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O varejo está inovando o suficiente?

Por: Júlia Terra

Associate Innovation Consultant da Liga Ventures. Graduada em Administração de Empresas pela USP-RP e com MBA em Gestão, Empreendedorismo e Desenvolvimento de Novos Negócios pela PUC-RS. Iniciou seu contato com o ecossistema de inovação ainda na faculdade, onde atuou em startups early stage e também na Supera incubadora, apoiando o desenvolvimento de startups de diversos segmentos. A partir daí se envolveu com a área de inovação e novos negócios de grandes empresas da região, como o Grupo São Francisco de saúde e o Grupo Bild & Vitta da construção civil.

Em termos macroeconômicos, após dois anos de pandemia e eventos consecutivos como guerra, crises de energia, problemas na cadeia de suprimentos global e elevada inflação, o cenário do varejo passou de uma trajetória de crescimento para um ritmo de desaceleração. No Brasil, soma-se a essa conjuntura a elevada taxa de juros que deteriora o poder de compra dos consumidores e compromete o acesso ao crédito, o que se reflete em queda nas vendas dos varejistas, principalmente naqueles setores em que os bens não são considerados essenciais, como o de eletrodomésticos.

O quadro atual do varejo é de um ambiente bastante volátil e incerto para os próximos meses e, para se manter competitivo, o setor precisa investir em tecnologias que tocam em toda sua cadeia.

O quadro atual é de um ambiente bastante volátil e incerto para os próximos meses e, para se manter competitivo, o varejo precisa investir em tecnologias que tocam em toda sua cadeia. Nesse sentido, após tantos eventos de influência externa em um curto período e com proporções avassaladoras, é indiscutível que o cenário seja de disrupção, uma vez que tais acontecimentos impactaram fortemente o comportamento do consumidor – o principal eixo que move esse setor.

Soluções tecnológicas

Nesse cenário, em termos de soluções e tecnologias, pudemos observar nos últimos anos uma procura mais acentuada por soluções voltadas para a criação e a integração de e-commerces e plataformas marketplaces, e soluções que promovessem a omnicanalidade entre os canais físicos e digitais, de maneira a unificar a jornada do consumidor e promover uma experiência de compra “figital”. Nessa linha, vale ressaltar o crescimento do live commerce, chat commerce, social commerce, realidade virtual e aumentada e metaverso.

Outras demandas comuns nesse novo momento vivido pelo varejo se voltam para soluções de análise de dados e inteligência artificial orientadas a conhecer profundamente os consumidores e personalizar ofertas, soluções frictionless de atendimento e pagamento, e soluções voltadas para a cadeia de supply chain, como gestão de estoque, rastreabilidade de produtos, roteirização e monitoramento de pedidos e delivery last-mile.

Tendências do varejo

Quando olhamos para as tendências do varejo, de acordo com o Relatório de Tendências Globais de Consumo 2023 da Euromonitor, 55% dos varejistas planejam investir em inteligência artificial neste ano, 42% em realidade aumentada ou virtual e 38% em robótica e automação. Dada a relevância que a pauta sustentável tem tomado nas decisões de compra dos consumidores, esse mesmo relatório aponta que 45% dos varejistas planejam investir em iniciativas sustentáveis nos próximos cinco anos.

A lista das startups mais promissoras no Retail Tech 100 da CB Insights corrobora para essa visão: vemos um volume mais expressivo de startups olhando para a experiência do consumidor, no sentido de oferecer assistência virtual personalizada, criar experiências de compra mais envolventes e novas formas de se relacionar e fidelizar clientes. Também se destacam startups focadas em promover eficiência nas operações entre canais, startups dedicadas à gestão inteligente de plataformas de supply chain e delivery, e startups que atuem com soluções sustentáveis para a cadeia do setor.

Em janeiro, aconteceu a NRF 2023, principal convenção de varejo do mundo, que reúne varejistas, fornecedores e especialistas para discutir perspectivas, tendências e inovações no setor. Como conclusões do evento, vemos o reforço das estratégias omnichannel e a urgência em se criar experiências imersivas, fluidas e sem fricção que atendam o cliente onde ele estiver. O comércio híbrido é uma realidade que veio para ficar, e o novo consumidor quer uma jornada de compra multicanal que garanta a comodidade do virtual, mas que também o aproxime da experiência na loja física. Essa fluidez entre canais e plataformas também traz à tona a preocupação com a segurança e a veracidade dessas transações.

Indo além da omnicanalidade, os varejistas vão precisar usar a tecnologia como aliada na construção de relações autênticas com seus públicos. Na economia da dopamina, promover emoções será essencial para conquistar o cliente e, por isso, a cultura data-driven no varejo é tão imperativa. A necessidade de integrar, automatizar e trazer inteligência para as operações do segmento também ganha mais força como forma de os varejistas alcançarem mais agilidade e reduzirem custos. Em tempos de mundo híbrido, fatores como disponibilidade de itens e tempo de entrega se tornaram críticos para evitar que o cliente faça comparações entre concorrentes e canais e mude a decisão de compra.

Por fim, em um estado de crise permanente em que o mundo vive, o setor será cada vez mais pressionado a incorporar práticas ESG. Os consumidores têm buscado se relacionar com marcas que zelam pelo meio ambiente, que se associam a causas sociais e adotam posturas políticas.

Nesse sentido, as retailtechs, startups que desenvolvem soluções tecnológicas específicas para o varejo, são uma das grandes responsáveis pela transformação digital desse segmento e pelas ondas de disrupção que têm revolucionado as relações entre marcas e consumidores, moldando a forma como nos alimentamos, nos vestimos e consumimos serviços e produtos.

Desafios

Entretanto, existem alguns desafios que o setor precisa enfrentar para voltar a crescer como antes, e boa parte deles está atrelada à agenda de inovação: o varejo é demasiadamente influenciado pelo comportamento do consumidor, que tem mudado de maneira rápida e constante nos últimos anos. Por isso, as empresas enfrentam dificuldade para se adaptar e responder a esses movimentos na mesma velocidade com que acontecem. Outro ponto é que a evolução tecnológica também tem avançado de forma vertiginosa – um exemplo é a inteligência artificial -, e o conhecimento, o aprendizado e a aplicação de tais tecnologias também ocorrem em tempos dessincronizados.

Somado a isso, o segmento é composto por um ambiente extremamente complexo, com inúmeros canais e plataformas operando simultaneamente, que geram muitos dados relevantes, porém que geralmente não conversam entre si. Assim, a falta de integração entre as pontas e a coleta desordenada de dados prejudicam a geração de inteligência para o negócio. E, paralelo aos desafios internos de adaptação e gestão dos varejistas, a concorrência nesse setor vai além da competição tradicional, a qual costuma acontecer dentro de uma mesma categoria, para uma competição em arenas.

Vale lembrar que a realidade do varejo brasileiro é marcada por um mercado grande e diversificado, com regionalismos e complexidades continentais, condições que desafiam uma liderança global no segmento. Portanto, ainda há espaço para crescimento e destaque, oportunidades que encontram terra fértil na cultura empreendedora do Brasil e em um mercado consumidor early adopter de novas tecnologias e inovações.