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Como a era da precificação profissional pode redefinir o e-commerce brasileiro

Por: Carlos Perobelli

CEO da Nexmuv

Carlo Perobelli, CEO da Nexmuv e idealizador do theGarage, começou sua jornada empreendedora em 2003 com a 5A Consultoria, onde desenvolveu modelos de gestão que foram adotados por grandes empresas e que consolidaram sua expertise em pessoas, processos e tecnologia. A partir de 2013, passou a investir em negócios escaláveis, adquirindo startups e aprofundando sua visão sobre inovação, o que o levou, em 2019, já na Nexmuv, a estudar por que tantas startups morriam. Em 2023, ao conhecer o modelo de startup studio, adaptou-o ao Brasil e criou o theGarage, que desenvolve startups de inteligência artificial — entre elas Gisa, Pet.IA, LUKRE e Moc. É coautor do livro Startup Studio Playbook, ed. Grupo Novo Século.

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A decisão do Mercado Livre de monitorar os preços praticados por vendedores fora da plataforma e punir quem cobra acima do permitido marca um ponto de inflexão no e-commerce brasileiro. Não se trata de mais uma regra operacional. É o início da era da precificação profissional. Em um mercado de margens apertadas, competição acelerada e consumidores cada vez mais racionais, o preço deixa de ser apenas um número e passa a ocupar o centro da estratégia. É ele que determina visibilidade, relevância e até a sobrevivência dos lojistas dentro das vitrines digitais.

Homem segurando um tablet que exibe a palavra “Precificação” sobre um fundo com gráficos e elementos financeiros.
Imagem gerada por IA.

O setor amadureceu. Em 2024, o comércio eletrônico movimentou R$ 204 bilhões e deve ultrapassar R$ 235 bilhões em 2025, consolidando-se como um dos pilares do consumo no país. Mas crescimento não elimina complexidade. A disputa entre Mercado Livre e Shopee intensificou a guerra de preços e empurrou todo o ecossistema para um ambiente em que velocidade, precisão e inteligência operacional valem mais do que descontos agressivos ou grandes estoques. A competição acontece dentro de algoritmos que recompensam quem entrega consistência e previsibilidade.

A precificação como dor estrutural do varejo digital

Nesse contexto, a precificação se tornou a maior dor estrutural do varejo digital. Estimativas de mercado mostram que erros na formação de preços e dados inconsistentes sobre produtos geram perdas entre 4% e 6% do faturamento, o que representa até R$ 19 bilhões por ano. Em vez de ser tratada como processo estratégico, a precificação ainda é conduzida por muitas empresas de forma manual e vulnerável a falhas. O movimento do Mercado Livre apenas tornou visível um problema que já estava imposto. Quem não domina preço não domina canal.

A política de equalização de preços exige que vendedores compreendam profundamente suas margens e suas operações. Não basta oferecer o menor valor. É preciso saber se ele é sustentável, competitivo e alinhado ao comportamento da concorrência. Para pequenas e médias empresas, isso representa uma mudança de paradigma. Sem inteligência de dados, automação e ferramentas capazes de acompanhar o mercado em tempo real, esses lojistas ficam expostos a riscos que extrapolam a perda de vendas. Perdem margem, relevância e espaço dentro dos próprios marketplaces.

Quando preço vira vantagem competitiva

Ao mesmo tempo, empresas mais maduras podem transformar esse cenário em vantagem. A capacidade de ajustar preços rapidamente, interpretar sinais do mercado, antecipar movimentos da concorrência e proteger margens se torna decisiva. Um estudo da Nuvemshop mostra que quase 74% dos consumidores preferem comprar em marketplaces e que 45,5% iniciam suas buscas diretamente nessas plataformas, número superior ao do Google. Estar bem posicionado no algoritmo passou a ser uma vantagem competitiva tão importante quanto ocupar a melhor gôndola em uma loja física.

Esse novo momento exige profissionalização. A precificação deixa de ser uma etapa isolada e passa a integrar logística, marketing, gestão de estoque, fornecimento, custos operacionais e análise de dados. Varejistas que tratam preço como ciência, e não como intuição, estarão melhor preparados para competir. Já aqueles que insistirem em operar no escuro enfrentarão um cenário cada vez mais restritivo, especialmente em um mercado que se torna mais rígido e mais dependente de dados confiáveis.

A decisão do Mercado Livre não deve ser interpretada como ameaça. Ela reflete o amadurecimento de um setor que exige eficiência. O e-commerce brasileiro está entrando em uma fase mais técnica, mais racional e mais orientada à qualidade da operação. A competição continuará alta, talvez até mais intensa, mas será travada em outro nível, definido por eficiência, velocidade, inteligência e capacidade de adaptação.

Para quem está preparado, essa é uma oportunidade singular. Para quem ainda não está, é o momento de migrar para um modelo mais profissional. No fim das contas, não vencerá quem vende mais barato, mas quem entende com profundidade o valor que entrega.