Com certeza o caro o leitor que vive o universo do e-commerce já sabe que o Brasil está implementando uma ampla reforma de seu sistema tributário sobre o consumo. A promessa é de simplificação de um dos sistemas mais complexos do mundo, por meio da substituição de tributos atuais por novos modelos de arrecadação.

Em que pese algumas indefinições (as alíquotas, por exemplo, ainda não foram definidas), é possível afirmar que não se trata apenas de trocar tributos antigos por novos. A reforma representa uma mudança profunda na lógica de apuração e recolhimento dos tributos, dentre elas, a adoção de novas técnicas de não cumulatividade – entendida resumidamente como o confronto débitos e créditos – com o objetivo de tributar apenas o valor agregado das operações.
Essa mudança demandará atenção redobrada por parte das empresas do e-commerce, já que poderá afetar diretamente modelos de precificação, exigência de capital de giro e fluxo de caixa. Pode ser um erro estratégico focar exclusivamente nas novas alíquotas da CBS e do IBS. O impacto mais relevante pode estar na forma como o sistema como um todo afetará a dinâmica operacional e financeira dos negócios.
O custo de uma operação, por exemplo, é composto não apenas pelo valor da transação, mas também pelos tributos que podem ou não ser recuperados. Tributos como ICMS, PIS e Cofins contam com regras específicas de creditamento, conforme seus regimes de não cumulatividade. Essas regras serão alteradas no IBS e CBS.
Além disso, alguns dos regimes tributários que serão modificados não adotam qualquer técnica de não cumulatividade. É o caso, por exemplo, das empresas optantes pelo Lucro Presumido, no que se refere ao ISS e do PIS e Cofins. Com a implementação da não cumulatividade, o controle dos créditos passará a ser uma nova preocupação para todas as empresas, e não apenas as do Lucro Real, exigindo maior atenção na apuração e na escrituração das operações.
Alterações práticas que o e-commerce vai enfrentar
Essa nova dinâmica dos créditos fiscais poderá impactar, inclusive, a escolha das empresas pelo Simples Nacional, que, embora preveja uma tributação mais benéfica, em regra, não permitirá a transferência de créditos calculadas sobre as alíquotas de referência, mas sim com base no valor efetivamente pago.
Por isso, um e-commerce que hoje está no Simples Nacional talvez terá que repensar seu modelo ao realizar operações B2B, já que nesse segmento a transferência de créditos poderá ser um diferencial concorrencial.
Outro ponto sensível é a adoção do split payment, mecanismo que separa e destina automaticamente a parcela correspondente ao tributo no momento da transação financeira. Hoje, a empresa recebe o valor total da venda e só precisa recolher o imposto posteriormente, o que pode representar um prazo de até 55 dias com o valor em caixa. Com o split payment, esse intervalo desaparece: os recursos vão direto para os cofres públicos, reduzindo o capital disponível e exigindo ajustes na gestão do fluxo de caixa.
Estratégia financeira e operacional em tempos de mudança
Diante desse cenário, torna-se imprescindível que as empresas do e-commerce revejam suas estratégias financeiras e operacionais. A combinação entre alíquotas potencialmente mais altas, novas regras de creditamento e a possibilidade de imediata retenção dos tributos via split payment pode comprometer o capital de giro, pressionar os preços e afetar a competitividade.
Por isso é que podemos afirmar: mais do que uma reforma tributária, o que está em curso é uma mudança estrutural na lógica de funcionamento dos negócios no Brasil.