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WhatsApp Pay: revolução ou confusão?

Por: Redação E-Commerce Brasil

Equipe de jornalismo E-Commerce Brasil

Após meses de testes na Índia, o WhatsApp Pay chegou ao Brasil. O lançamento, porém – cercado de expectativa do mercado e dos consumidores -, foi marcado por confusão. Menos de uma semana depois da estreia, o serviço foi suspenso pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e pelo BC (Banco Central). Em meio à correria do Facebook, dona do WhatsApp, para restabelecer o serviço, especialistas explicam como mais um serviço de pagamento pode impactar o sistema financeiro brasileiro e a vida de consumidores e empresas.

O WhatsApp liberou no dia 15 de junho o seu serviço de pagamentos entre usuários e empresas. Com a novidade, usuários do aplicativo poderiam fazer transferências monetárias entre si e pagar produtos ou serviços. Na primeira fase, apenas quem tivesse cartões de crédito ou débito do Nubank, do Banco do Brasil e do Sicredi poderia usar o serviço de pagamentos, cuja responsável pelo processamento das transações é a Cielo.

Esta matéria está na edição 58 da revista E-Commerce Brasil. Leia a edição completa aqui

A escolha do mercado brasileiro para o primeiro lançamento global do serviço de pagamentos não aconteceu sem motivo: o país conta com mais de 120 milhões de usuários. Agora, o aplicativo se mostra como a mais nova carteira digital do Facebook. Antes voltado apenas para usuários, o app começou a adentrar a área das empresas aos poucos, com iniciativas como o WhatsApp Business.

Com o lançamento do WhatsApp Pay, surgiu uma série de preocupações correlatas. No primeiro momento, mais especificamente no dia 23 de junho, o Banco Central suspendeu o serviço de pagamentos por tempo indeterminado. Logo em seguida, o Cade também suspendeu a operação, mas voltou atrás dias depois.

“Uma ferramenta com essa magnitude ser disponibilizada de uma hora para outra tem impacto muito relevante na vida das pessoas. O Banco Central é a instituição que vai avaliar como funciona a logística do serviço. Já o Cade é outra vertente que verifica uma eventual concentração de mercado, visto que o WhatsApp tem mais de 120 milhões de usuários no Brasil, e a Cielo também tem uma fatia grande no mercado de transações, e como isso impacta a concorrência”, explica o advogado Gustavo Dezouzart, atuante no mercado financeiro.

“As consequências serão muitas, pois não estamos falando de uma aplicação qualquer. Estamos falando de legislações complexas que possuem vários desdobramentos jurídicos”, complementa o advogado Dane Avanzi.

De acordo com o Banco Central, a motivação para a decisão é “preservar um adequado ambiente competitivo, que assegure o funcionamento de um sistema de pagamentos interoperável, rápido, seguro, transparente, aberto e barato”. Em nota, a instituição afirmou que “a medida permitirá ao BC avaliar eventuais riscos para o funcionamento adequado do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e verificar a observância dos princípios e das regras previstas na Lei nº 12.865, de 2013. O eventual início ou continuidade das operações sem a prévia análise do Regulador poderia gerar danos irreparáveis ao SPB notadamente no que se refere à competição, eficiência e privacidade de dados”.

Em nota, Gustavo Henrique Santos de Sousa, vice-presidente executivo de Finanças e diretor de Relações com Investidores da Cielo, informou que, a partir da data da decisão do Cade e do BC, suspendeu o serviço e que “manterá seus acionistas e o mercado informados sobre quaisquer atualizações relativas ao tema”.

Integração com o PIX

No dia 30 de junho, o Cade retirou a medida cautelar que impedia o acordo para a criação do sistema de pagamentos do WhatsApp. O órgão de defesa da competição afirmou, porém, que vai continuar a investigação sobre a parceria. Mesmo com a revogação da decisão do Cade, o serviço só poderá voltar a operar com a determinação do Banco Central, que ainda não tem prazo para reverter a decisão.

