O chargeback não é um problema novo no e-commerce. Mas, a cada grande data comercial, especialmente Black Friday e Natal, ele se torna ainda mais relevante. Deixa de ser apenas um indicador operacional e passa a revelar fragilidades estruturais que muitas vezes ficam ocultas durante períodos de menor volume.

Os números ajudam a dimensionar esse impacto. O Brasil registra milhões de contestações de pagamento todos os anos, com perdas que somam bilhões de reais para o varejo online. No cenário global, a tendência é igualmente preocupante: o crescimento do volume transacionado e a digitalização acelerada do consumo impulsionam a escalada do problema. Estimativas indicam que o volume global de chargebacks deve chegar a 324 milhões de transações até 2028, com perdas financeiras saltando de US$ 33,8 bilhões em 2025 para US$ 41,7 bilhões em 2028.
Para quem vive o dia a dia dos pagamentos no e-commerce, esse cenário está longe de ser abstrato. Ele aparece na prática como receita que vaza, tempo operacional desperdiçado e pressão direta sobre a margem, especialmente no pós-Black Friday, quando muitos lojistas percebem que vender mais não significa, necessariamente, vender melhor.
O equívoco de tratar chargeback apenas como fraude
Um dos erros mais comuns é tratar o chargeback exclusivamente como um problema de fraude. Embora a fraude de terceiros siga relevante, cresce rapidamente um outro tipo de risco: a fraude amigável, em que o próprio cliente contesta uma compra legítima por arrependimento ou conveniência. Hoje, cerca de 45% dos chargebacks globais caem nessa categoria.
Na prática, isso revela algo importante: chargeback é tão sobre experiência e processo quanto sobre segurança. Falhas de comunicação, políticas pouco claras, descrições de cobrança genéricas e um pós-venda ineficiente criam o ambiente perfeito para que o cliente pule o canal da loja e vá direto ao banco.
Quando isso acontece, o lojista não perde apenas a venda. Ele perde o produto, paga taxas adicionais, compromete seus indicadores de risco e ainda consome tempo da equipe em disputas longas e, muitas vezes, com baixa taxa de reversão.
Como controlar e prevenir chargebacks sem travar o crescimento
Controlar chargeback não significa endurecer a operação a ponto de prejudicar a conversão. Pelo contrário. As operações mais maduras entenderam que a prevenção começa antes do antifraude e termina depois da entrega.
Alguns pontos fazem diferença real:
– Transparência no pagamento: o nome que aparece na fatura precisa ser reconhecível. Uma parcela relevante dos chargebacks nasce do simples “não reconheço essa cobrança”.
– Pós-venda ativo e acessível: quando o cliente encontra a loja com facilidade, a chance de ele acionar o banco diminui drasticamente.
– Políticas claras de troca e devolução: facilitar o estorno voluntário é, muitas vezes, a melhor forma de evitar uma contestação bancária.
– Antifraude inteligente, não bloqueador: soluções modernas analisam comportamento, contexto e histórico, reduzindo fraudes sem elevar falsos positivos – um ponto crítico para não sacrificar vendas legítimas.
Chargeback, nesse sentido, funciona como um termômetro: quando a taxa sobe, quase sempre há algo quebrado na jornada.
Como recuperar chargebacks de forma estratégica
Recuperar chargebacks não deveria ser encarado como uma briga perdida com o banco emissor, mas, na prática, muitas disputas já começam em desvantagem. O principal motivo não é a decisão do banco, e sim a forma como o lojista lida com o problema.
Na maioria dos e-commerces, a contestação só vira prioridade quando o chargeback já aconteceu. A documentação é reunida às pressas, os prazos são curtos e o histórico da venda nem sempre está completo. Comprovantes de entrega, registros de atendimento, comunicações com o cliente e dados da transação deveriam estar estruturados desde a origem da operação, e não apenas como reação a uma disputa.
O que vem mudando esse cenário é a evolução das soluções de pagamentos e análise de risco no mercado. Hoje, já existem tecnologias capazes de ir além da simples prevenção, atuando também na recuperação de vendas contestadas, especialmente nos casos em que o cliente recebeu o produto, mas optou por contestar a compra. Isso muda completamente a lógica do chargeback: ele deixa de ser um prejuízo automático e passa a ser um evento gerenciável.
Mais do que tentar “ganhar a disputa”, o lojista maduro usa cada chargeback como aprendizado operacional. Cada chargeback analisado gera inteligência para ajustar processos, melhorar a experiência e reduzir a recorrência de casos. Ao transformar contestações em dados (e parte delas em receita recuperada), a operação deixa de crescer com vazamento e passa a escalar com controle e margem preservados.
Chargeback como decisão estratégica, não só financeira
Talvez o ponto mais negligenciado seja este: chargeback não é apenas uma métrica financeira, é uma decisão estratégica. Operações que crescem rápido sem controle de risco acabam pagando a conta depois, seja com aumento de taxas, bloqueio de recebíveis ou limitação de meios de pagamento.
Por outro lado, empresas que tratam pagamentos, antifraude e recuperação de vendas como parte do core do negócio constroem crescimento mais previsível, saudável e sustentável, mesmo em picos como a Black Friday e Natal.
No fim do dia, o chargeback expõe uma verdade incômoda, mas necessária: crescer no e-commerce exige tanto inteligência operacional quanto ambição comercial. Ignorar isso é apostar que o volume vai compensar ineficiências. A história recente do varejo digital mostra que essa aposta raramente se sustenta.