Aviso ao leitor: esta é uma coluna propositalmente autorreferencial. Alguém pode dizer: “Quando é que ela NÃO é autorreferencial de propósito?”, o que pode ou não ser justo, mas esse debate fica para outra hora.
A origem desta coluna foi uma conversa que tive com um amigo sobre os custos de um novo álbum que acabei de lançar (pode ter certeza de que os detalhes estão no final). A gente reclamava de como é difícil, sendo músico independente, criar trabalhos que soem profissionais e também “pareçam” profissionais. Embora a tecnologia facilite muito compor e gravar em casa, lançar algo que realmente prenda os ouvidos e os olhos ainda está fora de alcance para quem tem orçamento limitado. Além disso, se você leva sua música a sério, mas não consegue largar tudo e sair em turnê – ou seja, tocar ao vivo em todo bar e clube meia-boca que te aceite num raio de 500 quilômetros -, então precisa ser agressivo de outras formas.

Nesse momento, meu otimismo natural assumiu o controle, e eu disse que acreditava ser possível criar um público considerável para a própria música usando as redes sociais e mantendo um fluxo constante de conteúdo para alimentar a atenção e despertar interesse. Dei como exemplos Lady Gaga e Chappel Roan. Meu amigo – que pode ser visto como pessimista ou realista, dependendo da sua visão de vida – me desafiou a explicar como isso seria possível com um orçamento razoável.
“Encare-se como uma pequena empresa”, respondi, “e crie um orçamento para o quanto quer gastar com tudo. Priorize o que é mais importante pra você, decida o que pode e deve fazer sozinho, o que é melhor deixar para um profissional, e aí manda ver”.
Não é pelo dinheiro… é, sim, de certa forma
Do ponto de vista de uma pequena empresa, orçamentos de marketing geralmente não são construídos de baixo para cima. Eles são feitos de forma oportunista: se surge uma oportunidade, você avalia se pode ou não aproveitá-la. Mesmo em negócios altamente dependentes de fluxo de caixa, como uma floricultura ou um salão de beleza, o marketing não costuma receber um orçamento formal, mas sim as sobras depois que as funções principais do negócio são atendidas. Isso é totalmente compreensível e faz sentido até certo ponto, mas existe outro caminho.
E, já que estamos quase no começo do quarto trimestre do ano, é uma boa hora para pensar no planejamento de como você vai se promover em 2026.
Compor e gravar música não depende de fluxo de caixa além do que você já precisa para viver. Depende de um investimento inicial para adquirir o equipamento necessário para compor e registrar sua música. Lembre-se: um investimento inicial sem nenhuma expectativa de retorno financeiro é hobby, não negócio.
Na minha experiência, o avanço da tecnologia manteve esse investimento inicial relativamente estável: gasto cerca de US$ 4 mil a cada três anos, mais ou menos, no MacBook Pro mais recente, e já estou no meu quarto. Assim, por mais de uma década, o custo do meu computador se manteve constante, enquanto a tecnologia nele me permite fazer mais com softwares de gravação cada vez mais avançados. Outros equipamentos (guitarras, teclados, microfones, conversor de áudio digital, softwares etc.) também não exigem investimentos significativos, além da compra inicial e atualizações pagas ocasionais. A lista de equipamentos que você pode ou não querer para gravar em casa pode ser longa, mas dá pra considerar tudo isso como opcional.
Agora, vamos pular o exercício desgastante de escrever e gravar suas músicas e chegar ao momento de lançá-las. Suas músicas provavelmente estão em múltiplas faixas (em que cada instrumento/voz pode ser ajustado individualmente para soar bem dentro do todo) e, portanto, precisam ser mixadas. A partir daqui, separam-se os amadores dos profissionais: mixagem é uma arte e depende de ouvidos experientes e de um ambiente de escuta que permita ouvir como sua música soa em todos os contextos, desde um sistema audiófilo de alta qualidade até a saída de um celular. Depois da mixagem, vem a masterização, na qual ajustes importantes nos níveis gerais e no espectro de frequências são feitos. Esses são os 5% a 7% que realmente te colocam na liga dos profissionais, porque, por pior que sua música seja, uma música bem mixada e masterizada pelo menos soa “profissional”.
Considerando tudo o que foi exposto, fazer música não precisa de nenhum investimento adicional. Você só precisa decidir se vai ou não investir em mixagem e masterização profissionais, mas, de qualquer forma, seu projeto pode estar concluído. Assim que tiver um produto final com o qual esteja satisfeito, pode, por um custo simbólico (algo entre de graça até uns US$ 150), enviar sua música para um serviço de distribuição e ela será lançada em todas as principais plataformas de streaming, e você pide compartilhar os links nas suas redes sociais e com amigos.
