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Por que seu investimento em IA não está trazendo retorno

Por: Anthony Long

Digital marketing and strategy leader with experience driving e-commerce initiatives globally. Identifies capabilities, develops strategies and technology architectures for e-commerce/mobile/omnichannel commerce and digital shelf initiatives

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Recentemente, tive a honra e o privilégio de participar de um webinar com duas pessoas muito inteligentes, focado em como implementar IA exige um foco absoluto em dados: os dados que você tem, os dados que usa e o que fazer quando você tem dados, mas enfrenta dificuldades para utilizá-los e extrair todo o potencial que eles oferecem.

Profissionais analisam dados e dashboards em um ambiente corporativo.
Imagem gerada por IA.

Esse webinar aconteceu graças aos meus anfitriões e parceiros no crime:

– Dom Beary, fundador da Optia, uma empresa de serviços de dados que ajuda clientes com o trabalho pesado de limpeza e harmonização de dados. A Optia atende a diversos provedores, como NielsenIQ e Kantar, entre outros.
– Helena Carre, uma veterana do setor de bens de consumo, obcecada por inovação de impacto, com foco em CPG/FMCG, em que dados e IA podem transformar decisões do dia a dia em momentos de verdadeiro valor. Talvez você a reconheça por ter escrito uma coluna anterior da Future Shopping.

Como muitas conversas com vários colegas, nosso papo não foi exatamente linear, o que o tornou ótimo de assistir, mas confuso de ler. Por isso, o que você verá abaixo é um ensaio que, embora fiel ao que foi dito, foi bastante editado para deixar tudo mais claro e evitar os vai-e-vens e as dúvidas sobre quem disse o quê. Nós três contribuímos igualmente para a conversa, e recomendo muito assistir ao vídeo completo no YouTube.

Dica: se for assistir, recomendo uma boa xícara de café forte ou uma caipirinha – e aqui vai uma ótima receita, se você nunca experimentou.

Em diversos setores – especialmente bens de consumo, varejo e áreas próximas -, há uma enorme pressão em torno da inteligência artificial. Conselhos e investidores exigem estratégias visíveis de IA, executivos patrocinam programas-piloto e equipes testam novas ferramentas que prometem transformação. Mesmo assim, muitas empresas ainda não conseguem responder a perguntas básicas como “quais consumidores compram o quê?” ou “quais ações geram os resultados que precisamos?”. Essa desconexão revela uma verdade profunda: IA não é um problema tecnológico, e sim um problema de dados, governança e formas de trabalhar.

Muitas empresas hoje têm algo que só pode ser descrito como um museu de ferramentas digitais. Ao longo dos anos, acumularam painéis, plataformas e sistemas de analytics espalhados pelos times comercial, digital e de marketing. Mesmo com todo esse arsenal caro, continuam incapazes de gerar insights integrados ou até mesmo uma forma comum de medir resultados. O problema não é falta de ferramentas, nem falta de capacidade das pessoas, nem estratégia confusa. O problema é a ausência de uma base sólida de dados.

Parece um problema causado pela própria solução. Mas, na verdade, tudo se resume às pessoas.

Mentiras, malditas mentiras e estatísticas

Se essa frase veio de Mark Twain ou Benjamin Disraeli, pouco importa, ela continua atual e aponta para a falta de compreensão, no nível corporativo, de como gerar, gerenciar e agir sobre dados. As empresas vêm lançando iniciativas de “transformação digital” há décadas, quase sempre introduzindo novas ferramentas que precisamos adotar. O que se esquece, repetidamente, é que no centro de qualquer transformação digital estão as pessoas e os dados. Para trazer IA de forma significativa para uma organização, os dois são igualmente importantes.

A IA costuma ser enquadrada dentro da transformação digital. Mas “transformação” é uma daquelas palavras corporativas que podem significar quase tudo e, por causa disso, raramente viram ação concreta. Muitas empresas interpretam transformação como “software novo”. Na prática, transformação é um exercício de pessoas e processos. A tecnologia permite novas formas de trabalhar, mas não as cria sozinha. Quando as empresas tratam IA apenas como “mais uma ferramenta” para os funcionários usarem, limitam drasticamente seu potencial.

