Com a proximidade da Black Friday, o e-commerce brasileiro intensifica ações para mitigar fraudes em meio ao pico anual de cadastros, transações e movimentação financeira. Embora as plataformas tenham ampliado o uso de inteligência artificial (IA), validações automáticas e camadas avançadas de verificação, o volume de tentativas de golpes continua crescendo, o que pressiona varejistas, usuários e empresas de tecnologia.

O cenário é desafiador: apenas entre setembro de 2024 e março de 2025, a Febraban registrou aumento de 33% para 38% nas tentativas de golpes no país. E o total perdido em fraudes saltou de R$ 8,6 bilhões para R$ 10,1 bilhões em apenas um ano.
Para explicar como lidar com esse ambiente de risco ampliado, a reportagem do E-Commerce Brasil entrevistou Mercado Livre e Caf, empresa de verificação inteligente. Elas detalharam como funcionam seus sistemas de prevenção e por que o combate aos fraudadores se tornou uma verdadeira corrida tecnológica.
Identificação de vendedores
O processo de prevenção a fraudes começa antes mesmo das vendas. Fabiana Saenz, diretora de Inteligência Antifraude do Mercado Livre no Brasil, explica que a validação de vendedores no Mercado Livre é conduzida por meio de um sistema avançado de KYC (Know Your Customer), que analisa identidades de pessoas físicas e jurídicas com tecnologias de ponta. Entre 2024 e 2025, cerca de 46 milhões de usuários passaram pelo processo — e 5,4 milhões foram barrados por suspeita de fraude.
Além disso, a plataforma utiliza ciência de dados para detectar comportamentos atípicos, inclusive automatizando a formalização de vendedores que ultrapassam um certo volume de transações diárias, encaminhando-os à abertura de CNPJ.
Como especialista na parte operacional, Marcelo Sousa, VP de Produto da Caf, explica que o processo combina métodos tradicionais com análises sofisticadas. Deste lado, a verificação inclui:
- Checagem do CNPJ;
- Histórico da empresa;
- Correlação entre datas de abertura;
- Atividade suspeita;
- KYC para todas as pessoas associadas ao negócio.
Além disso, cocumentos, antecedentes e sinais digitais são cruzados com IA, que identifica inconsistências e falsificações em tempo real.
Segundo ele, é comum que fraudadores recém-criem empresas apenas para aplicar golpes. “Embora um CNPJ novo possa ser legítimo, muitos fraudadores criam empresas apenas para isso. A falta de histórico é um forte sinal de alerta”, diz.
IA, machine learning e monitoramento
Com a demanda da Black Friday, o reforço tecnológico se torna essencial para barrar cadastros irregulares e golpes em larga escala. O Mercado Livre opera com mais de 1,3 mil profissionais dedicados exclusivamente à prevenção de fraude, apoiados por sistemas de IA que analisam compradores, vendedores e transações.
No primeiro semestre de 2025, 647 milhões de publicações foram avaliadas na plataforma — apenas 1,06% foram removidas por violar as regras, sendo 99% identificadas de forma proativa por modelos de machine learning. Em menos de um segundo, o sistema analisa 5 mil variáveis para pausar ou remover anúncios suspeitos.
Segundo o executivo da Caf, em períodos como a Black Friday, os mecanismos de verificação precisam estar ainda mais robustos. A plataforma destaca o uso de IA para validar documentos complexos, conferir registros na junta comercial, checar dispositivos utilizados no cadastro e cruzar sinais de IP e geolocalização. “É possível identificar padrões suspeitos que uma análise humana não enxergaria”, afirma.
Ambas as empresas também monitoram redes sociais, um vetor crescente de golpes, para derrubar páginas falsas e perfis que imitam marcas oficiais.
Setores mais visados por fraudadores
Segundo Relatório de Transparência da empresa, durante a última Black Friday, as categorias mais visadas para fraudes foram:
- autopeças;
- softwares;
- contas de jogos.
Na visão de Sousa, a explicação é que fraudadores priorizam produtos de alta liquidez — aqueles que podem ser revendidos rapidamente no mercado secundário. Eletrônicos, por exemplo, são particularmente atraentes pela facilidade de revenda e pelo alto valor agregado.
Itens muito específicos ou de nicho, por outro lado, não costumam estar no radar por não garantirem retorno rápido.
Camas de segurança
Mesmo com avanços tecnológicos, o fator humano segue como um dos principais pontos de vulnerabilidade. Sousa destaca casos de engenharia social, em que o golpista convence a própria vítima a fornecer credenciais ou realizar pagamentos.
“Não estamos sempre lidando com hackers sofisticados, mas com manipulação direta das pessoas. Nesses casos, nenhuma ferramenta consegue barrar”, diz.
Para Fabiana, a escala também pesa. Em 2024, a empresa movimentou R$ 381 bilhões — 3,2% do PIB brasileiro — e recebeu mais de 100 milhões de compradores únicos. A amplitude do ecossistema naturalmente atrai tentativas de uso indevido.
Além disso, muitas empresas ainda tratam a prevenção como “custo”, não investimento estratégico. Isso, segundo ela, contribui para fragilizar o e-commerce e a segurança cibernética de forma geral. A falta de ação mais firme de redes sociais contra anúncios suspeitos também amplia o problema.
Avanços e aperfeiçoamento
Nos últimos anos, as técnicas de detecção evoluíram rapidamente. O Mercado Livre reforçou seu arsenal com IA para moderação proativa, proteção de propriedade intelectual e parcerias globais contra pirataria. O Brand Protection Program (BPP) já reúne mais de 87 mil direitos de propriedade intelectual e conta com o apoio da Aliança Anti-Pirataria (Maca), que envolve mais de 30 marcas internacionais.
Sousa destaca avanços no uso de biometria, sinais digitais e análise de dispositivos, além da validação de documentos não estruturados e detecção automática de adulterações — tudo impulsionado por modelos de IA cada vez mais precisos e rápidos.
“As mesmas tecnologias evoluem também do lado dos fraudadores. A criação de sites falsos, perfis clonados e e-mails fraudulentos ficou mais sofisticada, escalável e convincente. Não existe solução final. É uma corrida constante. Se as empresas param, os golpistas avançam”, conclui.