A logística last mile virou um dos temas mais debatidos no e-commerce. Mas será que estamos fazendo as perguntas certas? Um novo estudo nos convida a olhar além da operação e enxergar o last mile como um processo estratégico, multilateral e decisivo para a criação de valor.

O last mile como processo (e não como corrida)
Em vez de tratar o last mile como um evento isolado – o momento da entrega -, o novo framework proposto por pesquisadores das universidades de Miami e Arkansas (EUA) sugere uma mudança de paradigma: pensar a logística da última milha como um processo contínuo e integrado, composto por três estágios:
– Pré-entrega: onde são tomadas decisões críticas antes de o pacote sair do armazém.
– Entrega: o momento operacional, que vai da expedição ao recebimento.
– Pós-entrega: quando o cliente avalia o serviço e decide se volta a comprar.
Essa visão processual permite uma leitura mais estratégica da logística urbana, conectando decisões de marketing, tecnologia, operações e sustentabilidade.
As engrenagens do pré-entrega
É antes do clique no botão “comprar” que muitas engrenagens invisíveis começam a girar.
Na fase de pré-entrega, o estudo mostra que o cliente analisa variáveis como frete, velocidade, conveniência e sustentabilidade. Ao mesmo tempo, varejistas e operadores logísticos definem como vão estruturar sua rede de entregas, quais tecnologias utilizar, como precificar o serviço e até que tipo de transporte será ativado.
Essa fase é crítica porque define as expectativas do cliente e a viabilidade operacional da entrega. E há um dado curioso: clientes muitas vezes não sabem exatamente o que querem, mas reagem fortemente a experiências ruins, o que torna a comunicação e a transparência ainda mais essenciais.
A batalha silenciosa da entrega
A fase da entrega em si é onde tudo pode dar certo – ou desandar.
Aqui, o framework destaca o papel da sequência de etapas da entrega, do uso de dados em tempo real e da consolidação de pedidos para melhorar a performance. A figura do entregador ganha protagonismo: seja ele um motorista profissional ou um parceiro de crowdshipping, seu comportamento influencia diretamente o sucesso da operação e, cada vez mais, a percepção da marca.
Além disso, aspectos aparentemente simples, como encontrar vaga para estacionar ou acessar prédios, podem alterar todo o fluxo logístico urbano. A eficiência da entrega depende não apenas de tecnologia, mas de um entendimento profundo da cidade e de seus obstáculos cotidianos.
Quando a entrega termina, mas o jogo continua
Engana-se quem pensa que a entrega encerra o processo. O pós-entrega é onde se mede, de fato, o sucesso.
O cliente avalia qualidade do serviço, tempo de entrega, facilidade de devolução e decide se volta a comprar daquela loja. Além disso, pode compartilhar sua experiência em redes sociais, tornar-se fiel ao varejista ou até influenciar a avaliação do entregador.
Essa fase também revela os efeitos colaterais: emissões de carbono, uso de embalagens, custos logísticos e operacionais. Empresas mais maduras estão monitorando essa etapa com atenção, conectando métricas de sustentabilidade e experiência do cliente a decisões de negócio.
Um novo mapa para a última milha
Ao organizar mais de 100 estudos recentes em um framework processual, o estudo traz uma contribuição poderosa: o last mile não é uma ponta solta da cadeia – é uma trilha estratégica que conecta expectativas, decisões e experiências.
Para quem atua no e-commerce, o recado é claro: entender a última milha como um processo – e não como uma corrida contra o tempo – abre espaço para inovar, criar valor e diferenciar sua marca em um território cada vez mais complexo.
Quer transformar sua logística last mile em vantagem competitiva? Primeiro entenda que a entrega começa muito antes do envio e termina bem depois do recebimento.
*Este artigo é baseado no paper “Last-Mile Delivery: A Process View, Framework, and Research Agenda” de Masorgo, Dobrzykowski e Fugate (2024), publicado no Journal of Business Logistics.