Aprovada pela Emenda Constitucional 132/2023 e detalhada na Lei Complementar 214/2025, a reforma tributária sobre o consumo não se limita à unificação de tributos ou à simplificação de alíquotas. Seu alcance é mais profundo: altera a lógica de cobrança, de controle e de aproveitamento de créditos fiscais. Nesse cenário, o split payment surge como um dos mecanismos mais disruptivos, com potencial de transformar não apenas a rotina fiscal das companhias, mas também a estrutura de seus modelos de negócio.

Hoje, quando uma empresa contrata um fornecedor, o pagamento é feito integralmente e a responsabilidade pelo recolhimento do imposto recai sobre quem vendeu o produto ou serviço. Esse intervalo, entre a entrada do valor bruto e o efetivo recolhimento, concede às empresas uma margem temporária de gestão, que funciona como um colchão financeiro para o caixa.
Com o split payment, essa lógica se inverte. O pagamento será automaticamente desmembrado: uma parte seguirá para o fornecedor e outra irá diretamente ao fisco. Na prática, o imposto deixa de circular pelas empresas, eliminando a possibilidade de administrar esses recursos até o vencimento da guia.
Impacto sobre capital de giro e operação
A mudança terá efeitos imediatos no capital de giro, sobretudo em setores de margens estreitas e alta frequência de transações, como o varejo supermercadista. Sem esse colchão, companhias precisarão buscar novas fontes de liquidez para sustentar o ciclo operacional.
O impacto vai além da contabilidade: o crédito tributário também passará a depender do efetivo pagamento do imposto pelo fornecedor. Ou seja, a empresa só poderá aproveitar o crédito depois que o tributo tiver sido recolhido. Isso altera a previsibilidade de caixa e cria uma relação de dependência entre empresas na cadeia produtiva.
O efeito prático é duplo: de um lado, impõe uma gestão de caixa mais rigorosa, com revisão de prazos de pagamento e recebimento; de outro, amplia as exigências de compliance, já que será necessário monitorar se os fornecedores estão em dia com as obrigações fiscais para não comprometer a cadeia de créditos.
Preparação estratégica e adaptação empresarial
Para o governo, o modelo traz previsibilidade na arrecadação e reduz riscos de inadimplência. Para as empresas, porém, o desafio é mais estratégico do que tributário: não se trata apenas de adaptar sistemas contábeis, mas de rever processos internos, recalibrar projeções de capital de giro e até redesenhar o modelo de negócios.
Nesse processo de adaptação, duas frentes se destacam. A primeira é a recuperação de créditos tributários dos últimos cinco anos – levantamento do Grupo AG Capital mostra que 99% das empresas pagam mais impostos do que deveriam. A segunda é o uso de ferramentas de simulação e planejamento, indispensáveis para apoiar decisões financeiras e operacionais em um ambiente de maior incerteza.
Estamos diante de um ajuste estrutural. As empresas que se anteciparem, fortalecendo a gestão financeira, ampliando o monitoramento da cadeia de fornecedores e buscando fontes de capitalização, estarão mais bem preparadas para atravessar esse divisor de águas.
Mais do que compreender novas regras, será preciso fortalecer a resiliência empresarial. A gestão de caixa, que antes podia ser tratada como uma rotina administrativa, passa a ocupar um papel central na sustentabilidade financeira das companhias.