A capivara virou a nova queridinha da internet. Basta abrir o feed para topar com vídeos do animal tomando sol, descansando na beira de um lago ou simplesmente sendo… capivara. A estética tranquila, o olhar sereno e a personalidade aparentemente zen transformaram o roedor num ícone instantâneo das redes sociais. E, como já virou regra no e-commerce, tudo o que viraliza se transforma rapidamente em produto: pelúcias, chaveiros, camisetas, planners, adesivos e até decorações temáticas surfam na onda.

O fenômeno aquece buscas e vendas, impulsiona criadores e ativa campanhas inteiras de marcas. Mas, enquanto o mercado aproveita o hype, especialistas fazem um alerta importante. A capivara pode ser fofa, mas não é pet. E entender essa diferença é essencial para garantir uma convivência segura em cidades onde a presença do animal é cada vez mais comum.
A bióloga especialista em animais silvestres Marjory Spina explica que essa paixão coletiva tem nome no meio científico: fofofauna. O termo descreve espécies que despertam empatia e encantamento, frequentemente impulsionadas por imagens carismáticas. Para ela, o carinho não é problema; o risco está na ideia equivocada de domesticação. “Não podemos esquecer que são animais silvestres e devemos respeitar seu espaço e não humanizá-los” afirma.
A internet ama, mas a aproximação pode trazer riscos
Com a popularidade, também aumenta o número de pessoas que tentam chegar perto demais. Spina lembra que, apesar da aparência pacífica, a capivara é territorial e pode se defender se se sentir ameaçada, especialmente quando está com filhotes. Ela também destaca a relação do animal com o carrapato-estrela, vetor da febre maculosa. Não é a capivara que transmite a doença, mas ela funciona como amplificadora do carrapato em regiões onde o parasita circula. Em outras palavras, a capivara não é vilã, mas a aproximação desnecessária pode colocar humanos e animais em risco.

Além das questões sanitárias, as cidades criam um cenário que afeta diretamente o comportamento e a segurança. Quanto mais habituadas ao ambiente urbano, mais as capivaras se aproximam de vias movimentadas. Atropelamentos são frequentes e se tornaram uma das causas mais comuns de resgate de fauna. “Elas tendem a circular próximo de vias, aumentando o risco de colisões”, explica Spina.
Como conviver com responsabilidade (e sem achar que virou personagem de desenho)
A especialista reforça que o segredo é manter distância. A regra é simples: observar, não tocar e jamais alimentar. Oferecer comida altera o comportamento natural, cria dependência e pode até fazer mal ao animal. Outro ponto essencial é manter cães afastados. Ataques entre as espécies são recorrentes e colocam ambos em risco.
A urbanização também interfere na dinâmica familiar das capivaras, alterando dieta, rotina e até frequência reprodutiva. Em ambientes com alimento abundante, grupos podem se reproduzir mais vezes ao ano, algo que muda completamente a lógica da espécie. Por isso, políticas de manejo ético e monitoramento permanente são fundamentais. Segundo Spina, a manutenção de áreas verdes conectadas a corpos d’água, além de programas de esterilização quando necessários, ajuda a preservar o bem-estar da espécie sem gerar estresse desnecessário.
Quando a fofura encontra a política pública
Se o hype existe nas redes, ele também se reflete nas cidades. O médico veterinário da Prefeitura de São Paulo Marcello Schiavo Nardi acompanha de perto a presença crescente de capivaras em parques e margens de rios. Ele confirma que o aumento é real e já mobiliza ações de orientação à população. Um dos materiais desenvolvidos é o Manual Cidade Amiga da Fauna, que reúne recomendações de convivência segura com animais silvestres urbanos.

Nardi reforça que a capivara é nativa e protegida por lei. Isso significa que agressões, capturas ou tentativas de manejo por conta própria são proibidas. Assim como Spina, ele destaca a relação com o carrapato-estrela e lembra que programas de esterilização são adotados em áreas com circulação da febre maculosa. O veterinário alerta que, ao visitar regiões verdes, é importante verificar roupas e procurar atendimento médico caso haja febre após a exposição.
O que ninguém conta sobre a vida urbana das capivaras
Outro tema recorrente enfrentado pela prefeitura é o conflito entre cães e capivaras. Muitos tutores deixam seus animais soltos em parques, o que aumenta ataques e reações defensivas. Há também um problema menos óbvio, mas igualmente grave: o lixo. Resíduos descartados nos rios podem ficar presos no corpo das capivaras e causar ferimentos profundos.
As situações de resgate incluem casos inusitados, como capivaras que entram em postos de gasolina, shoppings ou escolas. Um ponto crítico são os atropelamentos, especialmente em vias como a Marginal Pinheiros, onde a presença de capivaras coloca em risco motoristas e o próprio animal. Nessas situações, a orientação é sempre acionar órgãos ambientais especializados.
Afinal, a popularidade ajuda ou atrapalha?
A resposta é: depende. Para Spina, o interesse crescente pode estimular políticas públicas, aumentar a empatia e fortalecer a educação ambiental. Ao mesmo tempo, a romantização excessiva reforça comportamentos inadequados, como tentar tocar, alimentar ou tratar o animal como pet. A bióloga lembra que toda espécie tem um papel ecológico essencial. No caso da capivara, isso inclui o controle da vegetação em áreas de pastagem e ambientes aquáticos.
Nardi complementa com um lembrete simples e direto: manter distância é um ato de respeito. Ele explica que sinais como pelos eriçados e batidas de dentes indicam estresse e que a aproximação deve ser interrompida imediatamente. Em resumo, admirar a capivara é totalmente possível, mas de longe.
A febre das capivaras alcançou o varejo digital e não dá sinais de desaceleração. Marcas aproveitam o momento e consumidores adoram o tema, mas a popularidade também reacende debates importantes sobre convivência, preservação e responsabilidade ambiental. A capivara pode até ser o animal mais amado da internet, mas continua sendo o que sempre foi: um símbolo da fauna brasileira que merece respeito, espaço e condições adequadas para viver em paz.