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Como empresas faturam bilhões abraçando os marketplaces

Por: In Hsieh

Cofundador do Asia Latam Tech Forum

Soma a experiência como um dos profissionais precursores e mais inovadores do e-commerce brasileiro, com expertise nas oportunidades em negócios e investimentos digitais entre Brasil e China, colocando-o à frente da maior transformação do mercado internacional na atualidade: a China Digital. Atualmente, acelera negócios digitais chineses no Brasil, sendo o social live commerce o mais recente, primeiramente numa sociedade em 2020 com a Americanas e uma startup chinesa britânica, e agora com o Tiktok Shop, modalidade que será lançada em maio de 2025. Também faz parte do conselho editorial do MIT Sloan Management Review Brasil, e do conselho editorial da CKGSB Knowledge Brasil. Além disso, é parceiro oficial no Brasil do Alibaba Global Iniciative - AGI e é cofundador do Asia Latam Tech Forum. Antes, fez parte da equipe que em 1999 criou o Submarino.com, montou suas próprias empresas como a Baby.com.br, eleita melhor startup do ano pela revista PEGN em 2011, e trouxe a gigante Xiaomi ao Brasil em 2014 como Head de E-commerce Latam quando ainda era uma startup.

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Um dos grandes dramas de qualquer operação de varejo sempre foi o custo do estoque. O modelo de e-commerce por meio de marketplaces, criado pela Amazon no ano de 2000, veio para minimizar esse problema – pelo menos para a plataforma. Em vez de ter estoque próprio (com seus custos e riscos inerentes), a Amazon passou a vender produtos de terceiros. O Mercado Livre, que já nasceu praticamente como um marketplace, mostrou que não só funciona, como pode ajudar operações de e-commerce a se tornarem altamente lucrativas.

Pessoa usando tablet para navegar em loja online de roupas.
Imagem: Envato.

Por outro lado, esse modelo empurra o custo do estoque, da operação, da performance e da margem para outra parte da cadeia. Esses riscos passaram a ser dos sellers, os vendedores que operam nesses grandes mercados online.

Por muito tempo, o discurso dominante no Brasil foi: “não dependa demais dos marketplaces”. A lógica era clara: se você constrói seu negócio num canal que não controla, está à mercê de mudanças nas regras, comissões ou exposição. E, sim, há verdade nisso. Porém, é difícil ignorar uma estratégia que responde por quase 80% do e-commerce brasileiro. Enquanto aqui se tenta fugir, lá fora as empresas começam a aprender a dominar os marketplaces e a escalar dentro deles.

Nos Estados Unidos e na China, já existem empresas que cresceram tanto vendendo em marketplaces que fizeram IPO, compraram concorrentes e se tornaram players globais. Elas não fugiram da Amazon. Pelo contrário, abraçaram a plataforma como seu principal campo de batalha.

Esse movimento pode ser observado em três modelos distintos – com sucessos variados -, representados por Pattern (EUA), SAI/Sailvan Times (China) e Anker (China). Cada uma seguiu um caminho diferente, mas com um ponto em comum: não se tratava de sair do marketplace, mas sim de dominá-lo.

Três modelos que mostram como vencer dentro do marketplace

Vamos a uma visão geral dos três caminhos:

Modelo Exemplo Estratégia central
Distribuidor digital premium Pattern (EUA) Operar marcas de terceiros com exclusividade e escala
Genérico em escala SAI (China) Usar marcas próprias genéricas, multicontas e volume
Marca própria de valor Anker (China) Construção de marca global com base na Amazon

O caso Pattern: distribuindo marcas com alta performance

A americana Pattern opera marcas globais como Spanx, Thorne, Moroccanoil e Panasonic dentro da Amazon, mas não apenas como um seller. Ela é uma distribuidora digital completa, com exclusividade comercial em diversos canais, controle total sobre mídia, catálogo, pricing, logística e, em alguns casos, até do e-commerce próprio das marcas.

O modelo é ousado: a Pattern compra o estoque (e toma risco do encalhe), investe com verba própria em mídia de performance e branding, e opera com exclusividade no canal. Isso só funciona porque ela também é brutalmente eficiente em dados e execução. Sua tecnologia própria permite medir margem, performance de campanhas e retorno por SKU, otimizando cada centavo investido.

Mas talvez o aspecto mais elegante do modelo esteja na forma como a Pattern lida com a migração do cliente da Amazon para o canal direto. Ela não força essa migração – constrói caminhos e incentivos para que o cliente queira sair da Amazon e entrar na “casa da marca”.

O consumidor pode descobrir a marca pela Amazon, mas encontra no DTC da marca ofertas exclusivas, kits personalizados, programas de fidelidade, conteúdos proprietários e uma experiência de relacionamento muito mais rica. Assim, a Pattern transforma a Amazon em motor de aquisição e o DTC em motor de margem e retenção.

