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A nova pressão sobre a última milha: como o varejo digital precisa reescrever seu modelo logístico para 2026

Por: Ewerton Caburon

CEO da EmiteAí!

Graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp, possui MBA em Gestão de Negócios pelo Insper. Desde 2021, é CEO da Emiteaí, uma startup de logística responsável por facilitar a emissão de documentos e promover o gerenciamento de transportes eficientes. Atualmente, atende os principais marketplaces do mercado. Já atuou como Diretor Executivo de Operações na BBM Logística, liderando projetos de otimização com IoT e Machine Learning. Também exerceu cargos de liderança na Raízen e Ambev, sempre focado em eficiência operacional e gestão de grandes equipes.

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Nos últimos anos, a última milha evoluiu de gargalo operacional para centro nervoso da competitividade no varejo digital. Mas 2026 marca uma inflexão definitiva: não estamos mais diante de uma etapa cara e imprevisível, estamos diante de um sistema que não foi desenhado para o comportamento de compra atual. E isso tem consequências diretas em margem, fidelização, previsibilidade e sustentabilidade operacional.

Mulher sorrindo recebe uma caixa de um entregador enquanto outras encomendas estão no porta-malas do carro.
Imagem: Envato.

Trata-se de um problema estrutural, não conjuntural. As empresas que seguirem apenas “otimizando” processos não conseguirão competir com quem está redesenhando a lógica da entrega do zero.

O novo consumidor digital compra mais vezes, em valores menores e com menos tolerância a prazos longos. Hoje, 63% dos consumidores brasileiros abandonam carrinhos quando a entrega passa de três dias, e 42% já esperam entrega no mesmo dia em regiões metropolitanas.

A pressão do novo comportamento de compra

Mas a mudança não é só de expectativa – é de origem da demanda. TikTok Shop, YouTube Commerce e live commerce criaram um fenômeno que o mercado ainda não absorveu totalmente. Afinal, a entrega virou parte do estímulo da compra, não apenas do pós-venda. Se a promessa logística não acompanha o impulso, a conversão despenca.

O resultado é um efeito cascata: mais micropedidos, mais rotas, mais dispersão geográfica e mais pressão por SLA. A equação econômica tradicional simplesmente não fecha.

O modelo de poucos CDs distantes, criado para um e-commerce de 2015, não sustenta a dinâmica do varejo social de 2026. Cada quilômetro extra aumenta o custo da última milha, e cada dia adicional reduz conversão.

É por isso que vemos o avanço rápido de modelos distribuídos:

– Microhubs urbanos reduzindo até 40% dos trajetos finais.
– Dark stores com estoques dinâmicos e reposição diária.
– Lockers e pontos de retirada integrados a sistemas de triagem inteligente.
– Ship-from-store como padrão, não exceção.

Essa transição não é tendência, é sobrevivência. Empresas que não descentralizarem seus estoques vão conviver com custos acima da média do setor e margens comprimidas.

A virada para a inteligência logística

A automação virou palavra-chave, mas o mercado ainda confunde ferramentas digitais com modernização operacional. Em 2026, o que diferencia empresas competitivas é a capacidade de integração, não o número de softwares contratados.

Estamos entrando na era da inteligência logística contínua, suportada por três pilares:

1. Roteirização dinâmica com IA

A rota não é mais estática, é recalculada em função de pico urbano, volume do dia, densidade de pedidos e performance histórica de cada região.

2. Previsão de demanda granular

A análise deixa de ser macro e passa a ser orientada por microclusters urbanos. Isso reduz ruptura, melhora reposição e diminui a probabilidade de entregas longas.

3. Integração via APIs entre ERPs, OMS, transportadoras e marketplaces

Isso reduz erros fiscais, aumenta visibilidade operacional em tempo real e elimina “zonas cegas” da cadeia – o principal motivo de atrasos não explicados.

Em outras palavras: a última milha não é rápida porque a entrega é rápida – ela é rápida porque o sistema inteiro está conversando.

A última milha como motor de margem e recompra

Esse é o ponto que o mercado ainda subestima. A última milha está deixando de ser considerada parte do backoffice. Ela passou a ser produto, marketing e experiência ao mesmo tempo.

As empresas líderes já operam sob uma lógica muito clara:

– Entrega rápida aumenta conversão.
– Entrega precisa reduz custo de atendimento.
– Entrega previsível reduz devoluções.
– Entrega conveniente aumenta recompra.

    Ou seja: quem domina a última milha domina o lifetime value do cliente. E LTV é o principal driver de margem no digital hoje.

    Se 2020 a 2024 foram anos de improviso logístico, 2025 foi o ano da reorganização, e 2026 será, inevitavelmente, o ano da seleção natural: empresas com modelos ultrapassados simplesmente perderão competitividade.

    Velocidade continuará importante, mas o novo paradigma da última milha é inteligência, não velocidade.

    Vence quem:

    – distribui estoques de forma estratégica,
    – integra sistemas ponta a ponta,
    – entende o comportamento regional da demanda,
    – reduz o custo da operação sem sacrificar SLA,
    – e transforma logística em diferencial de marca.

    Em um varejo hipercompetitivo e guiado por estímulos imediatos, a última milha é hoje o maior fator de conversão – e o maior vetor de prejuízo para quem insiste em operar como antes. 2026 não será uma evolução: será uma reescrita completa do modelo.