As organizações que têm sucesso tratam IA como um novo modelo operacional. Elas focam em incorporar IA nos fluxos de trabalho do dia a dia, ajudando os funcionários a entender o que a IA resolve bem, o que ainda não resolve e onde é preciso desenvolver novas capacidades. Essa abordagem permite que os times adotem IA de forma natural, aprendam rápido e encontrem casos de uso que realmente importam para o negócio.

Para que esses novos modos de trabalhar gerem resultados reais, as organizações precisam primeiro resolver um desafio antigo e persistente: o estado dos seus dados.

Harmonização antes de aceleração

Quase todas as empresas admitem ter problemas de qualidade de dados, mas o problema é bem maior do que precisão. Na maioria dos casos, os desafios são vários:

– Atributos não harmonizados entre mercados e funções
– Falta de metadados padronizados
– Formatos de armazenamento incompatíveis
– Sistemas isolados
– Desconexão dos pontos de contato com o consumidor
– Sobrecarga por fluxos de trabalho manuais e falta de clareza sobre responsabilidades

Essa fragmentação torna quase impossível que a IA gere valor. Mesmo o modelo mais avançado não consegue gerar insights relevantes se não puder conectar dados de produto ao comportamento do consumidor, ou identidade do consumidor aos resultados, ou resultados aos objetivos do negócio. É por isso que “garbage in, garbage out” – como Mick Jagger – nunca saiu de moda. Muitas empresas acham que basta colocar um modelo sofisticado em funcionamento para resolver tudo. Mas, se os dados são inconsistentes, incompletos ou desconectados, a IA só vai reproduzir o caos em escala.

O que nos leva ao desafio de ensinar robôs a fazer coisas que parecem simples.

Metadados: o motor de contexto sem o qual a IA não consegue operar

Antes de as empresas acelerarem rumo à IA, elas precisam primeiro desfragmentar seu ecossistema de dados, padronizar suas taxonomias e criar uma camada flexível de metadados que forneça à IA o contexto necessário. É parecido com ensinar um robô a amarrar um cadarço. As pessoas imaginam começar as instruções com algo como: “pegue o cadarço esquerdo, passe por cima e por baixo do direito e puxe os dois”, mas o robô não sabe o que significa “pegar”. É preciso começar do começo, com algo do tipo: “mova o braço esquerdo, dobrando o cotovelo, até o topo do sapato. Com o polegar e o indicador, segure o cadarço esquerdo”, e assim por diante. Esse nível de detalhamento é, na prática, o contexto para o robô: ele define a posição inicial e permite que o robô aja corretamente.

Essa analogia simplificada se resolve, na camada de dados, por meio dos metadados. Metadados se tornaram um dos geradores de valor mais negligenciados nas organizações modernas. Historicamente, sistemas como PIM (Product Information Management) ficavam nos bastidores, atendendo a demandas logísticas e de B2B: dimensões de paletes, caixas de envio, quantidades por caixa e outros detalhes operacionais. Poucas empresas viam os dados de PIM como estratégicos, mas isso mudou quando eles passaram a alimentar conteúdos voltados ao consumidor, como descrições de produtos e ativos digitais, nas prateleiras digitais. De repente, o PIM virou uma verdadeira fonte da verdade. A IA amplia drasticamente a importância desse fluxo de dados.

Para que a IA consiga raciocinar sobre produtos, conteúdos ou necessidades do consumidor, ela precisa entender contexto, não apenas organizar atributos. Um shampoo, por exemplo, não é apenas uma garrafa com altura, peso e preço. Para atender corretamente um consumidor, a IA precisa entender qual problema ele resolve (por exemplo, cabelo seco), qual resultado entrega (hidratação, alinhamento), como se encaixa em uma rotina de cuidados, como se compara a alternativas e quais consumidores mais se beneficiam. Isso exige uma camada de metadados semânticos acima da camada tradicional de informações de produto, trazendo propósito, relacionamentos, casos de uso e resultados.

