A crise causada pela venda de bebidas alcoólicas adulteradas com metanol segue se agravando e já mostra reflexos expressivos no varejo de alimentos e bebidas. Segundo o Índice Cielo do Varejo Ampliado (ICVA), o faturamento dos bares na cidade de São Paulo caiu 12,9% entre o fim de setembro e o início de outubro. Lanchonetes tiveram retração de 7,6%, restaurantes de 1,1%, e supermercados e hipermercados registraram queda de 0,6%.

De acordo com o Ministério da Saúde, atualizado nesta quarta-feira (8), o país soma 259 notificações de intoxicação por metanol, sendo 24 confirmações e 235 casos em investigação. Outros 145 registros foram descartados. As confirmações estão concentradas em São Paulo (20 casos), Paraná (3) e Rio Grande do Sul (1). O estado paulista também lidera em ocorrências sob investigação, com 181 notificações, seguido de Pernambuco (24), Paraná (5), Rio de Janeiro (5), Rio Grande do Sul (4), Mato Grosso do Sul (4), Piauí (4), Espírito Santo (3), Goiás (2), Acre (1), Paraíba (1) e Rondônia (1).
O balanço confirma ainda cinco mortes em São Paulo e outros 11 óbitos em apuração, sendo um em Mato Grosso do Sul, três em Pernambuco, seis em São Paulo e um na Paraíba.
Setor reage com campanhas e treinamentos
Diante do impacto direto nas vendas e do receio crescente dos consumidores, bares e restaurantes de São Paulo lançaram o movimento “Fique Tranquilo”, que reforça a procedência segura dos produtos oferecidos. Estabelecimentos passaram a divulgar nas redes sociais e em cartazes a origem das bebidas, citando inclusive distribuidores e fornecedores de confiança.
De acordo com a Abrasel-SP, a ação partiu de forma espontânea dos empresários e ganhou força com uma parceria entre a Abrasel, a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD) e a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe). Com apoio da Diageo, as entidades promoveram um treinamento gratuito para empreendedores sobre como identificar falsificações em garrafas, rótulos e tampas. O evento online contou com mais de 2 mil participantes no primeiro dia.
O peso e o impacto do mercado ilegal
A ABBD estima que 28% dos destilados vendidos no país são ilegais, o que representa R$ 28 bilhões em impostos não recolhidos. Já a Federação de Hotéis, Bares e Restaurantes do Estado de São Paulo (Fhoresp) calcula que 36% das bebidas comercializadas podem ser fraudadas, falsificadas ou contrabandeadas.
Um levantamento da Fiesp mostra que o mercado ilícito de alimentos e bebidas movimentou R$ 662 milhões apenas em São Paulo em 2024, com perdas de R$ 147 milhões em impostos e R$ 28 milhões em renda não gerada para trabalhadores. Além do prejuízo fiscal, o cenário amplia o desafio das marcas de bebidas e dos varejistas que atuam dentro da legalidade, ao verem sua reputação colocada em risco por práticas criminosas.
Fiscalização e investigações em andamento
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) intensificou a fiscalização em bares, empórios e distribuidoras. Mais de 2,5 mil garrafas adulteradas foram apreendidas e nove estabelecimentos foram fechados, entre eles duas distribuidoras.
As investigações conduzidas pela Polícia Civil de São Paulo apontam que parte das contaminações pode ter ocorrido durante a limpeza inadequada de vasilhames com metanol, mas também há indícios de atuação de grupos organizados.
A Abrabe informa que acompanha mais de 160 operações de combate ao mercado ilegal desde 2024. “O mercado legal sofre e é altamente impactado por um sistema que persiste há anos e afeta toda a cadeia produtiva, de distribuição e arrecadação fiscal”, afirma a entidade.
Governo corre para importar antídoto
Com o avanço dos casos, o Ministério da Saúde e a Anvisa iniciaram um esforço emergencial para importar o fomepizol, medicamento usado como antídoto contra intoxicações por metanol. O remédio não é comercializado no Brasil, e a agência abriu um edital de chamamento internacional para localizar fabricantes e distribuidores capazes de fornecer o produto com urgência.
O reflexo no varejo e a perda de confiança do consumidor
O impacto da crise extrapola os bares e restaurantes. O varejo alimentício especializado, que inclui empórios, adegas e lojas de bebidas premium, registrou retração de 1,18%, segundo o ICVA. Embora o percentual pareça pequeno, ele representa uma inflexão relevante num setor que vinha em recuperação desde o segundo trimestre, impulsionado por eventos sociais e consumo fora do lar.
A retração ocorre num momento de alta sensibilidade do consumidor brasileiro à percepção de risco e autenticidade. Com a disseminação de notícias sobre intoxicações, cresce a tendência de substituição de produtos e marcas, o que pode favorecer supermercados e e-commerces que destacam garantias de procedência e rastreabilidade.
Analistas apontam que o episódio pode acelerar mudanças estruturais no varejo de bebidas, com aumento da demanda por sistemas de rastreabilidade, certificação digital e canais de compra direta das marcas, reduzindo intermediários e combatendo a informalidade. O tema também reforça o debate sobre a digitalização da cadeia de suprimentos e a integração de dados entre fabricantes, distribuidores e pontos de venda.
Para Carlos Alves, vice-presidente de Tecnologia e Negócios da Cielo, o cenário combina um efeito imediato de retração com uma mudança de comportamento mais duradoura. “A retração geral já era esperada pelo momento do ciclo econômico, mas é inegável o impacto adicional da crise do metanol sobre o setor”, disse.
Com o feriado prolongado e o fim de semana à vista, o desempenho das vendas deve servir como termômetro da recuperação (ou não) da confiança do público. O resultado das próximas semanas pode determinar o ritmo de retomada de um dos segmentos mais sensíveis do varejo brasileiro.