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Black Friday e tributação: o impacto fiscal por trás dos descontos

Por: Marcelo Simões

Marcelo Simões é sócio e co-fundador da Comtax, consultoria especializada em soluções fiscais digitais e automação tributária. Com ampla experiência em tax determination, compliance fiscal e transformação digital, lidera operações estratégicas da empresa, atendendo grandes clientes no Brasil. Marcelo é um especialista na adaptação de empresas às mudanças tributárias, especialmente no contexto da reforma fiscal brasileira. Possui formação em Economia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e MBA pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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Já há alguns anos, a Black Friday representa uma das datas mais esperadas do varejo brasileiro, passando, dessa forma, a demandar por parte das empresas planejamentos robustos em termos de marketing, precificação e logística.

Objetos de escritório e um carrinho de compras ao redor da palavra Black Friday em fundo azul.
Imagem: Freepik.

Para se ter uma ideia de sua importância para o setor, espera-se, em 2025, uma movimentação de R$ 13,34 bilhões durante o período promocional, conforme projeções da Associação Brasileira de Inteligência Artificial e E-commerce (ABIACOM). Em relação aos resultados do ano passado, esse valor representa um crescimento de 14,7% – em 2024, o faturamento total foi de R$ 11,63 bilhões.

Contudo, apesar do potencial em resultados para as empresas varejistas, uma questão ainda permanece: até que ponto a carga tributária brasileira e suas condições limitam a margem real de desconto oferecida ao consumidor?

Importância da gestão fiscal no período

Sob diversos aspectos, a Black Friday demanda grandes planejamentos por parte das companhias, mas existe um ponto crucial que pode definir o êxito ou o fracasso da operação: a gestão fiscal e tributária para e durante o período.

Isso porque, por trás das vitrines virtuais e campanhas publicitárias, o sistema tributário exerce um papel central na formação dos preços e, consequentemente, nas dinâmicas de consumo. No varejo de bens e serviços, a complexidade fiscal presente no ambiente brasileiro se manifesta em múltiplas camadas.

Atualmente, o ICMS, de âmbito estadual, é aplicado sobre a circulação de mercadorias e serviços de transporte e comunicação, com alíquotas que variam de acordo com o estado. O IPI, de competência federal, incide sobre produtos industrializados, sejam nacionais ou importados. O PIS e a Cofins, federais e aplicados sobre o faturamento, adicionam mais um peso tributário à estrutura de custos das organizações. Dependendo do regime tributário e do tipo de bem, esses encargos podem, no fim, consumir mais da metade da margem de lucro de um varejista.

Assim, durante a Black Friday, período em que a competição por preços é mais intensa, essa estrutura fiscal tende a se tornar ainda mais desafiadora. A oferta de um desconto efetivo de 40% ou 50%, por exemplo, exige mais do que uma negociação com fornecedores: requer um planejamento fiscal detalhado.

Isso porque as empresas do setor precisam equilibrar custos de aquisição, impostos, despesas logísticas, marketing e, ainda, as obrigações fiscais que são aplicadas mesmo sobre produtos com preços reduzidos.

O cenário brasileiro ainda é marcado por desigualdades tributárias regionais históricas, e diferentes alíquotas de ICMS e regimes tributários acabam por criar distorções que impactam diretamente o preço final de produtos, o que torna a operação dos e-commerces ainda mais complexa em âmbito nacional.

E, para além de questões relacionadas a margens e precificação, durante a Black Friday, o desafio se intensifica também no que diz respeito às questões técnicas, ampliando o risco de inconsistências fiscais e erros na emissão de notas, o que compromete o cumprimento
das obrigações.

Isso porque a grande quantidade de transações que acontecem nas plataformas exige que os sistemas fiscais das empresas sejam capazes de apurar e registrar de forma correta as informações em tempo real.

Em operações interestaduais, por exemplo, a atenção precisa ser ainda maior, justamente pelas citadas diferenças de alíquota, obrigações acessórias e regimes específicos de crédito tributário, que podem transformar campanhas promocionais mal planejadas em problemas de compliance fiscal.

Reforma tributária: promessa de simplificação

Dentro do contexto apresentado, a reforma tributária, que se encontra em fase de implementação, surge como uma promessa de simplificação do sistema. A partir do novo modelo de IVA dual – composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) –, caminha-se para a substituição de um conjunto fragmentado de tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um sistema mais simples e transparente.

Além disso, a cobrança dos impostos passará a acontecer no destino do consumo, mudança que tende a reduzir a guerra fiscal existente entre os estados, proporcionando um ambiente de maior previsibilidade – uma transição que, para o varejo, pode representar um salto em termos de eficiência operacional e simplificação da apuração de tributos.

Durante campanhas sazonais, como é o caso da Black Friday, varejistas devem se beneficiar dessas mudanças, visto que o cálculo da precificação e definição de descontos tende a ser mais simples e homogêneo, sem diferenças para todo o território nacional. Assim, empresas que se anteciparem às mudanças – realizando investimentos em tecnologia e capacitação – não só poderão estabelecer ofertas mais competitivas, mas também operar com margens mais sustentáveis.

Quem também se beneficia dentro desse contexto de Black Friday é o consumidor, sendo uma oportunidade de aproveitar produtos com menores preços. Com a reforma tributária em curso, a tendência é que, nos próximos 40 dias, haja um alto volume de alterações tributárias, com majoração de alíquotas que prevalecerão para o próximo ano.

Com isso, a Black Friday se torna uma oportunidade para o consumidor aproveitar as atuais alíquotas de consumo, e conseguir vantagens nas aquisições antes do período de transição que se aproxima.

Em períodos em que cada ponto percentual de margem é relevante, a eficiência fiscal pode representar um verdadeiro divisor de águas. E, em meio a milhões de transações e regras tributárias complexas, o uso de tecnologias de automação pode ser de grande valor para as empresas, visto que permitem o acompanhamento de alíquotas, apuração de tributos e identificação de créditos com precisão, garantindo ainda que os descontos de promoções não se percam em custos invisíveis.

Em outras palavras: dentro de ambientes de negócio de ampla concorrência, transformar gestão tributária em inteligência operacional pode ser o passo que diferencia quem apenas vende de quem, efetivamente, lucra.