No coração dos metadados está a taxonomia, que é a classificação estruturada dos dados. Embora muitas vezes ignorada, ela é um dos habilitadores mais críticos da IA. Em bens de consumo e varejo, a taxonomia conecta:

– produtos a atributos
– atributos a categorias
– categorias a comportamentos do consumidor
– comportamentos a padrões de compra

Se a taxonomia se rompe em qualquer ponto, também se rompe o “fio condutor” que liga a intenção do consumidor à ação e ao resultado. Taxonomias inconsistentes entre mercados, varejistas ou sistemas criam pontos cegos nos quais a IA não consegue identificar padrões nem executar a próxima melhor ação.

Problemas de taxonomia sempre foram frustrantes. Na era da IA, eles são fatais. Com metadados e taxonomia alinhada, porém, a IA consegue transformar perguntas abertas como “tenho cabelo seco, o que devo fazer?” de um simples problema de busca em uma solução real. Sem isso, as respostas da IA são rasas, literais e desconectadas das necessidades reais do consumidor.

Ferramentas x governança: a TI em ação

Um dos sintomas mais visíveis de uma base de dados fraca é a proliferação de ferramentas. As empresas continuam comprando plataformas, plugins, dashboards e ferramentas de otimização porque cada uma parece resolver a última dor sentida por um time. Algumas organizações operam com mais de 40 sistemas diferentes apenas nas áreas comerciais. Mas ferramentas não resolvem problemas estruturais como falta de clareza sobre quem é dono dos dados, KPIs inconsistentes, taxonomias quebradas, fluxos de trabalho sem governança e a clássica tomada de decisão em silos. Na prática, mais ferramentas costumam piorar esses problemas ao criar novos silos entre equipes. Quando as ferramentas oficiais são excessivamente burocráticas ou não atendem às necessidades reais dos usuários, os funcionários recorrem a ferramentas de IA de uso pessoal. Os times criam sistemas paralelos, e os processos se fragmentam ainda mais.

O resultado? O conjunto de ferramentas cresce, mas a clareza diminui. O que falta é governança para garantir que os esforços estejam direcionados a um objetivo comum. Sem governança, as organizações funcionam como peneiras – energia, investimento e talento vazam por dezenas de pequenas iniciativas que nunca ganham escala. A governança transforma a peneira em um funil, canalizando a exploração ampla em iniciativas priorizadas, de alto valor, que podem escalar em toda a empresa.

Mais importante ainda, uma boa governança cria um roadmap compartilhado entre TI e equipes de negócio, permitindo que a TI apoie a implementação de IA de forma eficaz. Sem clareza do lado do negócio, a TI não consegue desenhar a arquitetura nem os pipelines de dados necessários para tornar a IA sustentável.

Na verdade, a TI pode ser um catalisador para quebrar silos ao forçar – ou pelo menos permitir – o alinhamento entre os esforços de diferentes equipes. Grandes organizações estão cheias de times talentosos fazendo ótimos trabalhos. Ainda assim, com frequência, esses times trabalham em direções opostas sem perceber. A IA intensifica esse desafio por ser nova, empolgante e vista como vantagem competitiva. Os times correm para inovar, criar provas de conceito ou lançar pilotos que pareçam progresso. Mas, sem alinhamento, esses esforços raramente geram resultados para a empresa como um todo.

Incluir a TI na definição dos requisitos de negócio pode forçar a criação de uma lista “aprovada” de projetos candidatos, eliminando aqueles que não podem ser suportados de forma rápida e simples. Isso ajuda a combater a inércia e os problemas de escala das grandes corporações, que muitas vezes escondem ineficiências. Para empresas de médio porte, isso é ainda mais crítico, já que desalinhamentos drenam recursos rapidamente e levam os times ao esgotamento. Por isso, a transformação com IA exige não apenas tecnologia, mas novas formas de trabalhar: colaboração entre áreas, KPIs compartilhados e priorização em nível corporativo.

A promessa quase ilimitada da IA complica ainda mais a vida de empresas de todos os tamanhos, especialmente médias e grandes. Nenhuma organização escapa da pressão dos acionistas para “ter uma estratégia de IA”. Analistas querem ouvir sobre ganhos de eficiência com IA, e investidores esperam declarações ousadas sobre automação inteligente. Sob essa pressão, muitas empresas lançam pilotos apenas para mostrar avanço. Departamentos fazem seus próprios experimentos, na esperança de algum sucesso pontual. O resultado é uma longa cauda de iniciativas desconectadas, que podem ser interessantes isoladamente, mas que não se traduzem em valor real para a empresa.

