Um dos grandes dramas de qualquer operação de varejo sempre foi o custo do estoque. O modelo de e-commerce por meio de marketplaces, criado pela Amazon no ano de 2000, veio para minimizar esse problema – pelo menos para a plataforma. Em vez de ter estoque próprio (com seus custos e riscos inerentes), a Amazon passou a vender produtos de terceiros. O Mercado Livre, que já nasceu praticamente como um marketplace, mostrou que não só funciona, como pode ajudar operações de e-commerce a se tornarem altamente lucrativas.

Por outro lado, esse modelo empurra o custo do estoque, da operação, da performance e da margem para outra parte da cadeia. Esses riscos passaram a ser dos sellers, os vendedores que operam nesses grandes mercados online.
Por muito tempo, o discurso dominante no Brasil foi: “não dependa demais dos marketplaces”. A lógica era clara: se você constrói seu negócio num canal que não controla, está à mercê de mudanças nas regras, comissões ou exposição. E, sim, há verdade nisso. Porém, é difícil ignorar uma estratégia que responde por quase 80% do e-commerce brasileiro. Enquanto aqui se tenta fugir, lá fora as empresas começam a aprender a dominar os marketplaces e a escalar dentro deles.
Nos Estados Unidos e na China, já existem empresas que cresceram tanto vendendo em marketplaces que fizeram IPO, compraram concorrentes e se tornaram players globais. Elas não fugiram da Amazon. Pelo contrário, abraçaram a plataforma como seu principal campo de batalha.
Esse movimento pode ser observado em três modelos distintos – com sucessos variados -, representados por Pattern (EUA), SAI/Sailvan Times (China) e Anker (China). Cada uma seguiu um caminho diferente, mas com um ponto em comum: não se tratava de sair do marketplace, mas sim de dominá-lo.
Três modelos que mostram como vencer dentro do marketplace
Vamos a uma visão geral dos três caminhos:
| Modelo | Exemplo | Estratégia central |
| Distribuidor digital premium | Pattern (EUA) | Operar marcas de terceiros com exclusividade e escala |
| Genérico em escala | SAI (China) | Usar marcas próprias genéricas, multicontas e volume |
| Marca própria de valor | Anker (China) | Construção de marca global com base na Amazon |
O caso Pattern: distribuindo marcas com alta performance
A americana Pattern opera marcas globais como Spanx, Thorne, Moroccanoil e Panasonic dentro da Amazon, mas não apenas como um seller. Ela é uma distribuidora digital completa, com exclusividade comercial em diversos canais, controle total sobre mídia, catálogo, pricing, logística e, em alguns casos, até do e-commerce próprio das marcas.
O modelo é ousado: a Pattern compra o estoque (e toma risco do encalhe), investe com verba própria em mídia de performance e branding, e opera com exclusividade no canal. Isso só funciona porque ela também é brutalmente eficiente em dados e execução. Sua tecnologia própria permite medir margem, performance de campanhas e retorno por SKU, otimizando cada centavo investido.
Mas talvez o aspecto mais elegante do modelo esteja na forma como a Pattern lida com a migração do cliente da Amazon para o canal direto. Ela não força essa migração – constrói caminhos e incentivos para que o cliente queira sair da Amazon e entrar na “casa da marca”.
O consumidor pode descobrir a marca pela Amazon, mas encontra no DTC da marca ofertas exclusivas, kits personalizados, programas de fidelidade, conteúdos proprietários e uma experiência de relacionamento muito mais rica. Assim, a Pattern transforma a Amazon em motor de aquisição e o DTC em motor de margem e retenção.
O caso SAI: eficiência chinesa, escala e risco
Na outra ponta do espectro está a Sailvan Times (SAI), empresa chinesa listada na bolsa de Shanghai, que construiu um império vendendo marcas próprias genéricas na Amazon. Com mais de 2.300 lojas e cerca de 100 mil SKUs ativos, a SAI adotou uma lógica de escala extrema. Seu diferencial não é branding, mas eficiência: testa produtos em ciclos curtos, substitui o que não vende, roda milhares de campanhas e depende quase totalmente da Amazon como canal.
