O acirramento do conflito entre Israel e Irã, com desdobramentos em pontos estratégicos como o Estreito de Ormuz e o Mar Vermelho, além de envolvimento dos Estados Unidos, começa a repercutir de forma concreta sobre a economia brasileira — incluindo varejo e e-commerce. A alta do petróleo, risco logístico nas rotas marítimas e valorização do dólar compõem um cenário de pressão sobre alguns fatores que envolvem o setor, como custos operacionais, consumo interno e estratégias de marcas que dependem de cadeias globais de fornecimento.

Segundo Angelo Vicente, CEO da Selia Fullcommerce, os efeitos diretos já são perceptíveis. “O conflito gera uma cadeia de impactos — do preço do combustível até o encarecimento do sortimento. Isso pressiona margens, compromete prazos de entrega e obriga o varejo digital a ser ainda mais estratégico na gestão de fornecedores, estoques e mídia paga”, diz.
Transporte, inflação e retração do consumo
A escalada no preço do petróleo já influencia os custos de transporte no Brasil, onde a logística rodoviária domina. De acordo com Jorge Ferreira dos Santos, professor de Administração na ESPM e especialista em economia internacional, a Petrobras está segurando o repasse, mas em algum momento ela vai ter que repassar os custos para o preço do combustível.
“Um aumento no custo do combustível gera um aumento no custo significativo para toda a economia. Isso acarreta numa redução do consumo”, salienta. Com juros ainda elevados e o consumidor mais sensível, ele cita que o varejo, físico ou digital, tende a sofrer.
“A gente tem uma alta taxa de juros e, ao mesmo tempo, um aumento no custo do combustível. Tudo isso pode afetar diretamente o varejo — e principalmente o e-commerce — em caso de uma redução no consumo da população brasileira”, complementa.
Fretes internacionais e o peso da última milha
As tensões no Oriente Médio também afetam rotas marítimas estratégicas. “Se a gente tiver um aumento nos custos dos fretes globais por conta do conflito internacional, isso também pode afetar as compras dos brasileiros. O aumento no frete global vai acarretar o aumento no frete das compras online, e é capaz de parte da população brasileira parar de fazer compras online”, diz Santos.
Ele lembra ainda que o Brasil já tem um custo logístico elevado. “Nosso custo logístico representa mais de 13% do PIB. Nos Estados Unidos, esse número gira em torno de 8%. Com um encarecimento dos fretes internacionais, esse custo pode se tornar proibitivo para boa parte da população que compra via e-commerce”, comenta.
Outro ponto crítico é o custo da entrega final. Para ele, o Brasil tem um déficit de infraestrutura que faz com que o custo da última milha seja muito caro. Portanto, o professor afirma que uma alta de US$ 10 no preço do petróleo pode encarecer a última milha no Brasil em até 20%”, explica o professor.
Verticais sob pressão
A valorização do dólar, estimulada pela fuga de capitais em tempos de instabilidade, também preocupa. “Há uma migração natural dos investimentos na economia brasileira para ativos mais seguros, como o dólar. Isso tira dólares do Brasil, valoriza a moeda americana e encarece as importações”, diz o especialista.
O efeito se estende ao varejo de luxo e aos produtos importados, como eletrônicos e têxteis. “Essa pressão reduz a margem do varejo”, alerta.
No agronegócio, as consequências também são sentidas: “Se tivermos uma alta do petróleo e do custo do diesel em cerca de 30%, e dos fertilizantes em 25%, isso impactaria até 68% da produção agrícola.”
Impactos digitais
Por fim, Vicente também aponta alertas nos bastidores digitais do varejo. Segundo ele, cenários de tensão global costumam vir acompanhados de ciberataques, instabilidades em nuvens e servidores, além de pressão sobre as big techs para moderar conteúdos.
“Esses fatores impactam, por exemplo, na performance de campanhas e na exposição de marca em plataformas como Meta, Google e X (ex-Twitter)”, explica.
A variação cambial também interfere no custo por clique (CPC) e no custo de aquisição de cliente (CAC), especialmente para campanhas de alcance internacional. Em um ambiente de incerteza, marcas precisam reforçar sua resiliência digital e institucional.
Para Angelo, o momento exige que marcas e varejistas D2C adotem uma postura proativa. “É hora de diversificar fornecedores, monitorar indicadores de risco em tempo real e rever políticas de frete, mídia e comunicação. Em crises como essa, omissão também custa caro”, comenta o executivo.
A tensão no Oriente Médio, ainda que localizada, traz à tona a vulnerabilidade das cadeias globais e das estratégias comerciais em tempos de instabilidade.