O caso SAI: eficiência chinesa, escala e risco

Na outra ponta do espectro está a Sailvan Times (SAI), empresa chinesa listada na bolsa de Shanghai, que construiu um império vendendo marcas próprias genéricas na Amazon. Com mais de 2.300 lojas e cerca de 100 mil SKUs ativos, a SAI adotou uma lógica de escala extrema. Seu diferencial não é branding, mas eficiência: testa produtos em ciclos curtos, substitui o que não vende, roda milhares de campanhas e depende quase totalmente da Amazon como canal.

O modelo é menos sofisticado em branding, mas muito poderoso em operações. E, sim, a SAI também assume o risco: compra, armazena, vende, investe em ads – tudo por conta própria. A diferença é que, como suas marcas são genéricas, o consumidor nem sempre percebe quem está por trás da venda. Isso reduz a chance de fidelização, mas aumenta a liberdade para pivotar e escalar com velocidade.

As margens são mais apertadas. A SAI opera com margem bruta ao redor de 55% e margem líquida abaixo de 1%. Mas, quando se vende bilhões de dólares, mesmo margens pequenas viram lucro real. Ainda assim, a dependência absoluta da Amazon torna o modelo mais vulnerável a qualquer mudança na política da plataforma.

O caso Anker: a marca própria que nasceu na Amazon e virou global

A Anker Innovations, fundada por um ex-funcionário do Google, é o exemplo de uma marca própria que nasceu dentro da Amazon e virou referência global. Começou vendendo carregadores genéricos, mas ao longo do tempo transformou-se numa holding de marcas como Soundcore (áudio), Eufy (casa inteligente), Nebula (projetores) e AnkerMake (impressoras 3D).

Diferentemente da SAI, a Anker constrói equity de marca desde o início. Trabalha com tecnologia própria, investe em design e inovação e diversificou sua presença: está na Amazon, mas também em seu e-commerce, no varejo físico e em canais B2B.

A Anker usou o marketplace como plataforma de escala, mas não ficou presa a ele. Ela entendeu que o mesmo cliente que descobre um produto na Amazon pode depois comprar no site próprio ou numa loja física – e para isso construiu um ecossistema completo de presença, marca e recorrência.

Como esses modelos se comparam?

Elemento Pattern (EUA) SAI (China) Anker (China)
Marca própria? Não Sim (genérica) Sim (forte)
Exclusividade? Sim Não Total (por ser dona)
Opera DTC? Sim (em alguns casos) Raramente Sim, com força
Risco de estoque? Sim Sim Sim
Foco principal Eficiência + branding Eficiência + volume Branding + inovação
Margem líquida ~3,8% ~0,9% Não divulgado, mas alta

Marketplace: armadilha ou plataforma?

É verdade que o marketplace é terreno alugado como nos ensinou o empreendedor e conselheiro do E-Commerce Brasil, Jean Makdissi. As regras não são suas. As margens podem ser pressionadas. A visibilidade pode desaparecer de um dia para o outro. Mas o ponto que esses três modelos provam é que o problema não está no canal, está no quão preparado você está para operá-lo com estratégia.

Sellers que entram no marketplace apenas por necessidade, sem modelo, sem dados e sem posicionamento, viram reféns. Mas aqueles que entram com estrutura, capital e foco podem fazer do marketplace seu maior canal e seu maior trunfo.

A Pattern não evita o risco, ela o gerencia com excelência. A SAI não busca controle de marca, busca escala. A Anker não rejeita a Amazon – ela cresceu com o marketplace e depois expandiu além. Três caminhos. Três modelos viáveis. Nenhum deles passa por sair do marketplace.

Conclusão: chegou a hora de mudar a pergunta

Jean aprimorou sua visão quando escreveu em um artigo mais recente, por ocasião do nosso Masterclass em conjunto no Fórum E-Commerce Brasil: O marketplace continuará sendo um jogo duro – mas para quem aprende a jogar com inteligência, ele deixa de ser um campo minado… e se torna um trampolim.

Em vez de perguntar: “Como reduzir minha dependência dos marketplaces?”.

É hora de perguntar: “Qual modelo me permite dominar os marketplaces?”.

Porque fugir é reação. Dominar é estratégia.

Cases internacionais nos mostram possíveis direções. Com a entrada e a expansão dos dragões do e-commerce frentes aos marketplaces incumbentes, aumentam as ofertas de espaços que os sellers podem ocupar. Em poucos anos, eles devem representar pelo menos 50% do e-commerce brasileiro. Ao mesmo tempo que trazem oportunidades, também aumenta a exigência de aprendizagem de novas habilidades, já que Kwai Shop e Tiktok Shop têm os conteúdos em védeo gravado e ao vivo como estratégia central.

O próximo grande caso de sucesso brasileiro em e-commerce pode muito bem vir de quem parar de resistir e começar a dominar.