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A sutil arte da transferência de responsabilidade no dia a dia (e como isso afeta uma empresa de e-commerce)

Por: Denis Strum

Com quase 20 anos de experiência em estratégias digitais e growth para B2B e B2C, Denis Strum tem uma trajetória marcada por acelerações digitais em diversos setores, como full commerce, varejo e tecnologia. Foi sócio e CMO da Synapcom, pioneiro no full commerce no Brasil. Depois atuou como diretor na unidade de digital da Infracommerce. Antes disso, foi o primeiro profissional de marketing da WestWing, onde estruturou as estratégias de aquisição e retenção da companhia.

Em um mundo corporativo que preza pela eficiência e pelos resultados, o hábito de transferir responsabilidades se tornou uma prática comum, embora raramente discutida com a seriedade que merece.

Muitas empresas, quando confrontadas com fracassos ou resultados abaixo do esperado, têm a tendência de buscar culpados externos, em vez de examinar suas próprias falhas.

Mas será que esse comportamento é saudável para os negócios?

Ou estaria ele enraizado em uma cultura que evita a autocrítica e prefere culpar terceiros?

O ciclo da culpa e o impacto no desempenho da empresa

A transferência de responsabilidade ocorre quando, diante de um problema ou resultado insatisfatório, as empresas tendem a culpar agentes externos em vez de revisar seus processos internos.

No e-commerce, onde cada detalhe pode influenciar as vendas, essa prática pode ser particularmente prejudicial.

Uma pesquisa da RD Station (Panorama marketing 2024) aponta que 75% das empresas sentem que suas agências de marketing não entregam o que prometem.

Isso revela não só um descompasso entre expectativa e realidade, mas também uma tendência preocupante de as empresas se eximirem da responsabilidade pelos resultados.

Quatro situações comuns de transferência de responsabilidade no e-commerce

No dia a dia de um e-commerce, as situações que levam à transferência de responsabilidade são numerosas. Aqui estão quatro cenários comuns:

1. Problemas na integração com plataformas de pagamento

Um cenário frequente é a culpa ser atribuída à plataforma de pagamento quando ocorrem problemas nas transações.

Por exemplo, imagine que, durante uma promoção, muitos clientes enfrentam dificuldades ao tentar finalizar suas compras.

A equipe de vendas rapidamente aponta o dedo para a plataforma de pagamento, alegando falhas técnicas. Contudo, uma análise mais detalhada revela que o problema estava na integração mal executada, que não foi devidamente testada antes do lançamento da promoção.

Nesse caso, a empresa falhou em realizar uma análise interna rigorosa antes de atribuir a culpa. A solução teria sido um planejamento mais cuidadoso, incluindo testes robustos da integração e preparação para o aumento do volume de transações.

2. Falta de resultados em campanhas de marketing digital

Outro exemplo recorrente é a frustração com campanhas de marketing que não entregam os resultados esperados.

Muitas empresas, ao verem que o retorno sobre o investimento (ROI) é baixo, imediatamente culpam a agência de marketing. Alegam que os leads gerados não são qualificados ou que as estratégias de anúncios não foram eficazes.

Entretanto, essa acusação frequentemente ignora fatores internos, como a qualidade dos briefings fornecidos à agência ou a falta de alinhamento entre as expectativas da empresa e a estratégia proposta.

Em muitos casos, as empresas não oferecem feedback contínuo ou não estão preparadas para lidar com o volume de leads gerados, o que contribui para o fracasso da campanha.

3. Dificuldades na logística e entrega

A logística é outro ponto crítico no e-commerce.

Atrasos na entrega ou produtos que chegam danificados frequentemente são atribuídos aos operadores logísticos. Contudo, é essencial que a empresa também avalie se houve falhas em seus próprios processos.

Por exemplo, o tempo de preparação do pedido no centro de distribuição pode estar comprometendo o prazo de entrega, ou a embalagem pode não ser adequada para proteger o produto durante o transporte.

Essas situações ilustram como a responsabilidade é frequentemente repassada, enquanto as verdadeiras causas do problema permanecem sem solução.

4. Falta de sincronia entre estoque e vendas

Muitos e-commerces enfrentam problemas de sincronia entre o estoque e as vendas, levando a situações em que o cliente compra um produto que não está mais disponível. Quando isso ocorre, é comum culpar o sistema de gestão de estoque.

Porém, ao investigar mais a fundo, muitas vezes se descobre que a equipe de vendas não atualizou o sistema corretamente ou que a comunicação entre diferentes departamentos não foi eficiente.

Neste caso, o problema não está no software, mas na falta de processos claros e na falta de treinamento das equipes. Investir em uma comunicação interna mais eficaz e em treinamento contínuo para as equipes poderia evitar esse tipo de erro.

Analisando o papel das agências de marketing de performance

Voltando à questão da insatisfação com as agências de marketing, é importante considerar que a relação entre a empresa e a agência deve ser de parceria, e não de terceirização de responsabilidades.

