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China: firme pilar econômico

Por: Lincoln Fracari

Fundador e diretor executivo do Grupo China Link

Fundador e diretor executivo do Grupo China Link. Especialista e consultor na área de negócios com a China e Ásia, empresário, investidor, escritor e palestrante. Formado em Administração pela Universidade Paulista e especializado em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas.

Muito se especula sobre quais fatores contribuíram para o crescimento exponencial da China nas ultimas décadas. Pesquisando grosseiramente no Google, em livros ou em revistas do setor econômico, entre as informações que ocupam o maior espaço a respeito dos motivos de despontamento econômico do país estão pirataria, mão de obra barata e incentivos fiscais do governo. Mas como alguém que morou por mais de dez anos no país e vivenciou de perto algumas das maiores transformações já vistas, acrescentarei aqui algumas experiências pessoais e refletirei a fundo sobre os assuntos predominantes na mídia.

Empreender hoje e não conhecer minimamente a estrutura da China é assinar um contrato na incerteza.

Contexto histórico

Durante muito tempo, a China foi considerada um país pobre e lá dentro a realidade era provavelmente muito pior: a população chinesa enfrentou grandes crises politicas e humanitárias internas que, de certo modo, contribuíram ou ao menos aceleraram algumas transformações que não podemos ver em outros países asiáticos. Claro que a China é geograficamente beneficiada por suas proporções continentais que permitiram crescimento populacional, além de solo para plantação e extração de minerais.

Mas não é só isso. Atualmente, o governo socialista chinês incentiva o comércio internacional e fomenta feiras de produtores e importadores dentro das províncias. Contudo, levanto o questionamento: será que somente o incentivo governamental e solo para plantação seriam suficientes para possibilitar que a China desbancasse várias outras potências econômicas e se tornasse a segunda maior do mundo?

Restrições governamentais impulsionaram evolução tecnológica interna

Por conta das várias restrições e censuras impostas pelo partido comunista no país, como o acesso controlado à internet e a proibição da importação de equipamentos eletrotecnológicos nas década de 1990 e 2000, a indústria chinesa se viu obrigada a produzir seus próprios equipamentos eletrônicos, de modo que não infringissem as sanções ditatoriais. Com isso, aos poucos, as linhas de produção locais não apenas tornaram-se excelentes em desenvolver produtos inspirados nos já famosos existentes no restante do mundo, como o país passou a exportar esses itens a preços abruptamente menores (muitas vezes eram construídas fábricas menores ao lado das gigantes da indústria que já tinham linhas de produção instaladas no país).

O objetivo naquele momento era ter acesso aos já experientes trabalhadores do setor tecnológico – uma vez adquirido o conhecimento por trás da montagem e execução dos produtos, era questão de tempo até a replicação ser feita em larga escala para toda a China e também para outros países do mundo. Em meados dos anos 2000, a China sofreu grande pressão mundial para intensificar o controle de patentes, e houve a partir dali uma grande mobilização tecnológica para transformar o país da cópia e da pirataria no país da inovação tecnológica e da pesquisa.

Esse esforço regenerou aquela economia fraca e a trouxe para os holofotes do cenário mundial. Já em 2010, a China colhia os frutos desse projeto de reestruturação. Prova disso foi o nascimento de uma das maiores fabricantes de celulares do mercado mundial, a Xiaomi, que surgiu em um momento de grande incentivo ao desenvolvimento tecnológico e surfou em uma realidade econômica bem distinta daquela que vimos em meados de 1980 e 1990.

Cenário pandêmico

Recentemente, em 2020, em meio a uma crise sanitária mundial, todos os países do mundo enfrentaram desafios sem precedentes. Enquanto isso, a China adotou talvez a postura mais severa em relação ao combate do coronavírus com uma politica de transmissão zero: para isso, o país fechou todas as suas fronteiras, instaurou a quarentena obrigatória e paralisou quase que completamente a sua produção industrial. Tal postura foi vista por outros países como desmedida e um “tiro no pé” – especialistas projetavam ali um grande declínio econômico para o país nos anos seguintes.

Porém, com o passar dos meses, foi possível acompanhar o país com a mesma postura inicial, mantendo todos os cidadãos em quarentena e ainda com sua economia paralisada. A situação começou a atrair olhares dos especialistas, que perceberam naquele momento a falta de conhecimento que possuíam sobre aquela economia. Um país geograficamente gigante, com uma população que ultrapassa o bilhão e mesmo assim um dos poucos que, durante a maior crise humanitária que vivenciamos nos últimos anos, possibilitou a permanência do isolamento durante todas as fases críticas de contágio.

Com o desenvolvimento de tecnologias que auxiliaram a detecção de novos casos e o monitoramento de pessoas infectadas, a China mostrou para o mundo mais uma vez a sua capacidade de produção. Nos últimos meses, as notícias que recebemos do país mostram a compreensível insatisfação dos chineses com as medidas severas ainda adotadas nos períodos de aumento dos casos, em que apenas agora a economia local sofre com instabilidade nos preços. Ou seja, por mais de dois longos anos, a China custeou de modo inédito os gastos internos e evitou grandes reflexos na economia geral.

É claro que não podemos definir isso sem uma análise profunda os reais impactos econômicos da China, mas em relação à lição sobre como controlar crises e assistir sua população, podemos e devemos observar a estratégia chinesa. Destaco que o ponto de alarde nesse raciocínio não diz respeito a concordarmos ou não com a postura severa de paralização dentro do país, mas sim a analisar sobre como foi possível conduzir com estratégia a segunda maior economia mundial enquanto outros países ainda hoje não conseguiram se reestabelecer.

Esse recorte histórico da China nos fornece informações sobre a provável mais ousada estratégia do país em sua história recente. Uma junção de causas e resultados que demandaram tempo e investimento nunca antes vistos, a prova de que talvez ainda hoje subestimemos a próxima nova economia mundial. Empreender hoje e não conhecer minimamente a estrutura da China é assinar um contrato na incerteza. Conhecer a China é conhecer a economia do amanhã.