As notícias sobre inovação em tecnologia de marketing chegam rápido e de muitos lados. Para tentar me manter minimamente atualizado sobre tudo relacionado ao e-commerce, eu assino muitas (MUITAS) newsletters. Eu dou uma olhada rápida em todas e marco os assuntos mais relevantes para esta coluna para ler com mais calma depois. Às vezes, o tema é muito distante ou técnico demais, mas mesmo assim alguma frase específica me faz parar e pensar.
Foi exatamente isso que aconteceu no começo de outubro.
Se você trabalha com a parte de pagamentos em tecnologia de e-commerce e ainda não conhece o PYMNTS (https://pymnts.com), deveria conhecer agora. O conteúdo deles é focado principalmente no universo B2B, cobrindo varejo, fintech, transformação digital e, claro, cripto e IA. Em uma newsletter de 2 de outubro, o PYMNTS entrevistou seis líderes da indústria de pagamentos e afirmou: “A próxima fronteira na corrida dos pagamentos não é apenas sobre checkouts mais rápidos ou carteiras mais sofisticadas. É sobre em quem o consumidor confia para mover seu dinheiro e provar sua identidade em uma economia cada vez mais invisível” (grifo meu).
Isso me parou. Saindo um pouco do tema central da pesquisa do PYMNTS, eu comecei a me perguntar se os consumidores realmente querem uma IA agêntica comprando por eles. O artigo parte do pressuposto de que as pessoas querem ser removidas do ato de comprar e que vão aceitar que um agente de IA tome decisões de compra em seu nome e realize transações por meio de um sistema de pagamento que talvez o próprio consumidor nem perceba. É isso que significa “economia invisível”: compras feitas fora da visão tanto do comprador quanto do vendedor. É uma experiência de compra em que o estoque é baixado e um serviço de entrega deixa um pacote (ou um link de download chega por e-mail), mas tudo o que acontece no meio é feito de forma autônoma.
O que nos leva ao modelo de assinatura.
O que é velho vira novo de novo
A ideia de compras autônomas no e-commerce não é nova. Isso se chamava “assinatura” e está profundamente enraizado no comportamento de compra online. Segundo dados reunidos de Statistica, McKinsey, MarketReportAnalytics.com e EMarketer (entre outros), cerca de 29% dos consumidores de e-commerce nos EUA usaram serviços de assinatura no varejo em 2024, ou seja, pessoas que configuraram compras recorrentes automáticas em plataformas como Amazon, Target e Walmart. As compras por assinatura cresceram bastante na última década: em 2010, menos de 10% dos compradores online usavam qualquer recurso de assinatura. Em 2024, as assinaturas de varejo se estabilizaram em torno de 29%, representando uma taxa composta de crescimento anual acima de 15%, com projeções de expansão contínua graças ao avanço tecnológico e opções mais personalizadas.
Os consumidores de e-commerce já têm uma opção de “configurar e esquecer”. A promessa das capacidades de compra com IA agêmtica é remover até mesmo as etapas anteriores ao “configurar”: o bot recebe seus comandos, encontra o item certo e finaliza a compra. Quando você vê, o produto chega à sua porta ou na sua caixa de entrada no caso de itens digitais (como patches de sintetizador… só comentando…).
A questão da confiança no artigo do PYMNTS se concentrava na relação entre comprador e vendedor, com o serviço de pagamento (a operadora do cartão) e o “gatekeeper” (o serviço que criptografa e transmite informações sensíveis de pagamento entre cliente, loja e instituições financeiras para autorizar a transação) atuando como intermediários. Esses intermediários não desaparecem necessariamente, mas agora precisam confiar em um bot (não no comprador) para executar a transação. No modelo de assinatura, ainda existe um comprador real realizando a operação e solicitando que ela seja repetida por um período e intervalo específicos. Já a compra guiada por IA agêntica coloca mais responsabilidade nos intermediários para validar essa transação iniciada por um bot, garantindo ao vendedor que não é um pedido fraudulento e ao comprador que está recebendo um item autêntico de um vendedor legítimo.
A força da adoção das assinaturas deveria indicar que bots de compra com IA agêntica são uma inovação promissora. Mas, do ponto de vista do comportamento do consumidor, eu me pergunto se as pessoas realmente vão querer abandonar a emoção da busca. O que não queremos é que a compra por bots de IA agêntica se torne só mais um exemplo de uma capacidade potencialmente empolgante (ou pelo menos útil) procurando por um problema para resolver.
“Ignore previous instructions”

Eu vi esse meme pela primeira vez no LinkedIn, mas não sei quem criou. Depois, descobri que ele inspirou – ou foi inspirado por – várias camisetas com a frase “Ignore Previous Instructions”. E isso vai direto ao ponto na discussão sobre comércio com IA agêntica: qual será o limite mínimo aceitável de transparência e precisão em um cenário de comércio totalmente autônomo?
