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O preço certo no momento certo: como a precificação inteligente está redesenhando o varejo

Por: Fernando Menezes

Graduado em Letras e pós-graduado em Marketing pela FAAP, Menezes possui especialização em Advanced Management pela The Wharton School, na Filadélfia. Com mais de 25 anos de experiência no varejo, construiu uma trajetória sólida em liderança e inovação. Foi CEO da Eiprice, startup de inteligência competitiva para comércio eletrônico adquirida pela Selbetti em 2025. Atuou também como presidente da Pesquise Já – Pesquisa e Soluções Mercadológicas e como VP Comercial do Walmart Brasil, acumulando ampla experiência estratégica no setor.

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R$ 2,6 trilhões. Esse é o volume que o varejo brasileiro movimenta anualmente, segundo dados recentes do IBGE. Mas, por trás desse número monumental, esconde-se um paradoxo: enquanto a escala do setor cresce, a margem de manobra dos varejistas encolhe. Pressionados pela volatilidade do consumo, por uma concorrência agressiva e por clientes cada vez mais sensíveis a preço, muitos ainda baseiam suas decisões comerciais em planilhas manuais, regras fixas e uma intuição que já não acompanha o ritmo do mercado. Em um mercado tão dinâmico, precificar mal não é apenas perder rentabilidade, é correr o risco de ficar para trás.

Pessoa usando notebook que exibe uma página de e-commerce com preços e descontos de roupas.
Imagem: Envato.

Para solucionar esse gap, algumas empresas estão olhando para novas tecnologias que tornam a precificação mais inteligente: o uso de tecnologias como inteligência artificial, análise preditiva e automação para ajustar preços de forma dinâmica, com base em dados reais de comportamento de consumo, concorrência, demanda e até variáveis externas como clima ou sazonalidade. O objetivo é simples, mas ambicioso: tomar decisões mais rápidas, embasadas e lucrativas.

Percepção de preços é estratégia pura

Historicamente, o varejo sempre tratou o preço como um ponto de fricção entre custo e competitividade. Mas a maturidade digital do consumidor e a multiplicação dos canais de compra mudaram o jogo. O cliente compara preços em tempo real, cruza ofertas entre apps e marketplaces, e espera consistência – visão omnicanalidade.

Nesse novo ambiente, o preço deixa de ser apenas um número impresso na gôndola e passa a operar como um instrumento estratégico de posicionamento, margem e fidelização. E isso exige mais do que remarcações semanais ou promoções genéricas. Exige uma engenharia de preços capaz de antecipar variações de demanda, reagir a movimentos da concorrência em minutos e adaptar margens produto a produto, loja a loja, canal a canal.

Estudos da McKinsey indicam que empresas que adotam algoritmos dinâmicos de precificação aumentam a receita entre 5% e 15%, com elevação média de até cinco pontos percentuais na margem bruta. Já a Accenture aponta que a aplicação de inteligência artificial em estratégias de pricing melhora a acurácia de previsão de demanda em mais de 20%, reduzindo rupturas e promoções mal calibradas. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) inclui a inteligência de preços entre os cinco pilares tecnológicos mais relevantes para o varejo nos próximos anos.

O segredo, justamente, está no uso de dados para identificar oportunidades invisíveis aos modelos tradicionais – seja subindo preços onde a elasticidade permite, seja reduzindo em momentos estratégicos para acelerar giro ou enfrentar promoções da concorrência.

O colapso da planilha e o novo ciclo do preço

O grande gargalo para essa transformação ainda é a operação. Muitas empresas tentam aplicar regras de precificação usando planilhas, processos manuais e sistemas fragmentados. O resultado são horas perdidas consolidando arquivos, testando fórmulas, corrigindo erros e recomeçando ciclos de análise – tudo isso num varejo que exige decisões em tempo real.

Com a automação e a inteligência de dados, o ciclo de precificação pode finalmente sair do modo reativo. Plataformas modernas conseguem processar milhões de dados por dia, incluindo comportamento de compra, estoque, indicadores macroeconômicos, histórico de vendas, rupturas e até geolocalização para recomendar, testar e aplicar alterações de preço de forma instantânea e auditável.

A diferença é brutal: o que antes levava dias para ser simulado agora pode ser recalculado em minutos. E mais do que velocidade, o modelo traz governança: regras claras, parametrização inteligente, rastreabilidade de decisões e consistência entre os canais.

Inteligência artificial como aliada, não substituta

A sofisticação desses modelos é cada vez maior, mas especialistas alertam: precificação inteligente não é delegar o preço a um robô, e sim criar um ecossistema em que dados, algoritmos e análise humana trabalham juntos. A IA traz o cálculo, a escala, a capacidade preditiva. Mas a decisão final – aquela que envolve marca, valor percebido e estratégia de longo prazo – ainda depende de inteligência de negócio.

É por isso que os times comerciais mais maduros têm deixado de operar no Excel para assumir um novo papel: de estrategistas de preço. Eles não mais calculam manualmente o valor de cada produto, eles definem objetivos de margem, faixa de posicionamento, clusters de loja e perfis de consumidor. O sistema executa, testa e retroalimenta o modelo com resultados. A equipe ajusta, interpreta e projeta novos caminhos.

Outro elemento-chave da precificação inteligente está na execução de ponta a ponta. Não basta calcular o preço ideal: é preciso garantir que ele chegue ao ponto de venda com precisão, rapidez e rastreabilidade. Isso significa integração nativa com o ERP, comunicação direta com o PDV, sincronização com etiquetas eletrônicas ou plataformas de e-commerce, e fluxos claros de aprovação.

Empresas que dominam esse fluxo completo conseguem implementar estratégias de microprecificação por região, horário ou perfil de loja, mantendo controle centralizado, consistência nacional e capacidade de reação. Esse nível de agilidade torna o varejista mais responsivo ao mercado, mais assertivo nas promoções e mais eficiente na gestão de margem.

E não se trata apenas de lucro: o impacto aparece também na experiência do cliente, que encontra preços coerentes, transparentes e atualizados em todos os canais. Isso reduz atrito, aumenta conversão e fortalece a confiança na marca.

O futuro: a nova era da precificação

O varejo brasileiro está diante de um divisor de águas. De um lado, os modelos antigos de precificação baseada em histórico, feeling e ferramentas isoladas. Do outro, uma abordagem orientada por dados, que transforma o preço em um organismo vivo que aprende, se adapta e reage com velocidade e precisão. Para quem lidera o setor, a escolha é clara: preço não é mais custo + markup. Preço é inteligência, timing e contexto.

A adoção de precificação inteligente ainda é desigual entre os players, mas o mercado aponta uma tendência inevitável: quem internalizar essa competência como disciplina estratégica – e não como solução pontual – terá condições de proteger margem, ganhar escala e crescer de forma sustentável. Não se trata apenas de vender mais. Trata-se de vender melhor, com mais inteligência e mais resultado.

E nesse novo jogo, os centavos fazem diferença, porque, multiplicados por milhões de transações, são eles que definem quem lidera e quem tenta recuperar o fôlego.