Durante muito tempo, usamos o funil de vendas como mapa mental para entender o comportamento do cliente: entra no topo, percorre etapas e sai pela conversão. Esse modelo funcionou quando o digital era apenas mais um canal de venda. Mas hoje o cliente não “sai” nunca. Ele volta, compara, comenta, reclama, recomenda, participa de comunidades e influencia outros consumidores. É impossível enquadrar esse comportamento em uma linha reta.

Vejo com clareza: a jornada deixou de ser um funil e passou a ser um ciclo vivo. E isso muda completamente a forma como pensamos estratégia, tecnologia e métricas de e-commerce.
Por que o modelo linear deixou de fazer sentido
No funil clássico, tudo termina na compra. No mundo real, é justamente depois da compra que tudo começa: é no pós-venda, no suporte, na experiência de entrega, no conteúdo que o cliente consome após comprar, que definimos se ele vai voltar ou se aquela foi sua única transação conosco.
Dados de mercado reforçam isso:
– Clientes que já compraram representam até 65% do faturamento das operações digitais maduras (McKinsey).
– O custo de aquisição subiu até 60% nos últimos cinco anos.
– 80% dos compradores B2B afirmam que a experiência pós-compra é o principal fator para seguir com o mesmo fornecedor (Forrester).
Em outras palavras: o funil está olhando para a parte menos rentável da jornada.
O cliente não percorre etapas, ele circula
Hoje, o cliente pode conhecer a marca pelo Instagram, comprar pelo marketplace, interagir pelo WhatsApp, ser impactado pelo CRM e voltar pela indicação de um amigo. Esse caminho não tem ordem fixa, ele acontece em ciclos que se retroalimentam.
Alguns dados reforçam essa transição:
– Marcas como Apple, Nike e Amazon trabalham em ecossistemas, nos quais o cliente circula e não “finaliza jornada”.
– A taxa de retenção da Apple chega a 92% em mercados maduros (Statista).
– Clientes expostos a experiências personalizadas têm quatro vezes mais chance de recompra nos primeiros 90 dias (Deloitte).
Isso significa que retenção não é um programa de fidelidade, é o centro do modelo de crescimento.
A troca de lente necessária
Durante anos, nos concentramos em reduzir CAC. Agora, o foco mudou para aumentar o LTV (Lifetime Value) circular: o valor acumulado ao longo do relacionamento contínuo com o cliente.
Em 2024, 61% das operações líderes da América Latina afirmaram que “LTV x Custo de Retenção” é a métrica estratégica mais importante (KPMG). Ou seja, o crescimento está na permanência, não na entrada.
A inteligência artificial como motor do ciclo
O ponto de virada dessa transformação é a IA. Ela não apenas personaliza a jornada: ela cria loops automáticos de engajamento e retenção. O algoritmo percebe quando o cliente está próximo de abandonar a marca, identifica o melhor momento de reativação e entende o tipo de estímulo ideal para cada perfil.
Enquanto o funil reage, o ciclo antecipa.
O que muda na prática para o e-commerce
Repensar o funil como ciclo significa:
– Parar de tratar CRM como “pós-venda” e assumir como centro da operação.
– Reduzir campanhas pontuais e criar mecanismos contínuos de engajamento.
– Integrar dados de navegação, atendimento e entrega como parte da experiência, não como áreas separadas.
– Entender que “a conversão” não é o objetivo final, é apenas um marco dentro de um relacionamento em andamento.
O ciclo é o novo terreno competitivo
O cliente não quer apenas comprar. Ele quer pertencer, ser ouvido, ter suas interações reconhecidas. E as marcas que entenderem isso primeiro vão dominar o mercado digital não por ter mais tráfego, mas por fazer cada cliente voltar mais vezes e gerar mais valor a cada retorno.
O futuro do e-commerce não é conquistar clientes, é mantê-los em movimento contínuo dentro do seu ecossistema.