Nos últimos anos, os profissionais de compras e suprimentos têm feito um esforço contínuo para ganhar relevância e poder influenciar os gastos corporativos de maneira mais proativa. Principalmente nos processos de contratação de serviços de tecnologia. Existe uma boa razão para esse esforço: é muito difícil adotar as melhores práticas de busca e qualificação de fornecedores, negociação e contratação se não houver uma definição muito clara da solução a ser comprada e nem tempo suficiente entre a demanda e o início esperado do contrato.
Na realidade acelerada da transformação digital, as organizações de compras devem ter cuidado para não desperdiçar a oportunidade de envolvimento precoce. Principalmente se o projeto representar uma compra ou contratação de uma solução nova, cujo escopo não esteja claramente definido. Ou quando cada fornecedor tenha uma abordagem diferente para a mesma solução. Se esse processo for conduzido pelo mesmo raciocínio utilizado na aquisição qualquer commodity, a função de suprimentos perderá rapidamente a credibilidade e, também, a oportunidade de ser parceira da inovação.
Há uma transformação silenciosa, mas profunda, acontecendo na área de compras em algumas poucas corporações. O novo cenário exige novas estratégias das áreas que adquirem bens e serviços. O novo processo da área de compras incorpora os ingredientes das metodologias ágeis, que podem aparecer numa combinação equilibrada e sensata com seus métodos tradicionais.
No processo tradicional, a área usuária que deseja fazer uma compra em geral necessita ter um entendimento claro e detalhado da solução desejada. Isso exige um esforço dos usuários e, eventualmente, perde-se oportunidades de explorar outras soluções de fornecedores alternativos. Nesse momento, a área usuária já pode ter pré-definido um fornecedor de sua preferência e a sua solução, bem como seu orçamento, tornando o processo de compras irrelevante e meramente burocrático.
Porém, é justamente nessa etapa que a área de suprimentos se envolve. Com a equipe usuária, ela dedica mais um grande esforço em documentação, a fim de poder produzir e disparar para o mercado as RFI (Request for Information), RFP (Request for Proposal) ou RFQ (Request for Quotation). O fornecedor, por sua vez, pode ter dificuldades no entendimento da documentação e nem sempre consegue atender à solução definida. Porém, poderia ter alternativas até mais eficientes.
Obviamente, esse processo é demorado e ineficiente em grande parte das aquisições atuais (principalmente no que se refere à aquisição de serviços de tecnologia). Esse processo pressupõe que quando um usuário de compras preenche uma requisição, em tese ele já sabe o que quer comprar. Ele sabe como é toda a solução. Em tese. Porque a realidade de hoje nem sempre é essa.
Atualmente, uma abordagem melhor para se extrair a melhor solução do mercado fornecedor é utilizar componentes das metodologias ágeis no processo de compras.
Por exemplo, as tradicionais RFPs são substituídas por RFS (Request for Solutions), que serão a base para sessões de design thinking com provedores de solução diferentes (em momentos diferentes, claro). Nessas sessões, a empresa-cliente descreve o problema a ser resolvido, seus objetivos de melhorias e suas restrições. Tudo para que os fornecedores desenvolvam soluções de forma gradativa (e em co-criação, para usar um termo da moda) para a melhor resposta à demanda do negócio.
Uma vez definido o modelo de solução pretendido, vem o segundo “sprint” (etapa no método ágil), durante o qual cada fornecedor apresenta sua proposta, com sua abordagem específica. No último sprint é feito um workshop entre compras e áreas usuárias, com todo o mandato para a tomada de decisão.
Em outras palavras, enquanto no processo tradicional o processo é entendimento da demanda do usuário, produção de RFI e RFP, resolução de dúvidas de fornecedores e avaliação de propostas, no processo ágil temos design da solução, avaliação e decisão.
E quando usamos uma metodologia ou a outra? Quando a metodologia ágil será melhor do que a tradicional?
A resposta simples seria: sempre que o futuro ou o final de algum projeto for desconhecido ou tiver um grau relevante de incertezas. Mas também devemos considerar situações nas quais se deseja incorporar inovações ao negócio e adquirir conhecimentos específicos de fornecedores ainda não disponíveis na empresa — como é justamente a grande maioria dos casos de negócios atuais.
Casos em que a definição do negócio é evolutiva — sua construção é evolutiva. Esse comportamento do negócio é acompanhado pela metodologia ágil com um processo que contempla um feedback — errando e aprendendo, testando e aprendendo. O resultado estará em ‘entregas’ que são menores, porém mais frequentes do que no método tradicional, que entrega tudo de uma vez, mas consome mais tempo.
No método ágil existe um aprendizado conjunto, que ocorre na interação entre a empresa e os provedores da solução. A entrada da metodologia ágil na área de sourcing (ou de compras) favorece também uma abordagem que contempla mais do que apenas o usuário solicitante, ao mesmo tempo ampliando e enriquecendo o processo.
A pesquisa Digital Procurement Survey 2019, da empresa Jaggaer, especializada em administração de despesas, mostra que esse cenário inovador, no entanto, ainda não está presente na maioria das corporações. Segundo o levantamento, há poucas mudanças nos departamentos de compras desde 2017. Os principais obstáculos no aperfeiçoamento deles são a falta de orçamento, de habilidades de TI, de integração de dados e de conhecimento digital entre os próprios profissionais do setor.