Mas por que parar aí?
O Neymar deveria aparar a própria grama?
Como todos sabemos, usar as redes sociais para promoção não é um jogo de uma jogada só. É preciso um fluxo constante de conteúdo em várias plataformas sociais, sempre focado no seu objetivo. Em uma próxima coluna, vamos falar de estratégia de canais, mas, para esta conversa, vamos focar no que músicos precisam para maximizar seu alcance, e a resposta tem como base o videoclipe. Desde os primeiros dias da MTV (1981, para ser exato), a música é tão vista quanto ouvida. O produto de um compositor/intérprete passou a ser tanto a música gravada quanto o clipe, que virou quase uma parte obrigatória de qualquer lançamento.
A produção de vídeo sempre foi relativamente cara, a ponto de ser inalcançável para músicos sem contrato com gravadoras. A IA mudou tudo isso. Hoje, dá para fazer um videoclipe envolvente e com nível profissional usando IA. Os serviços de distribuição musical sabem disso, e muitos já incluem a distribuição de vídeo nos seus pacotes. O YouTube também sabe disso e posicionou o YouTube Music justamente na interseção entre streaming de música e de vídeo. Todas as plataformas sociais que conheço exigem que você informe quando um vídeo foi feito com IA, então criar conteúdo com elementos realistas que não existem de fato virou algo normal. A questão agora é descobrir como fazer seu vídeo.
Como sua própria pequena empresa, você precisa decidir se vai fazer ou delegar. Esse princípio vale para qualquer pequeno negócio: você cria seu produto porque sabe como, mas quando se trata de conteúdo em vídeo que valorize seu trabalho ou amplie o alcance da sua marca, é preciso avaliar se você tem tempo para aprender tudo isso ou se é melhor contratar um profissional.
Existem muitas plataformas de criação de vídeo não baseadas em IA que permitem inserir seu próprio conteúdo gravado no celular e aprimorá-lo, criando vídeos dos quais você pode se orgulhar. Quanto mais abstrata for a história que você quer contar, melhor a IA se encaixa para dar conta do recado. Fazer sozinho pode ser sua única opção, mas, como a maioria dos donos de pequenos negócios sabe, há valor a se ganhar em tempo e qualidade ao pagar um especialista, como ditam as leis do custo de oportunidade e da vantagem comparativa.
Pense no Neymar. A lei do custo de oportunidade diz que, mesmo que Neymar seja fisicamente capaz de aparar a própria grama, o tempo gasto com isso tem um custo altíssimo – porque ele poderia estar treinando, jogando ou fazendo comerciais, coisas que geram muito mais valor. Da mesma forma, a vantagem comparativa mostra que o conjunto de habilidades únicas do Neymar (talento de elite no futebol) significa que sua produtividade no esporte é infinitamente maior do que seria cuidando do jardim.
Uso IA com frequência para diferentes tarefas, mas criar meus próprios vídeos levaria muito mais tempo do que eu estava disposto a dedicar, principalmente considerando a lista de outras coisas que eu prefiro fazer por conta própria. Então fui a dois sites populares de freelancers para encontrar um especialista em IA que pudesse criar um vídeo para mim. O processo foi simples e, em poucos minutos, eu já estava cercado de opções. Mas encontrar a pessoa certa foi um pouco desafiador, e logo percebi que precisava refinar meu briefing. Eu precisava definir melhor o que queria, não só do projeto, mas também do profissional com quem iria trabalhar. Precisava de um artista com visão, capaz de dar vida às letras e às várias partes da música usando sua própria imaginação e conhecimento de IA. Eu não precisava de mais um par de mãos, eu precisava de um parceiro de verdade.
Isso é uma grande questão para uma pequena empresa, porque, em geral, quando você é o responsável, suas mãos estão em tudo. Percebi que, quanto mais eu soltasse o processo criativo, melhor poderia ser o resultado final. Pedi a três candidatos que compartilhassem seus portfólios com trabalhos que refletissem melhor sua própria visão, independentemente de serem comerciais ou não. Assim, eu poderia encontrar alguém com o grau certo de visão independente para trazer algo novo e inesperado para a minha música. Um briefing similar para uma operação comercial seria um pouco diferente, mas o ponto em comum é: ao contratar um freelancer, você está contratando uma agência de uma pessoa só. Ele precisa entender qual é o resultado que você quer e ainda acrescentar ideias novas a partir de uma perspectiva externa. No meu caso, o briefing era criar um vídeo visualmente impactante que ajudasse a contar a história da música e, ao mesmo tempo, posicionasse o artista (eu) de forma única, de modo que qualquer um que assistisse ao vídeo ficasse mais inclinado a ouvir o álbum inteiro.
