Varejo digital é matemática aplicada. Quem opera em alta performance não toma decisão no “feeling”, calcula contribuição por pedido, custo de aquisição, velocidade da página, elasticidade de preço e impacto no canal de distribuição. Comunicação importa, porém distribuição vem antes. Sem canal, a melhor peça criativa fala com pouca gente; com canal, até uma mensagem simples encontra tração.

O que o mercado brasileiro está mostrando
O comércio eletrônico no Brasil retomou força. No primeiro semestre de 2024, o faturamento chegou a R$ 160,3 bilhões, alta de 18,7%, com destaque para eletro e bens de giro rápido. Esse volume pressiona margens e deixa claro que eficiência de aquisição e de conversão viram vantagem competitiva.
O gargalo clássico continua sendo o checkout. A média global de abandono de carrinho gira em torno de 70,22%, o que significa que cada ponto percentual recuperado volta como receita sem aumentar mídia. Velocidade técnica também pesa; quando o carregamento mobile vai de um para três segundos, a probabilidade de bounce cresce 32%; de um para dez segundos, o salto ultrapassa 100%. Quem trata performance como detalhe perde vendas antes de a conversa começar.
Nos marketplaces, distribuição é buy box. Na Amazon, cerca de 82% das compras passam pelo botão principal de compra, chegando a percentuais ainda maiores no mobile. Preço, reputação e prazo de entrega puxam essa disputa. Ganhar visibilidade nesse espaço muda a superfície de contato sem necessariamente aumentar investimento em mídia.
O exercício do PlayStation e por que preço pode ser o seu melhor “anúncio”
Considere um cenário didático. Preço de venda de um console em R$ 5.000, margem bruta unitária de R$ 1.000, CAC médio de R$ 300 para vender via tráfego pago. Opção A, manter o preço, comprar mídia e ficar com R$ 700 de contribuição após CAC. Opção B, reduzir o preço em R$ 300, tornar a oferta a mais barata do mercado, capturar tráfego por busca, comparadores e comunidades, e ainda assim ficar com R$ 700 de contribuição. O desconto vira um “CAC implícito”, com dois efeitos extras: a oferta ganha alcance orgânico e a taxa de conversão tende a subir, já que a ancoragem de preço trabalha a seu favor. Em marketplaces, esse movimento ainda aumenta suas chances de buy box, que concentra a maior parte das vendas.
O ponto não é viver de preço baixo, e sim comparar o CAC que você paga com a margem que você aceita renunciar para destravar distribuição. Há categorias com demanda elástica, em que pequenas variações de preço mudam volume de forma relevante; entender a elasticidade do seu mix evita promoções improdutivas e informa quando o desconto funciona melhor do que o clique pago.
Canal antes da comunicação, comunicação testada dentro do canal
Canal é quem distribui, comunicação é o que você fala lá dentro. Construa três pilares de distribuição. Primeiro, canal proprietário, base de e-mail e WhatsApp com opt-in, pois é onde o ROI costuma ser mais alto ao longo do tempo e onde você controla frequência. Segundo, canal de descoberta – escolha uma ou duas plataformas para escalar alcance com criativos nativos e cadência semanal. Terceiro, canal de conversão, seu site e seus ambientes de marketplace, otimizados para carregamento, clareza de frete, meios de pagamento e prova social. A combinação dessas três frentes permite testar mensagem com amostras maiores e ler efeito real na conversão, não só em métricas de vaidade.
Case tático de engenharia financeira no canal
A dinâmica de subsídio para ganhar distribuição aparece em diferentes estratégias. Em 2025, o Mercado Livre baixou o piso de frete grátis no Brasil de R$ 79 para R$ 19 e reduziu custos de envio para vendedores em até 40%, decisão desenhada para ampliar volume, defender participação contra concorrentes e aumentar a relevância do canal. O movimento exemplifica a equação que você pode espelhar na sua operação, sempre com conta na mão: renunciar parte da margem em um ponto da cadeia para destravar mais tráfego, mais recorrência e maior ticket ao longo do tempo.
Miniframework para decidir com números
1. Defina contribuição por pedido. Contribuição unitária é preço menos custo do produto e custos variáveis de operação e taxa do marketplace, sem incluir CAC. Essa é a base da comparação entre mídia paga e “desconto CAC”.
2. Calcule o CAC implícito de um desconto. Se baixar R$ 300 no preço substitui R$ 300 de mídia. Compare contribuição final, ganho de visibilidade e impacto na taxa de conversão.
3. Modele elasticidade e cenário de volume. Teste variações de preço pequenas e meça a mudança de conversão e de unidades vendidas por categoria. Produtos elásticos respondem melhor ao preço como alavanca de aquisição.
4. Proteja performance técnica. Monitore LCP e CLS, já que cada segundo extra aumenta bounce e mata a chance de vender.
5. Ataque o abandono com clareza e confiança. Mostre frete e prazo cedo, simplifique etapas, ofereça meios locais, mostre reviews na primeira dobra. Reduzir abandono médio, perto de 70%, paga o plano de mídia.
6. Mire buy box nos marketplaces. Ajuste preço, SLA e reputação para disputar a vitrine que concentra mais de 80% das vendas.
Fechando a conta
E-commerce é jogo de engenharia financeira. Compare sempre o custo de trazer um pedido via mídia com o custo de conquistar o mesmo pedido via preço, prazo, experiência e canal. Use o preço como CAC quando fizer sentido, mas só dentro de um sistema que te dá visibilidade, retenção e aumento de ticket ao longo do tempo. Crescimento previsível nasce de três hábitos simples: medir, ajustar e repetir.
Em um mercado que fatura centenas de bilhões por ano e no qual dois terços dos carrinhos ainda se perdem, quem faz conta primeiro ganha velocidade, ganha canal e, no fim, ganha margem.