A Amazon tem uma presença gigantesca no mercado de livros dos Estados Unidos. A empresa fundada por Jeff Bezos em 1994 concentra 90% das vendas de livros digitais (ebooks e audiobooks) dos 50 estados americanos e cerca de 45% das vendas de livros impressos.
É consenso que a Amazon tem impacto no mercado editorial dos países em que opera. Nos EUA e Reino Unido, a gigante online é colocada como responsável pelo fechamento de pequenas livrarias. No Brasil, a empresa expandiu sua atuação durante uma crise de mercado – decorrente de diversos fatores – que levou grandes redes do varejo de livros a entrarem em processos de recuperação judicial.
Nos Estados Unidos, uma startup se lançou com a proposta deliberada de fazer frente à Amazon no país e estimular as livrarias independentes. É a Bookshop, que começou sua operação – ainda pequena – em janeiro de 2020, colocando-se como uma iniciativa “antidisruptiva”.
“Não queremos revolucionar uma indústria”, disse o CEO Andy Hunter à revista Wired. “É sobre fortalecer uma indústria, é sobre afastar a influência disruptiva da Amazon”, afirmou.
Como fazer isso? Segundo a Bookshop, a única estratégia possível é ir na contramão de todos os fundamentos do empreendedorismo e abrir mão de um grande percentual de sua margem de lucro.
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Como funciona a Bookshop
Para o consumidor final, o serviço da Bookshop é similar ao oferecido pela Amazon. Basta entrar no site, escolher o livro, a forma de pagamento e aguardar a entrega.
A diferença se dá na relação com fornecedores. A startup não trabalha com editoras, mas com pequenas livrarias locais, que se cadastram na plataforma e fazem um serviço de curadoria recomendando livros.
Também há uma mudança na forma como a empresa lida financeiramente com as livrarias. A Bookshop, a cada seis meses, vai dividir 10% dos seus lucros com as lojas que se cadastrarem em seu sistema e indicarem o serviço para seus clientes.
As lojas cadastradas integram um programa de afiliados que paga 25% da margem de lucro de cada venda realizada. Para efeitos comparativos, o programa de afiliados da Amazon repassa cerca de 4% a 8,5% da margem de lucro para seus membros.
Influenciadores digitais e veículos de comunicação também podem fazer parte do programa de afiliados, recomendando curadorias aos seus públicos e recebendo 10% da margem de lucro de cada venda realizada dentro da plataforma.
Ao todo, contando todos os processos envolvidos, a Bookshop vai abrir mão de 60% a 80% da margem de lucro de cada venda. “É por isso que é difícil conseguir investidores para a empresa”, afirmou Hunter na mesma entrevista à Wired.
Não há previsão de ampliar a atuação para outros países, como o Brasil.
Qual o impacto da Amazon no mercado editorial
A Amazon causa debates por onde passa e quando oferece novos serviços aos seus usuários.
A empresa, que hoje tem um valor de mercado de cerca de US$ 1 trilhão e atua em ramos variados como produção audiovisual e computação em nuvem, começou suas operações com a venda de livros.
A ideia do que viria a ser a Amazon partiu de Bezos, que queria vender livros usando a internet. O nome da empresa foi inspirado pelo rio Amazonas, no Brasil. O executivo, à época um programador, queria criar “a maior loja de livros do mundo” e, por isso, escolheu o nome do maior rio do mundo.
Além de ter o próprio estoque de produtos, a Amazon também permite que vendedores externos criem lojas dentro da plataforma e vendam seus produtos, pagando uma taxa para empresa e ganhando uma comissão por isso.
Desde o início de sua operação, a companhia oferece aos clientes preços abaixo daqueles que são oferecidos nos mais diversos ramos do varejo. Por isso, costuma ser acusada de dumping, prática que configura oferecer descontos para ganhar uma grande vantagem sobre a concorrência.
Por causa disso, países como a França criaram regulamentações para que a gigante do varejo online possa operar. Lá, o limite máximo de desconto que pode ser oferecido em livros é de 5% e, caso ele seja praticado, a empresa não pode oferecer a opção de frete grátis.
“A França é um país que tem uma tradição de protecionismo em seus mercados”, afirmou ao Nexo Guilherme Kroll, um dos sócios da Balão Editorial e professor de produção editorial na escola online LabPub.
Kroll vê a Amazon como uma ferramenta de facilitação do acesso à leitura. “O Brasil tinha uma malha de livrarias muito pequena”, disse. “Hoje qualquer pessoa pode entrar na Amazon e receber qualquer livro que quiser. Pode até pagar um frete um pouco caro, mas vai receber”, acrescentou.
O editor vê também a Amazon como uma ferramenta que dá acesso a um catálogo infinito. “Se você for numa loja da Livraria Cultura, vai ter muitos livros disponíveis. Uma pessoa ao entrar na Amazon, vai ter acesso a todos os livros do mundo todo, tirando os independentes”, afirmou.
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É possível bater de frente com a Amazon?
Mariana Rolier, publisher e editora da Storytel, plataforma de streaming de audiobooks, avalia que, apesar do discurso do CEO da Bookshop, não se trata de um confronto direto com a Amazon.
“São dois públicos diferentes, um não tem impacto no outro”, disse ao Nexo. Segundo ela, a Bookshop vai contar com um público de leitores assíduos, que buscam a curadoria e querem indicações de novas leituras, enquanto a Amazon seguirá com uma base de clientes que leva em consideração apenas o preço dos produtos.
A tendência se confirma por meio dos números. Entre 2014 e 2019, aumentou em 7,5% o número de livrarias independentes nos EUA, que se posicionam não somente enquanto lojas, mas como polos culturais – que oferecem indicações aos clientes e promovem eventos para movimentar a agenda das cidades nas quais estão presentes.
“Eles vão oferecer algo que a Amazon não tem”, avaliou Kroll, que vê nas indicações feitas por algoritmo um dos piores impactos de um ambiente de varejo 100% virtual.
A Amazon – e outras plataformas digitais em diferentes tipos de mercado – oferecem sugestões aos usuários com base em algoritmos que identificam tendências de busca e apontam produtos similares.
“Mas se o usuário seguir apenas o que o algoritmo indica, dificilmente vai descobrir alguma coisa nova”, afirmou Kroll. “O livreiro é uma figura humana, ele vai conhecer o público e fazer uma seleção de coisas que podem ser legais e interessantes”, concluiu.