O modelo é menos sofisticado em branding, mas muito poderoso em operações. E, sim, a SAI também assume o risco: compra, armazena, vende, investe em ads – tudo por conta própria. A diferença é que, como suas marcas são genéricas, o consumidor nem sempre percebe quem está por trás da venda. Isso reduz a chance de fidelização, mas aumenta a liberdade para pivotar e escalar com velocidade.
As margens são mais apertadas. A SAI opera com margem bruta ao redor de 55% e margem líquida abaixo de 1%. Mas, quando se vende bilhões de dólares, mesmo margens pequenas viram lucro real. Ainda assim, a dependência absoluta da Amazon torna o modelo mais vulnerável a qualquer mudança na política da plataforma.
O caso Anker: a marca própria que nasceu na Amazon e virou global
A Anker Innovations, fundada por um ex-funcionário do Google, é o exemplo de uma marca própria que nasceu dentro da Amazon e virou referência global. Começou vendendo carregadores genéricos, mas ao longo do tempo transformou-se numa holding de marcas como Soundcore (áudio), Eufy (casa inteligente), Nebula (projetores) e AnkerMake (impressoras 3D).
Diferentemente da SAI, a Anker constrói equity de marca desde o início. Trabalha com tecnologia própria, investe em design e inovação e diversificou sua presença: está na Amazon, mas também em seu e-commerce, no varejo físico e em canais B2B.
A Anker usou o marketplace como plataforma de escala, mas não ficou presa a ele. Ela entendeu que o mesmo cliente que descobre um produto na Amazon pode depois comprar no site próprio ou numa loja física – e para isso construiu um ecossistema completo de presença, marca e recorrência.
Como esses modelos se comparam?
| Elemento | Pattern (EUA) | SAI (China) | Anker (China) |
| Marca própria? | Não | Sim (genérica) | Sim (forte) |
| Exclusividade? | Sim | Não | Total (por ser dona) |
| Opera DTC? | Sim (em alguns casos) | Raramente | Sim, com força |
| Risco de estoque? | Sim | Sim | Sim |
| Foco principal | Eficiência + branding | Eficiência + volume | Branding + inovação |
| Margem líquida | ~3,8% | ~0,9% | Não divulgado, mas alta |
Marketplace: armadilha ou plataforma?
É verdade que o marketplace é terreno alugado como nos ensinou o empreendedor e conselheiro do E-Commerce Brasil, Jean Makdissi. As regras não são suas. As margens podem ser pressionadas. A visibilidade pode desaparecer de um dia para o outro. Mas o ponto que esses três modelos provam é que o problema não está no canal, está no quão preparado você está para operá-lo com estratégia.
Sellers que entram no marketplace apenas por necessidade, sem modelo, sem dados e sem posicionamento, viram reféns. Mas aqueles que entram com estrutura, capital e foco podem fazer do marketplace seu maior canal e seu maior trunfo.
A Pattern não evita o risco, ela o gerencia com excelência. A SAI não busca controle de marca, busca escala. A Anker não rejeita a Amazon – ela cresceu com o marketplace e depois expandiu além. Três caminhos. Três modelos viáveis. Nenhum deles passa por sair do marketplace.
Conclusão: chegou a hora de mudar a pergunta
Jean aprimorou sua visão quando escreveu em um artigo mais recente, por ocasião do nosso Masterclass em conjunto no Fórum E-Commerce Brasil: O marketplace continuará sendo um jogo duro – mas para quem aprende a jogar com inteligência, ele deixa de ser um campo minado… e se torna um trampolim.
Em vez de perguntar: “Como reduzir minha dependência dos marketplaces?”.
É hora de perguntar: “Qual modelo me permite dominar os marketplaces?”.
Porque fugir é reação. Dominar é estratégia.
Cases internacionais nos mostram possíveis direções. Com a entrada e a expansão dos dragões do e-commerce frentes aos marketplaces incumbentes, aumentam as ofertas de espaços que os sellers podem ocupar. Em poucos anos, eles devem representar pelo menos 50% do e-commerce brasileiro. Ao mesmo tempo que trazem oportunidades, também aumenta a exigência de aprendizagem de novas habilidades, já que Kwai Shop e Tiktok Shop têm os conteúdos em védeo gravado e ao vivo como estratégia central.
O próximo grande caso de sucesso brasileiro em e-commerce pode muito bem vir de quem parar de resistir e começar a dominar.