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O litígio no consumo: a judicialização do consumo

Por: Alice Wakai

Jornalista, atuou como repórter no interior de São Paulo, redatora na Wirecard, editora do Portal E-Commerce Brasil e copywriter na HostGator. Atualmente é Analista de Marketing Sênior na B2W Marketplace.

O uso do Judiciário na solução de um conflito entre pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, deveria ser o último recurso ou a exceção entre pessoas e empresas dentro de uma democracia madura. Infelizmente, ocorre justamente o inverso no Brasil.

Existem mais de cem milhões de processos em tramitação no país ou quase uma ação para cada dois brasileiros. Um número que deve chegar ainda a 107 milhões de processos até o fim do ano.

A crescente montanha do Judiciário, fruto de um problema conhecido por judicialização, é ruim para o país em todos os sentidos. Afinal, ele é um dos ingredientes que compõem o negativo custo Brasil, ou seja, tudo aquilo que é considerado entrave para o desenvolvimento do país. Reduzir? Isso dificilmente vai acontecer. “É um fato: não vai reduzir o número de ações.

Litígio no consumo: o cenário paulista

O Tribunal de Justiça de São Paulo representa nada menos que 26% das ações em andamento no país. É a maior corte brasileira, sem dúvida.

Para a pesquisa foram considerados dez grandes problemas nas relações de consumo, que são: cláusulas abusivas, combustíveis e derivados, contratos de consumo, dever de informação, irregularidades no atendimento, jogos/ sorteios/ promoções comerciais, oferta e publicidades, práticas abusivas, responsabilidade do fornecedor e vendas casadas.

De acordo com os números, existem 1.267.768 processos que tratam de direito do consumidor, todos eles localizados na primeira instância da justiça paulista e que incluem os pedidos feitos no Juizado Especial Cível ou JEC.

Os dados mostram o que já se sabia: quem mais provoca a Justiça em busca de direitos é o cliente, com 1.053.642 de processos contra as empresas dos mais variados setores – ou 84% do total registrado pelo TJ nos últimos cinco anos. Os demais números são ações movidas por empresas contra empresas.

O litígio no consumo: o valor da indenização

Segundo números do TJ-SP, em média, o consumidor exige o pagamento de R$ 55.608,00 O valor também inclui a mediana de setores da economia com base no suposto desrespeito ao direito do consumidor. Estão nessa conta a indústria e o comércio, entre outros. A propósito, esses dois setores apresentaram médias superior de pedidos aos R$ 120 mil, uma prova mais do que irrefutável de que somos todos consumidores, sujeitos aos mesmos problemas.

O litígio no consumo: o prejuízo das empresas

Há ainda um valor não explícito dessas relações paulistas de consumo. Os dados do TJ-SP mostram um potencial destrutivo financeiros das empresas supera os R$ 70 bilhões ou exatamente R$ 70,08 bilhões.

Esse valor foi obtido a partir da simples multiplicação entre a quantidade de ações dos últimos cinco anos e os valores pedidos à justiça. De novo, isso é uma possibilidade. O TJ-SP não conseguiu calcular a média efetivamente paga aos consumidores, mas outro estudo ajuda essa relação entre “pedido e obtido” no Estado.

Em 2011, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) chegou a essa relação após analisar o custo unitário da ação da chamada execução fiscal (cobrança de imposto ou taxa) na Justiça Federal. Nesse levantamento (que não inclui dano moral, diga-se de passagem), a cobrança era de aproximadamente R$ 22 mil, mas o valor efetivamente pago era de R$ 10 mil, ou seja, 45% do valor inicial.

Se essa relação fosse aplicada aos números do TJ-SP, o potencial de mais de R$ 70 bilhões seriam transformados em quase R$ 32 bilhões efetivamente pagos ao consumidor em forma de indenização. Haveria ainda um acréscimo do custo médio de cada procedimento ou burocracia nos tribunais, que hoje está em R$ 341 (média entre despesa anual do tribunal em 2015 e a quantidade de ações). No fim, seriam acrescentados mais de R$ 423 milhões de reais aos cofres das empresas, há quem diga que esse valor seria maior, algo em torno dos R$ 1,5 mil.

Por dentro do litígio no consumo

Os números do TJ-SP exibem os seguintes números:

  • 1.267.768 é o total de ações com base no direito do consumidor nos últimos cinco anos em São Paulo;
  • R$ 55.852,00 é o valor médio dos pedidos de indenização na Justiça;
  • R$ 70,80 bilhões é o total de todos as causas nos últimos cinco anos;
  • R$ 31 bilhões é o valor estimado que poderá ser efetivamente pago;
  • R$ 341 é o custo médio de uma ação (ou o preço da burocracia) em São Paulo

Fonte: TJ-SP e IPEA

A quantidade de ações e valor médio das causas por setor (em R$)

Autores

  • Comércio;
  • Empresas não classificadas (autor é uma empresa de um setor não especificado);
  • EPP e MP (Empresas de Pequeno Porte e Microempresas);
  • Indústria;
  • Infraestrutura (fornecedor de energia, gás, concessionárias de rodovias e outros);
  • Instituições financeiras;
  • Pessoa física (consumidor);
  • Pessoas física ou jurídica não identificadas;
  • Serviços (telefonia e outros);
  • Setor público (prefeituras, governo, secretarias e outros)

Tecnologia da informação

Valores

  • 123.539,00
  • 280.606,00
  • 47.141,00
  • 122.648,00
  • 5.374,00
  • 34.408,00
  • 55.608,00
  • 16.281,00
  • 414.968,00
  • 51.119,00
  • 18.787,00
  • Média Geral – 55.852,00

Quantidade de ações

  • 3.069
  • 9.053
  • 25.799
  • 2.291
  • 121.535
  • 11.960
  • 1.053.642
  • 2.958
  • 14.578
  • 22.647
  • 236
  • Total 1.267.768

Fonte: TJ-SP

O perfil do “tribunal dos consumidores”

Esse é o apelido do Juizado Especial Cível (JEC). Estima-se que 90% das ações nesse tribunal diz respeito ao direito do consumidor. Nele, é possível exigir valores de duas maneiras:

  • Até 20 salários mínimos (sem advogado);
  • Até 40 salários mínimos (com advogado);
  • O autor normalmente é homem, de 40 anos;
  • Os setores: público, comércio, indústria, transporte e planos de saúde são alvo de 52% dos processos nos juizados especiais estaduais, federais e do trabalho.

As 10 causas mais comuns

Os Tribunais de Justiça Estaduais do País concentram quase 70% das ações (novos e antigos). Abaixo, as dez causas mais comuns, segundo o CNJ.

1º – Cobrança indevida.
2º – Não pagamento de indenização do DPVAT (não é relação de consumo).
3º – Vício de produto ou serviço.
4º – Inscrição em cadastro de inadimplente.
5º – Cobrança abusiva.
6º – Negativa de tratamento de saúde.
7º – Descumprimento do contrato pelo fornecedor.
8º – Correções decorrentes de planos econômicos.
9º – Não entrega do produto.
10º – Movimentação indevida em conta corrente.

Fonte: Estudo “Perfil do acesso à justiça nos juizados especiais cíveis”, do CNJ