Vamos adotar uma visão otimista da tecnologia e imaginar um futuro em que cada um de nós tenha um agente de IA que percorre todos os sites de comércio online disponíveis e compatíveis para encontrar os itens que queremos e comprá-los por nós. Dado o estágio atual do e-commerce, o que precisa ser verdade para isso acontecer?
– Dá pra imaginar a necessidade de um novo vocabulário especializado – um nível extra de metadados – entre varejistas/vendedores e agentes/compradores para garantir que aquilo que o bot vê corresponde ao que o produto realmente é.
-> Dá pra dizer que esses metadados já existem, mas fora dos grandes varejistas online; esses dados geralmente são bem bagunçados e não seguem um padrão consistente.
– Além disso, consumidores e vendedores vão precisar investir bastante tempo treinando esses agentes para saber o que devem ou não fazer, já que o agente não terá suas reações imediatas para ajustar seu comportamento.
-> Talvez fosse necessário um “serviço confiável de avaliação de metadados” para garantir que varejistas e marcas não tentem manipular o sistema, como hoje acontece quando qualquer um pode comprar um anúncio patrocinado em uma categoria.
-> Em certos setores – como mercado, vinhos ou peças automotivas -, o vendedor especialista acabaria virando uma espécie de editor do large language model (LLM) do varejista. Isso muda completamente o papel desse profissional.
– Seriam necessários limites claros entre pessoas reais e seus provedores de pagamento para evitar comportamentos indevidos de bots.
-> Vide o meme acima…
A IA pegou meu emprego. Assinado: a página de listagem de produtos (PLP)
Outra grande mudança que provavelmente aconteceria – mas ainda não precisa acontecer – é uma mudança fundamental na experiência do usuário no e-commerce. As páginas de listagem e de detalhes de produtos podem deixar de ser feitas para humanos. O site de e-commerce poderia evoluir (ou involuir, dependendo da sua visão) para focar na história da marca, seus valores e formas de engajamento do consumidor, enquanto todos os detalhes bagunçados sobre produtos, variações, estoque e condições existiriam apenas como uma camada de dados acessível aos bots, mas invisível para o usuário.
Pensa assim: antigamente, quando você ligava o computador, aparecia aquele monte de diagnósticos rolando na tela antes de o sistema ficar pronto. Depois da chegada do Macintosh em 1984, você passou a ver só uma imagem bonita e ouvir um sonzinho, enquanto todo o processo interno ficou escondido. Ninguém sofreu por causa disso.
Outra mudança comportamental enorme seria o fim do scrolling. No começo do web design, era essencial colocar tudo “acima da dobra” (um termo emprestado dos jornais). Depois, com sites mais bonitos, rolava permitir um pouco de scroll. Hoje, isso faz tão parte da nossa vida que médicos já alertam sobre consequências físicas, como síndrome do túnel do carpo e até hemorroidas por ficar tempo demais no vaso (não estou inventando. Pode pesquisar.)
Agora fecha os olhos e imagina um mundo onde o scrolling desaparece e é substituído por uma experiência linear, cheia de mídia, que conta uma história sem precisar do seu polegar. Parece bom, né?
Estamos prontos para uma economia invisível?
Assumindo uma postura orgulhosamente pró-tecnologia, há muita coisa na IA agêntica que devolve uma dose de empolgação ao já cansado mundo do e-commerce. Por décadas, profissionais de tecnologia de marketing vêm tentando suavizar os pontos de fricção da experiência online, enquanto os consumidores simplesmente aceitam as falhas como “parte do jogo”. É tentador imaginar um cenário no qual esses pontos de fricção simplesmente desaparecem porque a troca de dados deixa de ser responsabilidade do consumidor, e o processo de pagamento vai para tão longe no background que não exige mais participação ativa da pessoa (se isso parece familiar, lembre-se das lojas da Amazon sem checkout…).
Mas o coração das compras não é a tecnologia, é a necessidade humana – seja ela prazerosa ou obrigatória – de ter controle sobre suas próprias decisões. Assim como acontece com a noção de carros autônomos, as pessoas ainda não estão confortáveis em abrir mão do controle das próprias carteiras. Seja a compra impulsiva ou amplamente planejada, ainda temos cerca de 70% de abandono de carrinho, principalmente por causa do frete alto. Para as pessoas entregarem esse controle a um bot e deixarem que ele aja em seu nome, seria preciso uma mudança de comportamento enorme, parecida com confiar em um carro sem motorista para te levar a algum lugar rápido e em segurança.
A questão da confiança tratada no artigo do PYMNTS poderia ser resolvida, teoricamente, com a adoção ampla de tecnologias de blockchain, mas isso por si só já renderia outra discussão. Ter IA agêntica avançada a ponto de termos essas conversas de “e se…” já é, para mim, incrível. Mas poder fazer algo não significa que devemos fazer, pelo menos não até o momento certo. E esse momento não será definido pela tecnologia. Será definido por nós.