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O direito de arrependimento e seus limites

O Decreto 7.962/2013, que trata das novas regras da contratação no comércio eletrônico, passou a vigorar em 14 de maio. Há, entretanto, alguns pontos de indefinição que estão sendo analisados pelo governo, como o direito de arrependimento e o reembolso.

A pedido do Ministério da Justiça, a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net) elaborou documento, enviado à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) no dia 5 de maio, no qual apresenta seus principais argumentos e questões acerca do direito de arrependimento em compras não presenciais. As sugestões foram elencadas a partir dos trabalhos internos de consulta a nossos associados, realizados a partir da solicitação do ministério.

Entendemos que o direito de arrependimento no ambiente do comércio eletrônico não cabe a quem “usou e não gostou”. Trata-se, sim, do direito de quem, caso tivesse acesso direto ao bem, não teria efetuado a sua compra. Não cabe no conceito, por exemplo, o consumidor devolver um CD adquirido porque não gostou da música ou devolver uma entrada para cinema ou teatro após a data do espetáculo.

Consideramos que existem produtos e serviços cuja aquisição não é passível de arrependimento pela sua própria natureza, sob pena de gerarem prejuízos a seus fornecedores e desvirtuarem princípios básicos da relação contratual e do respeito em sociedade. Ao mesmo tempo, é preciso haver condições mínimas de preservação dos produtos devolvidos e de suas embalagens para que possam ser recolocados no mercado.

Outro ponto crucial da relação de consumo, no tocante ao direito de arrependimento e seus procedimentos no âmbito do comercio eletrônico, diz respeito aos custos decorrentes do exercício do direito de arrependimento, tais como as despesas diretas da devolução do bem. O custo de retirar o produto na casa do cliente não deve ser obrigatoriamente tomado pela empresa varejista como um risco do negócio. Se para as empresas de grande porte esse gasto extra representa um ônus pesado, para as pequenas e médias isso pode significar a inviabilidade econômica e a quebra inevitável. Entendemos que a regra a aplicar nesses casos deve ser a que permita que os sites especifiquem em suas páginas as condições que oferecem para retirada de um produto na casa do cliente, deixando assim ao cliente o direito do exercício de escolha se compra ou não daquele fornecedor.

Igualmente importante é a regra que determina o reembolso dos valores nas situações de devolução. O decreto estabelece que a loja deva informar imediatamente o cancelamento à administradora do cartão de crédito, que fica responsável pelo estorno do valor. Acontece que, na verdade, a loja é responsável pelo contato com o cliente e com o cartão, mas a administradora do cartão não fica responsável por informar ao cliente sobre o procedimento de cancelamento. Entendemos que essa comunicação deve envolver também a instituição financeira ou a administradora do cartão de crédito ou similar, uma vez que as empresas que operam no comércio eletrônico não têm qualquer ingerência sobre o processo de pagamento realizado por seus clientes por meios dessas instituições.

Por fim, recomendamos que a fixação e regulamentação das regras para o exercício do direito de arrependimento sejam restritas ao essencial, contemplando dentro do possível as exceções a que a mesma não se aplica, deixando os procedimentos e demais especificações a cargo das empresas, de forma que estas possam encontrar a forma mais eficaz e real de atender seus consumidores, conforme as peculiaridades de suas operações, incorporando, ao fim e ao cabo, esse tratamento como um fator de diferencial competitivo no seu mercado.

O direito de arrependimento foi consagrado pelo Código de Defesa do Consumidor em 1990, muito antes, portanto, de existir qualquer iniciativa de comércio eletrônico. Esse instituto tinha como premissa a garantia do direito do consumidor de se arrepender da compra realizada sem o acesso físico ao produto ou serviço. Partia dos exemplos das compras realizadas por meio de catálogos ou via telefone, sem maiores informações sobre os produtos adquiridos.

O cenário que o Código buscava resolver em 1990 era significativamente diferente do que existe hoje no comércio eletrônico, visto que a gama de informações facilmente obteníveis pelo consumidor é infinitamente superior à da venda não presencial que se imaginava há 23 anos, tendo o comercio eletrônico democratizado não só o acesso aos bens, como também democratizado e difundido a informação relativa a produtos e serviços no ambiente digital.

A Camara-e.net tem consciência da relevância do Decreto 7.962/13 e sentiu-se honrada com o convite do Ministério da Justiça e com a oportunidade de poder contribuir com seus argumentos e sugestões acerca do tema, que acreditamos possam ser úteis na construção e interpretação da nova regulamentação. Aplaudimos a iniciativa e valorizamos esse exemplo de democracia participativa na produção legislativa para a economia digital. Acreditamos que assim deveriam ser todos os projetos de nova regulamentação no Brasil.