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O futuro invisível das marcas

Por: Sabrina Abud

Sabrina é co-fundadora da Página 3 e especialista em comportamento, mercado e cultura, transformando insights em estratégias acionáveis. Já realizou pesquisas para empresas como Itaú, Netflix, Amazon, L’Oréal, Volvo e VISA. Também já colaborou como gerente de pesquisa na KOGA, unidade de estudos comportamentais da DOJO.

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A inteligência artificial está reformulando as bases do consumo. Estamos deixando para trás a era da UX, centrada em telas, aplicativos e smartphones, e entrando na era da AX, a Agentic Experience. Nela, agentes de IA não apenas nos ajudam a decidir, mas passam a decidir em nosso lugar.

Mão segurando smartphone com a frase “Agentic Experience” na tela azul, diante de um notebook desfocado ao fundo.
Imagem gerada por IA.

Um relatório da Boston Consulting Group, publicado em setembro de 2025, aponta que esses agentes, apoiados por large language models (LLMs), já influenciam até 20% das decisões de compra no setor de bens de consumo. Essa mudança altera profundamente como os consumidores descobrem, comparam e escolhem produtos. A transição não é tão perceptível, mas é estrutural: o ponto de contato direto entre marcas e pessoas começa a desaparecer.

A jornada de compra delegada

É crucial entender: agentes não são chatbots tradicionais. Eles navegam por toda a jornada de compra. Escolhem por nós, compram por nós. O consumo, antes uma experiência pessoal e ativa, se torna um ato de delegar. A participação do consumidor se torna um único pedido e, às vezes, nem isso.

O que antes exigia várias telas de aplicativos, ou páginas na internet, se torna uma conversa única e fluida. Há quem aposte no WhatsApp, há quem aposte em um navegador AI-first, no qual o agente é incorporado à própria internet. É assim que começa uma mudança de plataforma.

O valor da marca em um mundo invisível

As vitrines digitais, tão disputadas pelas marcas ao longo da última década, cedem lugar a um ambiente em que a visibilidade depende menos de design e mais de atributos legíveis, confiáveis e acionáveis para algoritmos de IA. A mediação agêntica dissolve o contato direto, tornando invisível aquilo que antes era cuidadosamente projetado como experiência de marca.

E é aqui que surge a grande pergunta: quando a jornada é delegada a máquinas, como uma marca continua sendo percebida? Se a negociação acontece entre códigos e não mais entre consumidores e empresas, como manter relevância, diferenciação e fidelidade? A lógica do funil de marketing se esvazia, e o peso simbólico das marcas passa a ser testado em uma arena muito mais abstrata.

Nesse novo cenário, insistir em controlar cada detalhe da jornada é inútil. O futuro das marcas talvez não esteja em dominar os pontos de contato, mas em criar algo que sobreviva quando esses pontos deixam de existir. O que se mantém não é a interface, mas o significado. É o valor que transcende a compra: narrativas, compromissos, experiências humanas que resistem à intermediação algorítmica.

Se os caminhos até o consumidor estão se tornando invisíveis, a força da marca dependerá do que é impossível de delegar a uma máquina. Marcas continuarão vivas quando forem mais do que utilitárias: quando carregarem identidades coletivas, simbolizarem pertencimento e representarem causas ou memórias que não podem ser reduzidas a parâmetros numéricos.

A era da AX exige uma mudança de paradigma. Não basta ser encontrado por algoritmos: é preciso ser lembrado pelas pessoas. E essa lembrança só se sustenta quando há verdade, valores consistentes e experiências humanas que a tecnologia não consegue simular. O futuro das marcas não será feito de vitrines digitais, mas daquilo que permanece mesmo quando todas as vitrines desaparecem.