Durante anos, o e-commerce prosperou ancorado na lógica dos cliques – tráfego orgânico, mídia paga, jornada no site, conversão e remarketing. Mas essa engrenagem mudou. O surgimento de motores de resposta como ChatGPT, Google IAO e outros modelos de linguagem representa mais do que uma inovação tecnológica, é uma mudança estrutural na forma como as pessoas descobrem, comparam e decidem comprar.

Até pouco tempo, os buscadores entregavam listas de links. Hoje, eles entregam respostas completas, com comparações, indicações e redirecionamentos. A descoberta foi absorvida pela resposta. E a resposta está amarrada a ecossistemas. Começamos a ver marketplaces, parceiros, afiliados e checkouts integrados. Resultado? A decisão de compra ocorre antes do clique no seu domínio e, muitas vezes, é finalizada fora dele.
Lamentar a queda nas sessões do tráfego não muda o cenário. Mudar o modelo de aquisição, sim. Essa nova dinâmica impacta diretamente os indicadores financeiros da operação. O CAC aumenta, pois a atenção está nas mãos de poucos e grandes players; o tráfego de marca diminui, já que o consumidor resolve tudo dentro do chat; a conversão no site cai porque parte do público sequer chega até ele; e a margem fica muito mais apertada, já que comissões de canais viram custo fixo de aquisição.
Construir audiência própria como pilar operacional
A resposta não está em aumentar a verba de mídia. Está em reduzir a dependência de cliques e aumentar a dependência de clientes. E para isso, é preciso construir audiência própria – e-mail, WhatsApp, apps, comunidades. Quando a atenção é “alugada”, qualquer mudança no algoritmo vira uma crise. Quando a audiência é sua, ela é um canal direto de receita e relacionamento. Se amanhã o Google mudar as regras, quantos clientes você consegue alcançar diretamente, sem pedir bênção a ninguém?
Os três pilares do novo modelo
Três pilares operacionais sustentam essa construção:
– Captação contínua: cada página e cada interação devem oferecer um motivo claro para assinatura (alertas, ofertas, programas);
– Consentimento e interesse: dados são ativos valiosos (party data), e captar preferências com transparência é essencial;
– Distribuição proprietária: e-mail e WhatsApp são canais de conversão. Social é uma vitrine, e mídia própria (owned media) é receita.
Se o clique desaparece, a retenção vira a nova aquisição. Fidelizar vai além de um “clube de pontos”, é criar vínculo. Um programa de fidelidade de verdade inclui tiers por valor gerado, missões como reviews com foto e indicações com compra, benefícios não financeiros como acesso antecipado ou comunidades, e serviços premium como garantias estendidas ou assinatura com pausa fácil. A métrica-chave é LTV de membros vs. não-membros. Se o programa não gera 1,5x mais valor, ele precisa ser redesenhado.
Marcas que só aparecem na Black Friday colhem vendas apenas na Black Friday. Estar presente no cotidiano é diferencial competitivo. Isso inclui conteúdo útil e serviços agregados, presença em momentos de vida (aniversários, metas de saúde, estações do ano) e rotinas de comunidade (lives, bastidores, Q&A). Além disso, é preciso oferecer benefícios always-on, com algo que gere valor sem depender de cupom.
Não espere a internet voltar a ser o que era. Prepare seu e-commerce para o novo padrão, com catálogos com atributos completos, avaliações verificadas, políticas de devolução claras e feeds integrados com parceiros em que a venda acontece de fato, para que sua marca não desapareça da decisão.
Indicadores para o novo cenário
As métricas que importam no board para esse novo cenário:
– Crescimento da base própria e receita por assinante ativo
– Percentual de vendas via permanência do ciclo de vida dos clientes
– Taxa e tempo de segunda compra
– LTV/CAC por cohort (membro vs. não-membro)
– Receita por canal (nenhum deve ultrapassar 40%)
– Margem líquida após comissão de parceiros
Eu não disputo clique com quem responde antes de o usuário terminar a frase. Disputo lealdade. A minha aposta é em catálogo impecável, relacionamento contínuo, fluxos bem operados e fidelização de verdade. A internet pode mudar de dono. Mas o seu cliente, não – se ele for seu de verdade.
Construa audiência. Use e-mail e WhatsApp como motor de receita. Faça da fidelização seu colete à prova de margem. O resto é só saudade dos cliques que não voltam mais.