Fique longe da “zona morta”

Relatórios da indústria, como as projeções da McKinsey de US$ 400 a 660 bilhões em valor para varejo e bens de consumo, criam uma pressão compreensível para que as empresas escalem a IA. Ainda assim, 80% dos projetos de IA permanecem presos na chamada “zona morta”: pilotos de baixo impacto que nunca evoluem além do escopo inicial. Esses projetos fracassam não porque as ideias sejam ruins, mas pelos mesmos motivos clássicos que atrapalham iniciativas de transformação digital desde o início:

– os dados são inconsistentes
– a taxonomia está quebrada
– os times estão desalinhados
– a governança é fraca
– os fluxos de trabalho não foram adaptados

Para chegar ao quadrante de alto valor, onde a IA gera impacto mensurável em P&L, as empresas precisam primeiro corrigir suas bases de dados e estruturas de governança. Sem dados limpos e conectados, o sonho de uma IA autônoma e auto-otimizável é apenas uma ilusão.

Identidade conectada é um dos conceitos mais poderosos do marketing orientado por IA. Ela conecta uma pessoa a uma ação, a um resultado e à próxima melhor ação. Isso libera insights comportamentais ricos sem exigir hipersegmentação, que muitas vezes faz o consumidor se sentir desconfortável com a experiência. Em vez de mirar em cheio em um único indivíduo, as empresas podem ampliar o alvo para incluir perfis semelhantes, indicados e públicos próximos, criando um modelo de engajamento mais saudável e consciente em relação à privacidade. Mas a identidade conectada depende totalmente de taxonomia consistente e dados harmonizados. Sem essas bases, o insight simplesmente não surge.

IA hoje, amanhã e depois

Hoje, a IA já consegue automatizar tarefas repetitivas – limpar dados, gerar conteúdo ou montar relatórios. Amanhã, a IA vai operar de forma mais autônoma:

– ativando mensagens quando determinados critérios são atendidos
– identificando novos padrões de comportamento do consumidor
– ajustando investimentos de forma dinâmica
– otimizando experiências digitais
– orquestrando jornadas do consumidor

A tecnologia já existe hoje. O que falta é a camada fundamental de dados para sustentá-la. A maioria das organizações está a anos de distância de viabilizar uma IA autônoma não por causa dos modelos, mas por causa dos dados. Quando as empresas finalmente harmonizam dados, alinham equipes, implementam governança e adotam novas formas de trabalhar, o impacto é profundo: todos passam a operar a partir de uma única fonte da verdade, os resultados se tornam previsíveis, os ciclos de decisão se aceleram, investimentos anteriores em ferramentas e plataformas recuperam valor, e o crescimento se torna mais viável e sustentável.

Estimativas conservadoras indicam que bases sólidas de dados podem gerar 1% de crescimento incremental. Outras falam em 20% ou mais. A verdade provavelmente está no meio do caminho, mas mesmo um crescimento intermediário já é transformador para grandes organizações. Independentemente do número exato, bases fortes libertam os times de limitações estruturais e permitem que eles foquem na criação de valor.

O futuro da IA pertence às organizações que arrumam o encanamento

A IA é uma tecnologia poderosa, mas não consegue superar bases quebradas. Empresas que focam apenas em adquirir ferramentas ou rodar pilotos chamativos continuarão presas na zona morta – ocupadas, mas sem avançar. As organizações que terão sucesso serão aquelas que cuidarem da limpeza e harmonização dos dados, investirem em metadados contextuais e taxonomia, e implementarem a IA não como uma plataforma isolada, mas como uma forma holística de trabalhar. Quando esses elementos se juntam, a IA deixa de ser hype e passa a gerar performance. As empresas que arrumarem o encanamento vão liderar seus setores. As que não fizerem isso continuarão presas às mesmas perguntas básicas de negócio, não importa quantas ferramentas acumulem.