O Banco Central prometeu restabelecer o serviço, desde que seja comprovado que o arranjo proposto é competitivo e tem a proteção de dados na forma que o BC considera adequada, afirmou o presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, durante evento promovido pelo jornal Correio Braziliense, no dia 2 de julho.

Também por meio de nota, Will Cathcart, chefe do WhatsApp, informou que, após reunião com as autoridades do Bacen, a empresa deseja restaurar o serviço o mais breve possível, além de trabalhar para incorporá-lo ao PIX, sistema de pagamento instantâneo com lançamento previsto para novembro.

“Trabalharemos em conjunto com nossos parceiros e autoridades brasileiras. O Banco Central expressou sua intenção de encontrar um caminho com a Visa e a Mastercard para que o serviço prossiga, além de envolver outras autoridades para resolver quaisquer dúvidas pendentes. O WhatsApp afirmou seu apoio a um modelo pró-competitivo e aberto para pagamentos e também seu compromisso em fornecer pagamentos via PIX tão logo o sistema esteja disponível. O Banco Central ressaltou que respalda plataformas como o WhatsApp, que estão inovando em pagamentos digitais e criando novas maneiras de apoiar pessoas e pequenas empresas em todo o Brasil”, afirmou a nota.

Para Dezouzart, a integração dos dois serviços é possível, desde que as partes consigam convergir. “Se o Banco Central permitir que as plataformas trabalhem de forma alinhada com o PIX, dá para entender o porquê de a ferramenta estar se preparando para essa possibilidade”.

Segurança e proteção de dados

Outra grande preocupação é o manejo das informações. “O Facebook tem informações privadas dos usuários, que terão seus dados bancários cadastrados em instituições financeiras. As pessoas aceitam os termos de adesão sem ler, então vai ser uma mistura dos dados pessoais dos usuários com os dados bancários. É importante saber como essas informações serão utilizadas”, complementa Dezouzart.

Os golpes também aumentariam significativamente após a liberação do novo sistema, caso não haja a devida regulamentação. De acordo com Avanzi, o Banco Central e o Cade agiram corretamente ao proibir a operação. “Durante a pandemia, com mais pessoas usando a Internet, o índice de cibercrimes tem crescido vertiginosamente. Lançar uma ferramenta sem o mínimo de cautela poderia potencializar ainda mais essa onda, expondo bancos e usuários a riscos desnecessariamente, haja vista que todas as instituições financeiras disponibilizam a seus clientes acesso a serviços bancários via computadores e celulares com altíssimo grau de segurança”, esclarece.

Mais opção com a devida atenção

Os dois especialistas afirmam acreditar que, com mais opções para os consumidores, os serviços bancários se tornarão melhores e mais baratos. “Quanto mais ferramentas o consumidor tiver, melhor, pois isso lhe confere mais praticidade e menos custos de transferência nos bancos”, aposta Dezouzart.

No entanto, as pessoas precisam ficar mais atentas quanto ao que disponibilizam. “Por quanto você venderia a sua impressão digital? Ninguém precifica isso, mas a partir do momento que cadastro a minha impressão para desbloquear o meu celular, por exemplo, a marca do aparelho fica com a minha impressão digital. Então, será que essa informação não será disponibilizada para empresas bancárias em uma eventual fusão com uma instituição financeira?”, analisa.

Ainda segundo Dezouzart, dessa forma, as empresas podem saber os locais frequentados, os restaurantes preferidos, o padrão de consumo, a rede de relacionamentos, o time do coração, e assim por diante. “Esse tipo de informação fica cada vez mais nas mãos das empresas. A gente não percebe o poder que isso tem, mas imagina se isso cai em domínio público?”, questiona.

Seguro ou não, o WhatsApp Pay já gerou também bastante discussão sobre a falta de democratização dos meios de pagamento. Analistas já temem um oligopólio ou duopólio de Facebook e Cielo. Isso também explica a preocupação do BC.

Por Dinalva Fernandes, para a revista E-Commerce Brasil