O dado da RD Station​ sugere que muitas empresas têm expectativas desalinhadas ou não conseguem fornecer os insumos necessários para que as campanhas sejam bem-sucedidas.

Se a empresa não investe em um briefing claro, não alinha os KPIs esperados ou não participa ativamente da execução das campanhas, é natural que os resultados fiquem aquém do esperado.

As agências, por sua vez, precisam ser transparentes quanto ao que podem ou não entregar, e é crucial que apresentem relatórios claros que permitam à empresa entender o que está funcionando e o que não está.

Como evitar a armadilha da transferência de responsabilidade

Revisão constante dos processos internos: antes de culpar terceiros, examine minuciosamente seus processos internos. Identifique falhas e tome medidas corretivas.

Alinhamento de expectativas realistas: alinhe expectativas com parceiros e equipes internas. Certifique-se de que todos compreendam claramente os objetivos e as limitações dos projetos.

Feedback contínuo e uso de dados: avalie continuamente o desempenho e forneça feedback baseado em dados. Isso ajuda a identificar problemas reais e a tomar decisões informadas.

Cultura de aprendizado e melhoria contínua: promova uma cultura onde erros são vistos como oportunidades de aprendizado. Isso incentiva a equipe a buscar melhorias constantes em vez de transferir responsabilidades.

Reflexão final: a responsabilidade é um ativo estratégico

Se tem uma coisa que aprendi ao longo dos anos é que a responsabilidade, nos negócios, é um dos maiores ativos que uma empresa pode ter.

E não estou falando daquela responsabilidade que se coloca na parede, com missão e valores bonitos para impressionar.

Falo da responsabilidade verdadeira, aquela que se assume no dia a dia, nos momentos difíceis, quando o dedo coça para apontar para o lado, mas você decide olhar para dentro.

Veja bem, é fácil culpar os outros. É até confortável. Quando as coisas dão errado, transferir a responsabilidade parece quase natural.

A plataforma de pagamento falhou, a agência de marketing não entregou, a logística não funcionou.

Mas será que a culpa é sempre deles?

Será que a sua empresa está realmente preparada para o sucesso, ou está apenas esperando que os outros façam o trabalho pesado?

Eu sei que essa pergunta incomoda, e é justamente por isso que ela precisa ser feita.

A transferência de responsabilidade é uma armadilha sedutora. Ela nos permite acreditar que estamos fazendo tudo certo, que o problema está sempre do lado de fora. Mas, ao fazer isso, nos cegamos para as oportunidades de melhoria dentro da nossa própria casa.

Pense bem: quantas vezes você já deixou de revisar um processo, de capacitar sua equipe ou de se aprofundar nas causas reais de um problema porque era mais fácil culpar alguém de fora?

Eu costumo dizer que a verdadeira liderança – e isso vale para qualquer um em uma posição de decisão – começa quando você assume o controle, mesmo diante do caos. Não dá para esperar que a responsabilidade seja algo imposto de fora para dentro. Ela precisa ser cultivada internamente, como uma parte integral da cultura da empresa.

E aqui vai uma provocação: quantas vezes sua empresa já errou e simplesmente jogou a culpa em outra pessoa? Quantas oportunidades de aprendizado foram desperdiçadas porque era mais fácil dizer que o problema era do outro?

 Se essas perguntas te causam desconforto, talvez seja a hora de repensar como a responsabilidade é tratada aí dentro.

No fundo, o que está em jogo é mais do que o sucesso de uma campanha ou a satisfação de um cliente.

Estamos falando da capacidade da sua empresa de evoluir, de aprender com os próprios erros e de construir uma base sólida para o futuro.

 A transferência de responsabilidade pode oferecer um alívio momentâneo, mas, a longo prazo, ela corrói a cultura organizacional e impede o crescimento sustentável.

Eu acredito que o caminho para o sucesso passa por uma mudança de mindset.

Precisamos parar de ver os parceiros e fornecedores como bodes expiatórios e começar a enxergá-los como parte de uma engrenagem maior, na qual todos – inclusive sua empresa – têm um papel crucial.

 A responsabilidade é compartilhada, sim, mas ela começa dentro de casa. É na sua empresa que os primeiros passos precisam ser dados.

Então, da próxima vez que os resultados não forem os esperados, faça um favor a si mesmo: antes de apontar o dedo para fora, olhe para dentro. Analise seus processos, questione suas escolhas, reveja suas estratégias. Pode não ser o caminho mais fácil, mas certamente é o mais eficaz.

E vou te dizer mais: empresas que aprendem a assumir a responsabilidade pelos seus erros não apenas sobrevivem, elas prosperam. Porque, no final das contas, o verdadeiro sucesso não é apenas sobre acertar, mas sobre aprender com cada erro e se tornar melhor por causa deles.

A escolha é sua: continuar culpando os outros ou começar a ser o verdadeiro dono do seu sucesso. Eu sei qual caminho eu escolheria. E você?