instituidor de arranjo de pagamento, que é a pessoa jurídica responsável pelo arranjo de pagamento e, quando for o caso, pelo uso da marca associada ao arranjo de pagamento; a da instituição de pagamento, que é pessoa jurídica que, aderindo a um ou mais arranjos de pagamento, tenha como atividade principal ou acessória, alternativa ou cumulativamente, alguma daquelas descritas na lei, entre outras definições.
Podemos citar, como princípios eleitos pela Lei, a interoperabilidade ao arranjo de pagamento e entre arranjos de pagamento distintos, ou seja, a possibilidade das transações poderem ser realizadas por sistemas que não fazem parte do mesmo arranjo de pagamento; acesso não discriminatório aos serviços e às infraestruturas necessários ao funcionamento dos arranjos de pagamento; atendimento às necessidades dos usuários finais, em especial liberdade de escolha, segurança, proteção de seus interesses econômicos, tratamento não discriminatório, privacidade e proteção de dados pessoais, transparência e acesso a informações claras e completas sobre as condições de prestação de serviços; inclusão financeira, observados os padrões de qualidade, segurança e transparência equivalentes em todos os arranjos de pagamento, entre outros.
Apesar de no meio jurídico o conceito e a importância dos princípios serem bem sedimentados, é necessário frisar que violar um princípio é mais grave do que violar a própria lei, já que são os princípios que dão base à existência e interpretação das normas.
Por sua vez o legislador delegou ao Banco Central e ao Conselho Monetário Nacional a regulamentação da lei, principalmente por dois motivos: primeiro porque a matéria tratada é bastante técnica, não sendo possível ou adequado que o legislador se envolva em tais questões. Para bem do nosso ordenamento jurídico, no caso específico dessa lei, o legislador estabeleceu o que de fato era mais importante (princípios, diretrizes, etc.), numa visão macro, deixando os detalhes para órgãos especializados. Segundo, como o pagamento eletrônico estará vinculado a uma espécie de conta na qual estarão depositados os valores pertencentes aos usuários (pelo menos na modalidade mais comum do pagamento), parece certo que a quebra, por exemplo, de um grande arranjo de pagamento, trará reflexos ao sistema financeiro como um todo, risco este que o legislador não pretendeu permitir.
A regulamentação por parte do Banco Central foi realizada por meio das Resoluções 4.282 e 4.283, bem como das Circulares 3.681, 3.682 e 3.683, todos datados de 4 de novembro de 2013. Nas citadas normas se destrinchou a Lei 12.865/2013, estabelecendo-se regras precisas sobre o que o Legislador pretendeu. Entre as regras mais importantes, podemos citar aquelas que versão sobre o gerenciamento de riscos, os requerimentos mínimos de patrimônio, a governança de instituições de pagamento, a preservação do valor e da liquidez dos saldos em contas de pagamento, os requisitos para ser um instituidor de arranjo de pagamento, condições mínimas para se participar de um arranjo de pagamento, entre outras.
Ainda segundo as referidas normas, que entraram em vigor no último dia 5 de maio, para as empresas interessadas em operar neste mercado será necessária a autorização do Banco Central. As empresas que já operavam antes da regulamentação terão 90 dias para apresentarem seu pedido de autorização.
Por fim, foi tratado um tema que parece ser de muito interesse principalmente de pequenos e médios empreendedores, ou seja, a possibilidade de se constituir arranjos de pagamento de pequeno porte que, por não oferecerem risco ao sistema financeiro, contarão com um tratamento diferenciado do BACEN, incluindo procedimentos bastante simplificados para comunicação das transações gerenciadas por este tipo de arranjo. Tais arranjos não farão parte do Sistema de Pagamento Brasileiro, ou seja, terão procedimentos internos menos burocráticos.
Dr. MÁRCIO COTS – Sócio do COTS Advogados, escritório especializado em Direito Eletrônico e E-commerce. Mestre em Direito pela FADISP, especialista em Cyberlaw pela Harvard Law School – EUA, Extensão universitária em Direito Aplicado à TI, pela FGV/EBAPE. Membro da Comissão de Direito Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP e membro da Diretoria Jurídica da ABComm – Associação Brasileira de Comércio Eletrônico. Professor de Direito Digital dos MBAs da FIAP/SP.
Dr. RICARDO OLIVEIRA – Sócio do escritório COTS Advogados, com amplos conhecimentos em Direito Digital e Empresarial. Especializado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e FIAP (Faculdade de Informática e Administração Paulista), sendo que nesta última concluiu o curso de MBA em Gestão Estratégicas de Negócios.