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Não tem almoço (frete) grátis

Por: Taise Kodama

Head de Design & Digital

Taise Kodama é partner e head de Design & Digital da consultoria de marca e experiência Gad. Apaixonada por comportamento humano, marcas e tecnologia, em seus 25 anos de liderança em projetos de design, comunicação, conteúdo e interface de usuário foi cofundadora do Clube dos Jovens Criativos RS, professora de Projeto de Criação Digital na PUCRS, atualmente conselheira do Clube de criação RS, tendo trabalhado para marcas como O Boticário, Fiat, Sensodyne, Gillette, Nestlé, Old Spice, BR Petrobras, Claro, Faber Castell, entre outras.

“Quando a esmola é demais, o santo desconfia”. Esta é uma máxima popular bem antiga, que talvez a geração Z nem conheça. Mas quando a palavra “grátis” aparece, certamente o gatinho preto do TikTok já está desconfiado.

Será mesmo? Estamos mais desconfiados como consumidores ou mais informados e munidos de ferramentas para decidir? Diante de ofertas como as de frete grátis, por exemplo, vale repensarmos além da possibilidade em si, mas o quanto o significado de ultra conveniência tem ganhado relevância nas identificações com marcas e nas tomadas de decisão.

O que é relevante na jornada das marcas e nas tomadas de decisão?

Muitos especialistas em inbound marketing vêm falando que a lógica do funil de conversão já foi para o espaço e que sua lógica linear dá lugar ao looping de mercado. É uma lógica menos “top-down” e circular, na qual o comportamento do consumidor é considerado em suas complexidades, entendendo melhor o processo de compra e, principalmente, o pós-compra, bem como o relacionamento e a fidelidade.

Podemos destacar três tópicos importantes desta lógica: o entendimento profundo do comportamento do consumidor (e não necessariamente de compra); uma visão mais abrangente desta jornada; e a compreensão de pontos de melhoria na conversão.

Aí nos perguntamos: numa dinâmica de performance e vendas, onde entram o branding e o design? Entram do início ao fim, da marca à experiência, num processo constante e retroalimentado de construção de valor. Uma vez que o consumidor busca menos fricção, para nós, que desenhamos estratégias e jornadas, na verdade, ele busca o caminho mais simples de resolver seu problema imediato. E isso, sim, tem muito valor. Pensar em marca além dos desenhos e conceitos, mas entregar na prática e entender que estratégia, design, arquitetura, digital, todas as disciplinas trabalham em conjunto na construção das experiências de marca.

Neste aspecto, precisamos tirar o branding das mesas de reuniões e colocar na mesa da cozinha. Pensar branding tem que deixar de ser um momento pontual e solene e ser, sim, uma prática diária, exercida por todos os atores, nos cenários em que a marca se apresenta.

Mais do que pensar marca, construir experiência

A experiência, às vezes, pode ser invisível aos olhos, mas ela é sentida pelas pessoas. A construção destes significados e a expressão destes momentos pode ser muito personalizada – ou seja, mais do que colocar o nome do consumidor, poder se relacionar com seu universo simbólico e com seus padrões de valor.

Pensando dentro desta mesma lógica, ao avaliar os dados, não devemos apenas coletá-los, mas interpretá-los e aplicá-los em soluções de melhoria. Com isso, começamos a aproximar o discurso das marcas às práticas, que, no final do dia, é o que gera a experiência.

Talvez possamos aprender que investir em experiência não é necessariamente investir em complexidade. É investir em ativos de significados.

Quando a Amazon e o Mercado Livre passaram a operar também na logística de entregas, revolucionaram o “como as pessoas compram e recebem”. Dessa forma, passamos a entender de uma forma diferente também a revolução na facilitação do consumo que isto gera.

Vai bem além de um movimento de frete grátis, de programa de recompensa. Vai num sinal claro e concreto de que hoje podemos comprar de uma forma bem mais simplificada e rápida.

Ao vermos vans e aviões do Mercado Livre, entendemos bem este sinal, esta lógica, pois já estamos acostumados a ver as marcas nas ruas. Ao recebermos os produtos em nossas casas, percebemos que, além desta estrutura visível e formal, há também os parceiros que encontram soluções de renda extra nos trazendo os pacotinhos amarelos, a “Tiffany Blue Box” do dia a dia.

Qual experiência vale mais, tem maior significado? Depende. Já conheço a pessoa que sempre me entrega aos sábados, mãe solteira que complementa renda sendo parceira de entregas. No meu caso, o Celta branco dela tem mais significado do que a van amarela, mas são todos sinais claros.

Se para um lado individual o consumo fica mais fácil, para um lado coletivo nos traz reflexões: para onde esse consumo nos leva?

Isso tudo vai além de um movimento de marca e se incorpora a um novo comportamento que, como todas as transformações, tem suas oportunidades e desafios.

Esse texto nos convida a pensar (de forma circular) além da venda, das marcas, das estratégias e das experiências e provoca-nos sobre a importância do acompanhamento constante dos movimentos de marca, da ampliação do debate sobre o tema de marcas e o tamanho dos impactos individuais e coletivos dessas transformações.