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IA líquida chegou à cozinha e ao coração da experiência ao cliente

Por: Ingrid Devisate

Cofundadora e diretora executiva do Instituto Foodservice Brasil (IFB)

Foi head da divisão de foodservice da Gouvêa e é cofundadora e diretora executiva do IFB - Instituto Foodservice Brasil. Atua há mais de 20 anos no setor de foodservice e possui especializações em marketing e pesquisa pela ESPM, ciências sociais pelo Truman College e certificação em estratégias disruptivas pela Harvard Business School.

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Quem acha ainda que o uso da inteligência artificial (IA) na alimentação fora do lar é uma coisa de filmes de ficção e que só as grandes redes vão adotar isso está errado. O uso de IA no setor já deixou de ser promessa futurista ou restrita a redes de franquias.

Restaurantes, redes de fast food, cafeterias e dark kitchens ao redor do mundo estão utilizando IA para tomar decisões estratégicas, otimizar processos, melhorar a experiência do cliente e até antecipar tendências de consumo. Se antes a tecnologia era vista como algo distante, hoje ela integra operações cotidianas e influência diretamente a rentabilidade dos negócios do setor de foodservice.

Robô preparando comida em cozinha profissional.
Imagem: Freepik.

Segundo a Market Research Future, o mercado global de IA em alimentos e bebidas deve atingir US$ 5,8 bilhões até 2030, crescendo a uma taxa anual de 45,4%. No Brasil, já é possível observar esse movimento em redes como McDonald’s, Outback e Giraffas, mas também em pequenos restaurantes que utilizam ferramentas de IA para gestão de estoque, atendimento automatizado e análise de dados de consumo. A aplicação da IA tem se mostrado uma aliada poderosa para resolver problemas antigos do setor, como desperdício, demora no atendimento, erros em pedidos e baixa previsibilidade de demanda. Veja alguns exemplos concretos de aplicação prática:

– Previsão de demanda e controle de estoque: algoritmos de machine learning ajudam a prever quantos hambúrgueres ou porções de batata serão vendidos em determinado dia, cruzando dados de clima, sazonalidade e comportamento histórico do cliente. A Domino’s, por exemplo, conseguiu reduzir em 80% o desperdício de ingredientes em algumas unidades nos EUA.

Personalização de cardápios: redes como a Starbucks utilizam IA para personalizar ofertas no app, baseando-se em preferências de pedidos anteriores, clima local e horário do dia. Essa estratégia aumentou em 11% a taxa de recompra nos EUA, segundo relatório da própria empresa apresentado em conferência de investidores em 2023.

– Assistentes virtuais e atendimento automatizado: chatbots com IA respondem pedidos, dúvidas e até recomendam pratos. O Giraffas adotou uma IA generativa para interagir via WhatsApp com clientes em tempo real, aumentando a conversão em pedidos de delivery em 9%.

Logística e entregas: algoritmos otimizam rotas, priorizam pedidos com base no tempo de preparo e ajudam a minimizar atrasos. O iFood usa IA preditiva para distribuir entregadores com mais eficiência nas regiões urbanas, principalmente em horários de pico.

Inteligência artificial: aliada na entrega e na logística

Além disso, a inteligência artificial líquida está transformando o setor de foodservice ao se integrar de forma contínua e flexível em cada etapa do negócio. Ela não atua apenas como uma solução pontual, mas como um sistema fluido que aprende, se adapta e melhora a operação em tempo real.

No dia a dia, essa IA já automatiza tarefas repetitivas, como o registro de pedidos e o fechamento de contas, liberando a equipe para focar no atendimento ao cliente. Com chatbots inteligentes, os restaurantes conseguem oferecer suporte rápido, personalizado e disponível 24/7, melhorando a experiência do consumidor desde o primeiro contato.

Outra aplicação essencial é a precificação dinâmica, que ajusta os preços com base na demanda, no clima, em eventos locais e até no comportamento de consumo. Isso garante uma gestão de receita mais eficiente e aumenta a margem de lucro. Ao mesmo tempo, robôs e equipamentos inteligentes aceleram a preparação dos alimentos com consistência e qualidade, mesmo em horários de alta demanda.

Otimização e personalização com IA líquida no dia a dia do foodservice

O impacto da IA líquida também aparece no controle de estoque. Com algoritmos que analisam padrões de consumo e sazonalidade, o sistema antecipa necessidades, evita excessos e reduz drasticamente o desperdício. Essa inteligência estendida também chega ao marketing e às vendas: dashboards analíticos mostram o que vender, para quem e em qual momento, permitindo montar combos estratégicos e promoções certeiras.

A IA ainda ajuda a personalizar a jornada do cliente. Com base em dados comportamentais, ela sugere pratos, ajusta cardápios e antecipa preferências, aumentando o engajamento e a fidelização de forma orgânica.

Um estudo da Hospitality Technology mostrou que 38% dos restaurantes nos EUA já utilizam IA para tarefas como marketing automatizado, análise de dados e atendimento. A consultoria McKinsey estima que empresas do setor que implementam IA com sucesso conseguem reduzir desperdícios em até 35% e melhorar a eficiência operacional em até 20%. Um ponto essencial na discussão é que a IA não substitui a hospitalidade humana, tão valorizada no setor. Pelo contrário, ao automatizar tarefas operacionais e repetitivas, a IA libera o tempo da equipe para focar no atendimento, na criatividade culinária e no relacionamento com o cliente.

A consultoria Accenture reforça que empresas que combinam IA com empatia humana entregam experiências mais completas e com maior fidelização. O relatório “Human + Machine” mostra que a colaboração entre humanos e IA aumenta a produtividade e melhora o engajamento com os consumidores.

Apesar dos benefícios evidentes, a adoção da inteligência artificial no foodservice ainda enfrenta desafios importantes que limitam sua expansão, especialmente entre pequenos e médios negócios. O alto custo inicial continua sendo uma das principais barreiras, já que muitos estabelecimentos enxergam a IA como uma tecnologia inacessível. Embora plataformas SaaS tenham reduzido esse impacto, o investimento ainda pode ser um entrave.

Outro obstáculo está na integração com sistemas existentes. Conectar soluções de IA aos sistemas de ponto de venda (PDV), ERPs e plataformas de delivery demanda tempo, conhecimento técnico e suporte especializado. Soma-se a isso a falta de familiaridade com o tema: muitos gestores ainda não dominam os conceitos básicos da IA e, por isso, têm dificuldades para escolher ou implementar as ferramentas adequadas.

Além disso, à medida que a coleta de dados se torna mais intensa, cresce a preocupação com segurança da informação e privacidade dos consumidores. As empresas precisam se adequar à LGPD e investir em cibersegurança para garantir que os dados utilizados pela IA estejam protegidos e sejam tratados de forma ética e legal.

Portanto, a inteligência artificial representa um salto evolutivo para o foodservice, indo muito além de robôs em cozinhas futuristas. Ela já atua hoje, silenciosamente, em backoffices, aplicativos de entrega, centrais de atendimento e dashboards de gestão. A combinação entre IA e o fator humano permite elevar a eficiência operacional sem abrir mão da experiência calorosa e personalizada que define o setor.

No entanto, o desafio, agora, é democratizar o acesso à IA, formar profissionais preparados e encontrar o equilíbrio ideal entre tecnologia e hospitalidade.