Em 1956, Tom Jobim e Vinicius de Moraes compuseram a canção “Se todos fossem iguais a você”. Naquele tempo, a ideia de uniformização de padrões sugerida pela letra até passava despercebida ou seria muito bem-vista, inclusive por exaltar, no contexto dessa música, um ideal de amor. Quase 70 anos depois, seu título pode causar outros tipos de reflexão, bem menos românticos, sobretudo em profissionais de marketing. Afinal, na era da hiperpersonalização, ninguém quer ser igual a ninguém: as pessoas querem ser tratadas como únicas.
Para viabilizar o one-to-one em escala, a inteligência artificial surge como grande aliada. No entanto, para atingir os resultados desejados, como engajamento e fidelização, é necessário ser criterioso o bastante no uso das tecnologias para não cair na perigosa armadilha da personalização padronizada.

Se dados da McKinsey apontam que 71% dos consumidores esperam das empresas interações personalizadas, um contingente ainda maior deles (76%) se diz frustrado quando a personalização não acontece, mesmo com IA atuante no processo. A mensagem é clara: se vai fazer, pois faça direito, que “a gente quer inteiro e não pela metade”, como já diz um verso da música “Comida”, dos Titãs.
Assim, o grande desafio atual é oferecer ao cliente uma experiência única, em que a estratégia da personalização ultrapasse lugares-comuns e estereótipos para de fato atingir as particularidades de cada perfil e, assim, tornar-se uma comunicação realmente engajadora.
A importância das nuances na personalização
Vamos seguir na trilha sonora deste artigo falando um pouco de playlists? O costume de fazê-las é muito comum atualmente, e muitas delas chamam a atenção exatamente pela pluralidade de gostos ali expressos. Sim, um Tom Jobim pode se sentir super à vontade junto de um Titãs e de repente seguido por um hit da banda irlandesa U2. Por que não?
Veja que esse mix não significa que o dono da playlist goste de outras bandas de rock estrangeiro dos anos 80 além do U2, ou de todo o catálogo do rock brasileiro da época, do qual os Titãs fazem parte. Tom Jobim, para esse fã de música em particular, pode ser apenas uma exceção no que diz respeito à bossa-nova e à MPB, e sua presença na lista não indica automaticamente que Edu Lobo e Nara Leão façam parte da praia desse ouvinte.
Dessa maneira, é preciso uma análise bem mais detalhada de toda a playlist para ter uma ideia mais certeira sobre qual artista poderia ser sugerido para fazer parte dela. Percebe aonde quero chegar com essa analogia? Aplicando o raciocínio sobre a playlist para jornadas de compra, podemos dizer que a banda toca de diferentes maneiras para cada consumidor, e muitas vezes as peculiaridades estão mesmo é nas sutilezas.
Surge, então, a pergunta: até que ponto estamos realmente personalizando se usamos ferramentas que muitas vezes geram resultados baseados em padrões? A resposta passa pela origem dos dados utilizados para gerar as experiências dos consumidores.
Evitando a pseudopersonalização com dados contextuais
A personalização automatizada não pode correr o risco de ser genérica. Quando as bases são mal exploradas e os prompts pouco detalhados, a escalada da customização perde a leitura das nuances, levando a resultados pasteurizados. Nesses casos, a personalização acontece verdadeiramente.
Ferramentas como ChatGPT e algoritmos de recomendação muitas vezes descampam para o terreno do “modo template” da personalização – uma pseudopersonalização, digamos. A saída para esse problema está nos inputs.
Os fãs de música costumam montar diferentes playlists para ocasiões distintas. Em geral, as pessoas não ouvem os mesmos sons em situações tão diversas quanto um jantar para amigos, uma noite a dois ou pegar a estrada. As melodias acompanham os estados de espírito ou mesmo as fases da vida.
Transpondo essa lógica para o consumo em suas mais variadas vertentes, podemos entender a importância da coleta de dados contextuais em tempo real, levando em conta aspectos como geolocalização, clima e momento da trajetória pessoal e profissional, entre outros. Como eu já mencionei anteriormente, essas nuances são determinantes para prever e entender as necessidades do público-alvo e atendê-las com excelência. Colocar um hit romântico intimista na hora de acelerar durante uma viagem de negócios pode ter resultados desastrosos na fidelização do ouvinte.
O papel da curadoria humana e da segmentação avançada
Nesses processos, o equilíbrio na hibridização entre IA e curadoria humana também é fator-chave. Interações humanas em pontos críticos da jornada são fundamentais para a compreensão de contextos emocionais e culturais.
Os critérios para a segmentação das bases de dados também fazem toda a diferença. Além de se valer da multiplicidade de fontes para prospectá-los, associando a captação a estratégias multicanais, é preciso aprofundar os parâmetros: considerar microtribos, grupos sociais com características bem específicas, em vez de olhar apenas para a demografia.
Pense que um fã de MPB pode ser aquele que adora a turma da Tropicália, de Caetano e Gil, mas considera bossa-nova “calma demais”; ou, ainda, prefere gerações mais contemporâneas de artistas, como Marisa Monte e Arnaldo Antunes. São muitos gostos dentro do mesmo gosto, por assim dizer.
O maior desafio, e a graça, desse jogo do “qual é a música?” da personalização automatizada é calibrar o uso das ferramentas e da expertise humana para compor uma jornada do consumidor em sintonia com suas expectativas ou que até vá além delas. Quais os seus instrumentos nessa orquestração?