Há outra questão importante ligada ao público-alvo: ser um músico que compõe e grava, mas que não depende de shows e bilheteria para encher o caixa, significa que você está criando um produto que não precisa ser focado no mercado local. Isso tira a prioridade da propaganda como opção de investimento. Música é um produto que tem vida útil praticamente eterna e, ao mesmo tempo, apelo de nicho. Por isso, é fundamental encontrar aqueles grupos de pessoas que vão se conectar ao seu trabalho e interagir com ele repetidamente.
O que nos leva às baleias.
“Você vai ficar famoso?”
Essa foi a primeira pergunta que meus filhos me fizeram quando mostrei para eles que meu álbum estava no Spotify. Eles são muito novos para entender o quão irrelevante estar no Spotify realmente é, muito menos o conceito de “venda por unidade” (tudo o que eles sabem é: “Olha, é o papai!”). É aqui que entra a conexão entre distribuição e público. Nos meus tempos de trabalho no setor de brinquedos e passatempos nos EUA, todos sabíamos que chegar às prateleiras do Walmart e da Target era o auge do sucesso: uma vez que sua marca tinha esse nível de disponibilidade, seu único trabalho era direcionar consumidores até a loja por meio da publicidade. Música é totalmente diferente. No mundo atual do streaming, a música já nasce globalmente disponível, mas facilmente se afoga no oceano de novas faixas carregadas todos os dias nas plataformas. A métrica da música são os “streams”, semelhantes aos “likes” nos primeiros tempos do Facebook.
Em audições de música, “baleias” (whales) são um pequeno grupo de superfãs que representam uma fatia desproporcional de streams, compras ou engajamento em comparação com o ouvinte médio. O termo vem da indústria de games e de aplicativos móveis, em que uma pequena porcentagem de usuários – as “baleias” – gasta muito e, na prática, financia o negócio. Aplicado à música, descreve as pessoas cujo comportamento movimenta boa parte da atividade da qual tanto as plataformas quanto os artistas dependem.
Em resumo: as baleias são a minoria apaixonada que impulsiona o consumo e a receita de forma desproporcional dentro do ecossistema musical. Voltando à explicação do Cubo de Intenção do Consumidor, sabemos que levar um consumidor até a transação é um desafio enorme e que conquistar um consumidor em potencial que não compra, mas ainda assim indica seu produto a um amigo, também é um investimento valioso.
Encontrar o equilíbrio entre identificar os superfãs e também aqueles que não são superfãs, mas ajudam a espalhar sua exposição, é fundamental. Pequenas empresas precisam encontrar o equivalente disso para elas. Quando você cria conteúdo sobre o seu negócio, sua tarefa é dupla: conquistar um novo público e, ao mesmo tempo, energizar sua base para manter o entusiasmo que, por indicação, vai trazer números maiores de audiência. O freelancer que você contratar para criar o conteúdo precisa estar ciente disso. Ele tem que saber que o que está fazendo não é só ajustar um prompt para gerar a imagem certa, mas sim criar algo que cumpra uma função específica. No meu caso, disse ao freelancer: “Se você tiver uma ideia que acha que pode ser meio exagerada, provavelmente está indo na direção certa”, porque eu preciso cortar o ruído e chamar atenção. Expliquei também que, para mim, é totalmente aceitável que o videoclipe receba mais likes e plays do que a música em si.
Nesse estágio do meu hobby, ter algo que ajude a alcançar um potencial viral já vale o meu investimento em conteúdo. Essa é uma estratégia sólida para qualquer pequeno negócio, não importa o que “viralizar” signifique para ele.
Alinhando discurso e prática
Estou jogando todos os meus recursos nesse projeto? Não, estou seguindo meu orçamento à risca. Estou aplicando todos os meus próprios princípios de marketing digital para fazer meu público crescer? Sim, mas é uma maratona, não uma corrida de 100 metros. Minha estratégia geral é fazer o primeiro disco soar e parecer o mais profissional possível, porque as músicas vão se sustentar ou não por seus próprios méritos. Depois, vou focar seriamente no segundo álbum para construir credibilidade como artista. Quero que o segundo álbum chegue com força e que meu público pequeno (mas em crescimento) perceba que acompanha o CulturalException desde o início. O segundo disco vai se beneficiar das lições que aprendi com o primeiro e me ajudar a decidir se isso continua sendo apenas um hobby ou se pode contribuir financeiramente de forma significativa, possibilitando até um terceiro disco.
Até chegar nesse ponto, meu foco é caçar baleias.
Você pode encontrar meu disco Problems Focusing, do CulturalException, em todas as principais plataformas de streaming, além de estar à venda no Bandcamp e no iTunes Music. Dá uma ouvida, siga @Cultexmusic no Instagram e compartilhe seu feedback.