A China, uma das civilizações mais antigas do planeta, soube transformar sua herança milenar em combustível para inovação. O que nasceu às margens do Rio Amarelo, berço de invenções como o papel e a pólvora, hoje floresce em avenidas e ruas encantadoras de varejo popular em cidades como Beijing, Shangai, Hangzhou, Shenzhen.
Nas últimas décadas, o país mudou sua imagem de “China imitadora” para “China criadora”, impulsionando uma nova era em que tradição e futuro caminham lado a lado — especialmente no varejo.

A força do varejo na nova economia chinesa
O setor de serviços — que inclui o varejo e o atacado — representou 56,8% do PIB da China em 2024, refletindo o poder do consumo doméstico e o papel das cidades como epicentros de inovação e estilo de vida.
No Brasil, o varejo e o setor de serviços também são pilares da economia, respondendo por cerca de 60% do PIB nacional e empregando mais de 20% dos trabalhadores formais.
Mas há uma diferença fundamental: enquanto o varejo brasileiro ainda opera sob uma lógica transacional, o varejo chinês evoluiu para uma lógica relacional e experiencial, em que cada interação é desenhada para encantar, emocionar e fidelizar.
O varejo experiencial: quando comprar é vivenciar
Durante uma recente imersão na China, visitando empresas de tecnologia e ruas do varejo, ficou evidente que o país está redefinindo o papel das lojas físicas.
O varejo experiencial lá não é um conceito teórico — é prática cotidiana. As lojas se tornaram plataformas vivas de cultura, design e tecnologia, em que o consumidor é parte ativa da história da marca.
Displays interativos e vitrines que te convidam a entrar pela curadoria dos produtos, QR codes, design de loja e sons ambientes constroem um storytelling visual e emocional. A jornada não é linear — é uma imersão.
O objetivo? Criar experiências memoráveis e compartilháveis, que convertem o ato de comprar em um momento de prazer, descoberta e pertencimento.
A diferença chinesa: cultura, comunidade e tecnologia em harmonia
O que distingue o varejo chinês do resto do mundo é sua capacidade única de fundir tecnologia, comunidade e cultura.
O conceito de “New Retail”, introduzido pela Alibaba, integrou o físico e o digital (phygital) de forma orgânica. Não há fronteiras: o mesmo smartphone usado para pagar via WeChat Pay ou Alipay também serve para interagir com produtos, descobrir promoções em tempo real e compartilhar experiências nas redes sociais.
Mas o motor mais poderoso desse ecossistema é cultural. O consumidor chinês contemporâneo não busca apenas status através de logotipos ocidentais. Ele quer identidade, significado e orgulho local.
Marcas nacionais entenderam isso e passaram a investir pesado em marketing cultural, incorporando estética, símbolos e valores do “jeito chinês de ser” às lojas, produtos e campanhas.

Lições das marcas chinesas
Marcas como Li-Ning, Anta, Huawei e Perfect Diary transformaram suas lojas em centros de convivência e experimentação, onde eventos coletivos, ativações culturais e experiências sensoriais criam memórias afetivas e culturais.
A mensagem é clara: “Made in China, for the Chinese”. A vida na China é em comunidade.
Esse novo varejo é caracterizado por:
• Intuição cultural – sensibilidade para traduzir valores locais em estética e comportamento;
• Autonomia criativa – identidade própria, sem copiar o Ocidente;
• Narrativas imersivas – cada ponto de contato conta uma história;
• Tecnologia fluida – digital integrado de forma quase invisível;
• Pioneirismo comercial – espaços híbridos que misturam loja, café, galeria e palco cultural.
Segundo o McKinsey China Consumer Report 2024, 70% dos consumidores chineses preferem marcas que criam experiências memoráveis em loja, e 60% estão dispostos a pagar mais por produtos que carregam uma história ou elemento cultural.
O resultado é um varejo que não apenas vende, mas influencia comportamentos, cria comunidades e inspira estilos de vida.
O que o Brasil pode aprender com a China
Se o Brasil aplicar as lições do varejo experiencial chinês, poderá redefinir o papel das lojas físicas — transformando-as em espaços de convivência, conteúdo e comunidade.
As oportunidades são imensas:
1. Reinventar o ponto de venda: da lógica de estoque à lógica de experiência.
2. Valorizar o local: traduzir nossa diversidade cultural e regional em identidade de marca.
3. Integrar tecnologia e emoção: usar IA e dados para personalizar, não padronizar.
4. Construir comunidades: ativar consumidores por meio de experiências coletivas e culturais.
5. Treinar equipes para o encantamento: o acolhimento brasileiro pode ser nossa vantagem competitiva.
A China mostra que o futuro do varejo não é vender mais, mas encantar melhor.
Quando o comércio se torna cultura e a experiência vira memória, o consumo se transforma em relação — e o varejo, em arte. O novo luxo é a experiência. O novo diferencial é a cultura. O novo varejo é emoção com propósito.