A inteligência artificial e os modelos SaaS estão acelerando transformações no marketing global, mas com ritmos diferentes entre os mercados. Segundo estudo deste ano da McKinsey, 78% dos entrevistados dizem que suas organizações usam IA em pelo menos uma função de negócios, acima dos 72% no início de 2024 e 55% no ano anterior. No Brasil, o uso ainda é mais concentrado em grandes empresas, o que evidencia diferenças de maturidade, acesso e oportunidade em relação aos Estados Unidos.

Depois de 15 anos construindo pontes entre tecnologia e negócios, posso afirmar com propriedade: a diferença entre Brasil e EUA não é apenas de tempo, é de mentalidade estrutural. Nos Estados Unidos, SaaS e IA não são “ferramentas do futuro”, são utilitários básicos, como energia elétrica. Lá, uma startup de cinco pessoas já nasce integrada, com automações rodando, dados fluindo entre sistemas e decisões sendo tomadas por algoritmos. É uma questão de infraestrutura mental.
No Brasil, mesmo multinacionais bilionárias ainda operam marketing com “gambiarras digitais”. Planilhas compartilhadas no WhatsApp, campanhas aprovadas por e-mail, relatórios montados manualmente. É o que chamo de “Síndrome do Sucesso Improvisado”: empresas que cresceram apesar da desorganização, não por causa da eficiência. A questão central não é tecnológica. É cultural.
Dois mercados, dois usos
Aqui mora a raiz de tudo. O modelo americano foi construído para escalar. O brasileiro foi construído para sobreviver. Nos EUA, o mindset é: “Como posso prever, automatizar e escalar isso?”. No Brasil, ainda é: “Como posso resolver isso agora e seguir para o próximo fogo?”.
Essa diferença se reflete diretamente na adoção de SaaS:
Modelo americano:
– Cultura de experimentação com orçamento dedicado;
– ROI medido em trimestres, não em meses;
– Times especializados em ferramentas específicas;
– Integração como prioridade, não como “nice to have”.
Modelo brasileiro:
– Cada real investido precisa trazer retorno imediato;
– Resistência a mudanças que podem “quebrar o que funciona”;
– Profissionais multifuncionais (um designer que também faz mídia paga);
– Soluções pontuais, não ecossistemas integrados.
Oportunidades e barreiras
No Brasil, cada barreira carrega uma oportunidade exponencial disfarçada, desde que se saiba onde olhar. Entre os entraves reais, três se destacam: a desintegração sistêmica, em que ferramentas como CRM, mídia paga e dados de vendas operam de forma isolada, gerando uma visão fragmentada do customer journey; a cultura da dependência pessoal, que concentra o conhecimento crítico em poucas pessoas e trava a operação sempre que alguém sai; e a síndrome do “jeitinho tecnológico”, que leva empresas a adotarem soluções sofisticadas demais para tarefas simples, acumulando custos sem retorno real. O resultado? Um ciclo vicioso de baixa eficiência, alto risco e desperdício tecnológico.
Mas é justamente nesse cenário que surgem as vantagens ocultas. A ausência de sistemas legados pode permitir um salto quântico direto para o estado da arte em IA generativa, sem a necessidade de migração. Em um país de alta carga tributária e margens estreitas, cada ponto de automação se converte em vantagem competitiva imediata. E talvez o maior diferencial: a adaptabilidade brasileira, historicamente vista como improviso, pode ser traduzida em inteligência artificial contextual, sistemas que aprendem com o caos e transformam o jeitinho em automações elegantes.
Nos próximos cinco anos, quem souber explorar essa flexibilidade vai ultrapassar mercados mais maduros, mas presos a estruturas rígidas. A pergunta é: vamos continuar importando soluções ou finalmente exportar inovação?