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Um novo olhar sobre estoques e consumo na indústria da moda

Por: Guillermo Freire

CEO da Backchannel

Guillermo Freire atua nas áreas de internet, varejo e inovação logística, tem MBA em Empreendedorismo pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. É cofundador da Trocafone, marketplace líder na compra e venda de eletrônicos seminovos no Brasil, e da BackChannel, startup dedicada a transformar a comercialização de estoques na América Latina, conectando grandes marcas a compradores de forma sustentável.

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Um dos maiores paradoxos da moda atual é que, apesar da modernização vista nas vitrines digitais, na recomendação dos algoritmos e na velocidade de entrega, a lógica de produção em si teve poucas mudanças ao longo do tempo. A engrenagem que movimenta o setor continua baseada na mesma equação industrial do século XX: fabricar grandes volumes para reduzir custos unitários. O resultado é uma montanha crescente de roupas que nunca serão vendidas. Estima-se que entre 10% e 40% das peças produzidas no mundo acabam encalhadas, o equivalente a até 60 bilhões de itens por ano.

Mão erguida saindo de uma pilha de roupas coloridas.
Imagem: Reprodução.

Segundo dados de um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), publicado em março de 2023, o setor da moda é responsável por cerca de 10% das emissões globais de carbono a cada ano. O documento também aponta que a produção de roupas atualmente é o dobro do que era no início dos anos 2000. Estima-se ainda que os consumidores estejam comprando aproximadamente 60% mais peças, mas usando-as por metade do tempo. Nessa equação, o impacto negativo recai sempre sobre o meio ambiente e, paradoxalmente, sobre o próprio mercado.

Hoje, essa realidade começa a ser questionada. Ferramentas de inteligência artificial aplicadas à previsão de demanda, modelos sob encomenda e cadeias de suprimento mais transparentes apontam novos caminhos. Eles ainda são exceções, mas indicam que há espaço, e urgência, para uma mudança de rota.

Aplicação de inteligência artificial para questões ambientais

A IA já ajuda a prever desastres naturais, otimizar o uso de energias renováveis e modelar riscos climáticos. Um relatório do Boston Consulting Group apontou que a inteligência artificial pode reduzir de 5% a 10% as emissões de gases de efeito estufa até 2030. Embora soluções tecnológicas já estejam disponíveis, ainda não são amplamente adotadas. Ainda assim, a IA tem potencial para acelerar significativamente a resposta do setor empresarial aos desafios climáticos, especialmente no comércio B2B.

Sua aplicação vem promovendo avanços em três frentes: gerando dados e insights que orientam decisões de compra e venda mais conscientes, antecipando padrões de consumo e comportamento de mercado, o que permite uma adaptação mais eficiente a contextos de escassez ou excesso, e indicando rotas inteligentes para a redistribuição de estoques, reduzindo desperdícios e otimizando o aproveitamento de recursos em diferentes cadeias de suprimento.

Ao conectar dados, pessoas e produtos com agilidade e inteligência, a IA aplicada ao B2B fortalece o crescimento sustentável dos negócios e colabora ativamente para reduzir os impactos ambientais.

Se de um lado estão as indústrias com estoques parados e necessidade de liquidez, do outro, lojistas e revendedores buscam variedade, preço e agilidade para crescer. Ao conectar essas pontas com a ajuda da tecnologia, é possível fechar o ciclo da economia circular, gerando valor tanto para quem escoa seus excedentes quanto para quem compra, que passa a ter acesso a marcas antes inalcançáveis e ganha fôlego para escalar seus negócios.

O consumidor mais atento já percebeu que boa parte do que se compra tem vida curta, ou sequer chega a ser usada e tem reforçado seu desconforto com práticas que ignoram o impacto ambiental e humano da produção em larga escala. Afinal, cada camiseta produzida e não vendida carrega custos invisíveis: desde o uso de água, energia e matérias-primas até o esforço de quem está nas etapas mais invisibilizadas da cadeia.

Ao rediscutir o que significa produzir e consumir com responsabilidade, o setor se vê diante de uma oportunidade histórica. Eliminar excessos, adotar estratégias de revenda inteligente e priorizar modelos mais circulares não apenas evita perdas, mas agrega valor, fortalece reputações e alinha as marcas aos desafios contemporâneos. O futuro da moda, e do varejo como um todo, pode ser mais leve para quem veste, para quem produz e para o planeta.