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Taxação de Donald Trump sobre o Brasil já afeta marketing, exportações e investimentos

Por: Alice Lopes

Jornalista no E-Commerce Brasil

Jornalista no E-commerce Brasil, graduada pela Universidade Nove de Julho e apaixonada por comunicação.

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Mesmo que a ameaça declarada pelo Presidente dos EUA, Donald Trump, de taxar em 50% todos os produtos de origem brasileira exportados para o país à partir de agosto, não se concretize, estragos já vêm sendo notados. A avaliação é do Professor Marcelo Coutinho, professor da EAESP/FGV.

Donald Trump
(Imagem: reprodução/Daniel Torok/White House)

Na visão de Coutinho, a simples possibilidade de uma taxação desse porte já desestabiliza decisões estratégicas. “Em um cenário incerto, os gestores seguram investimentos em lançamentos, contratação de pessoal e comunicação. Independentemente de a tarifa ser de 10% ou 50%, o ritmo já desacelera. Não para de uma vez, mas tudo fica mais demorado”, explica.

O professor ressalta que, em marketing e comunicação, o dano já está configurado. “Mesmo que nada se materialize, a incerteza de que o preço pode variar 50% para cima ou para baixo já afeta o ambiente de negócios.”

Já no mercado internacional, as multinacionais ficam sem saber o que fazer, segundo o professor. Uma cadeia, como a automotiva, depende de uma série de itens que as fabricantes não sabem se vão chegar. Outros importam produtos do Brasil, às vezes, para vender ao próprio País. “Hoje, você vai ao supermercado e encontra café da Starbucks. Não sei se vai aos EUA e volta. Se for esse o processo, complica as marcas americanas também”, diz Coutinho.

Pedro Brites, professor na área de Relações Internacionais na FGV, destaca que alguns setores se prejudicam mais fortemente, como os de petróleo e derivados, que exporta bastante para os EUA, assim como o de aço. “No caso do petróleo é mais fácil redirecionar as exportações para outros parceiros do que a indústria de aço, que tem naquele país um parceiro muito importante”, pontua.

Mas mesmo para o agro brasileiro, que tem mercados globais importantes conquistados, diz Brites, os EUA são relevantes. E setores como os cafeicultores e produtores de laranja já têm demonstrado sua insatisfação, ainda que o cenário possa mudar, com os EUA retirando parte da taxação ou renegociando.

Jogo político-econômico

Coutinho lembra que, em uma economia neoliberal periférica como a brasileira, o principal recurso dos setores produtivos costuma ser o acesso ao Estado. Porém, destaca que isso também passou a acontecer nos EUA, inclusive com grandes empresas que recuaram de agendas como diversidade e inclusão diante de pressões do governo.

Sobre uma possível resolução via diplomacia, como defendeu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Coutinho pondera: “Uma solução diplomática pressupõe que todos estejam fazendo diplomacia. E o ator com o qual o Brasil está lidando faz uma diplomacia bastante peculiar.”

A retórica de Trump também mira o grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), ameaçando países que se aproximem do bloco em detrimento dos EUA. Para Brites, isso demonstra uma escalada na agressividade geopolítica da gestão Trump, com o objetivo de conter avanços diplomáticos e econômicos do grupo.

Apesar de esvaziada pelas ausências dos presidentes da China e da Rússia, a reunião dos Brics realizada no Rio de Janeiro nos dias 6 e 7 de julho provocou reação dos EUA após os membros colocarem em pauta o papel do dólar. Para Brites, a resposta americana indica que o Brasil passou a ocupar espaço mais relevante no radar da política externa dos EUA.

Esse cenário, segundo ele, tem duplo efeito: por um lado, reforça o alerta sobre riscos, mas, por outro, fortalece o movimento de maior articulação entre os países do bloco e sua independência frente à economia americana.

Brites destaca que a taxação pode representar um “tiro no pé” para os EUA. Isso porque o país mantém superávit comercial com o Brasil, o que torna as relações mais vantajosas para os americanos. A imposição de tarifas pode gerar impacto inflacionário na economia dos EUA e sinalizar instabilidade tarifária a outros parceiros.

Do ponto de vista global, a medida tende a impulsionar os Brics e outros países a buscarem relações comerciais lastreadas em moedas nacionais, o que enfraquece o papel central do dólar. Nesse sentido, o professor aponta a moeda americana como uma “bomba geoeconômica”, um elemento de instabilidade capaz de minar relações comerciais e diplomáticas.

Efeito contrário no Brasil

Coutinho acredita que, ao mirar diretamente o Brasil, os EUA podem acabar fortalecendo o nacionalismo econômico no País. A retaliação é vista por muitos como injustificada, sobretudo diante do déficit comercial brasileiro com os EUA.

A consequência, segundo o professor, pode ser o fortalecimento de vozes críticas à política externa americana, inclusive dentro da própria política brasileira, onde parte da extrema-direita que apoia Trump pode ser colocada em posição desconfortável.