A inteligência artificial está redefinindo os meios de pagamento com uma velocidade e profundidade que desafiam até mesmo as previsões mais ousadas. Não por coincidência, esse foi o tema central do último Febraban Tech, em junho, que destacou o potencial transformador dessa tecnologia para o processamento de transações, a detecção de fraudes e a personalização de serviços.

Simultaneamente, dados do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro já mostram que o setor financeiro e bancário ocupa a quarta posição entre as principais áreas que têm implementado IA em suas soluções no Brasil, atrás apenas da saúde, do agronegócio e da educação, respectivamente.
Mesmo assim, ainda vejo poucos alertas sobre como a inovação, se não acompanhar a segurança adequada, pode virar a receita para o caos completo.
Fluxo de dados e aprendizado contínuo
Por trás de toda transação, há um fluxo complexo de dados que demanda tecnologias de pagamento mais e mais robustas. Afinal, os sistemas baseados em IA se retroalimentam: a cada nova transação, eles aprendem estratégias que, em teoria, tornam os pagamentos mais seguros e personalizam a experiência do cliente.
Essa personalização proporcionada pela inteligência artificial pode acontecer de diferentes formas. Um exemplo é a recomendação de compras com base nas transações anteriores. Outro é o uso de pagamentos preditivos, em que a IA antecipa quando o cliente está propenso a comprar e oferece opções de pagamento facilitadas e ultrarrápidas. Em um nível ainda mais avançado, a IA pode prever necessidades financeiras e sugerir alternativas de pagamento ou serviços mais adequados ao perfil de cada pessoa.
Mas experiências como essas dependem da coleta massiva de dados para serem construídas – lembra que mencionei que os sistemas de pagamento baseados em IA se aprimoram a cada nova transação? Por isso, torna-se imperativo pensar na proteção contínua dessas informações.
Detecção de fraudes em tempo real
Algumas soluções já vêm sendo apontadas. A mesma análise de transações que recomenda compras pode detectar fraudes em tempo real; ao identificar comportamentos atípicos, consegue bloquear automaticamente atividades potencialmente fraudulentas ou exigir verificações adicionais antes de validar a transação.
Da mesma forma, a análise preditiva que antecipa potenciais momentos de compra também previne ameaças à segurança antes mesmo que elas se concretizem, acionando protocolos preventivos, como bloqueio temporário do meio de pagamento, autenticação multifator e alertas tanto para o cliente quanto para a instituição financeira.
Mas para que a proteção das transações financeiras com o uso de IA ocorra de forma sistematizada e integrada, desenvolver soluções tecnológicas não é suficiente. É fundamental se servir de ética no uso de dados e adotar práticas sólidas de governança, além de garantir o cumprimento das regulamentações de segurança financeira, das normas de compliance e dos direitos do consumidor.
Justamente nesse ponto, mora um problema: o ritmo acelerado de inovação raramente acompanha a lentidão da burocracia. Enquanto sistemas inteligentes evoluem quase em tempo real, os processos legislativos e institucionais seguem operando em modo analógico. Essa defasagem não abre somente um hiato ético ou legal; ela cria terreno fértil para fraudes, golpes e crimes cibernéticos que colocam consumidores e instituições em risco, muitas vezes sem mecanismos ágeis de proteção ou reparo.
Tanta assimetria torna urgente a regulamentação da IA aplicada aos meios de pagamento, uma conversa que avança em diferentes partes do mundo. No Brasil, estamos em processo de construção de um marco legal específico para IA no sistema financeiro. A proposta busca equilibrar o avanço da tecnologia com a proteção de dados pessoais, assegurando segurança, privacidade e um uso ético, transparente e responsável das informações. O texto já foi aprovado no Senado e, atualmente, está sendo analisado na Câmara dos Deputados.
Que esse movimento legislativo não perca de vista o que está em jogo: a segurança de longo prazo dos usuários e sua confiança em um ecossistema que se pretende cada vez mais invisível, complexo e decisivo.
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