O anúncio da renegociação do passivo pela Lojas Marisa na quarta-feira (8) expôs a escassez nas linhas de crédito, especialmente para o varejo, causado pela suspeita de fraude e um rombo de mais de R$ 20 bilhões na Americanas. Com o caixa apertado e vencimentos próximos, a loja de roupas se antecipou e vai conversar com os bancos credores para tentar reescalonar dívidas que somam cerca de R$ 600 milhões, segundo apurou o Estadão/Broadcast. Diferentemente da Americanas, a companhia não entrou com pedido de recuperação judicial.
Especialistas em reestruturação de dívidas e advogados afirmam que o caso Americanas afetou a confiança e a capacidade de crédito das varejistas, com impacto na cadeia de fornecedores. Pesaram o escândalo e a imprevisibilidade da insolvência da varejista agora em recuperação judicial.
A Lojas Marisa informou que o diretor presidente Adalberto Pereira dos Santos renunciou à presidência da empresa. Interinamente, Alberto Kohn de Penhas, atual vice-presidente Comercial e executivo, assumirá o comando na empresa. Em fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a empresa informou ainda que o membro do conselho de administração, Marcelo Adriano Casarin também renunciou ao cargo.
A companhia diz que já iniciou o processo de seleção do novo presidente. Da mesma forma, o colegiado está tomando as medidas necessárias para a nomeação de novo membro para o conselho o qual ocupará a cadeira anteriormente ocupada por Casarin até a Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária ser realizada em abril de 2023.
Fila grande
Segundo um especialista em reestruturação de empresas que pediu para não ser identificado, outras varejistas recorrerão às renegociações. Ele diz que “a fila vai ser grande”.
Outras varejistas tiveram medo da contaminação do ambiente de crédito em razão da Americanas e correram desde o início da crise para dizer aos bancos que suas estruturas financeiras eram diferentes. Para aquelas que conseguiram mostrar capacidade de pagamento e balanços mais transparentes, o crédito está disponível. No caso da Marisa, porém, os problemas já eram mais antigos.
Histórico da Marisa
A empresa começou uma reestruturação em 2017. Dificuldades da pandemia, vendas fracas e inadimplência alta nos serviços de crédito deterioraram a operação. Marcelo Pimentel, que comandou a empresa de 2019 a 2022, não conseguiu mostrar resultados mais claros no processo de reestruturação e saiu da companhia para assumir o comando do GPA.
A companhia estava à venda, mas não encontrou compradores. O interesse da família fundadora da Marisa no negócio era baixo. Além disso, a alta das taxas de juros no país limitou o impulso para operações de fusões e aquisições no segmento.
No caso da recuperação judicial da Americanas, todo o sistema bancário foi pego de surpresa. A dívida da companhia com os maiores bancos do país soma por volta de R$ 20 bilhões, conforme lista de credores levada pela empresa à Justiça – o documento ainda pode ser revisto. O valor está descoberto de garantias, dada a característica desses créditos, que são “relativamente” seguros, já que são lastreados por recebíveis e de prazo curto. Essa é a característica da maior parte das dívidas de varejistas.
Credores receptivos
Pessoas envolvidas com as negociações disseram que a ideia da Marisa, por outro lado, não é viabilizar um corte do valor devido, mas alongar prazo de pagamento. A Marisa está fazendo uma renegociação direta com seus credores, os quais, de acordo com interlocutores da empresa e de bancos, estão receptivos. Bradesco, Safra, Daycoval, Alfa, ABC, Itaú e Caixa estariam na lista dos bancos de credores da Marisa.
Segundo o diretor de um banco credor da Marisa, o caso da rede de vestuário é muito menor que o da Americanas, mas ilustra um problema “gritante” no setor, que tem sentido os efeitos da desaceleração da economia e juros altos – e que devem se manter em dois dígitos. Este executivo argumenta que as varejistas vão enfrentar um ambiente mais desafiador para o crédito em 2023.
Bancos
O reforço bilionário que as instituições financeiras fizeram em provisões no quarto trimestre de 2022 em razão dos problemas da Americanas já sinaliza a abordagem muito mais cautelosa no crédito, diz um executivo de um banco. O Santander fez provisões de R$ 1,1 bilhão, enquanto o Itaú reservou R$ 1,3 bilhão.
Com informações do jornal O Estado de S. Paulo e Broadcast Estadão