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Logística reversa no pós-Black Friday: o colapso silencioso que ameaça margens e sustentabilidade do e-commerce

Por: Ewerton Caburon

CEO da EmiteAí!

Graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp, possui MBA em Gestão de Negócios pelo Insper. Desde 2021, é CEO da Emiteaí, uma startup de logística responsável por facilitar a emissão de documentos e promover o gerenciamento de transportes eficientes. Atualmente, atende os principais marketplaces do mercado. Já atuou como Diretor Executivo de Operações na BBM Logística, liderando projetos de otimização com IoT e Machine Learning. Também exerceu cargos de liderança na Raízen e Ambev, sempre focado em eficiência operacional e gestão de grandes equipes.

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O varejo digital brasileiro vive um paradoxo perigoso: vende-se mais do que nunca, mas devolve-se ainda mais. A cada ciclo de Black Friday, o país assiste a uma realidade pouco discutida – a devolução se tornou o novo colapso silencioso do e-commerce, drenando margens, travando estoques e pressionando a sustentabilidade operacional.

Trabalhadores de uniforme e capacete organizam caixas de papelão em um armazém, passando os itens de mão em mão sobre prateleiras industriais.
Imagem: Envato.

A verdade é que nenhuma operação tradicional foi desenhada para lidar com o fluxo reverso em escala. E, em 2025, esse gargalo deixou de ser um problema de pós-venda: tornou-se um dos maiores fatores de risco financeiro do varejo digital.

Os números do mercado mostram a gravidade do cenário: em categorias como moda, acessórios, calçados e eletrônicos, as devoluções podem atingir 30% no pós-Black Friday. Em marketplaces sociais como TikTok Shop, esse percentual pode ser ainda maior, porque a compra é impulsiva, emocional e realizada com pouca informação.

Isso significa que, enquanto a operação comemora picos de faturamento, um volume equivalente – ou superior – inicia um caminho reverso que poucos times conseguem ver em tempo real.

Por que a logística reversa se tornou invisível

E o maior problema é justamente esse: a reversa é invisível.

Na entrega, tudo é previsível, linear e rastreável. Na devolução, o caos toma conta:

– O produto pode retornar em condições diferentes das esperadas.
– Pode passar por transportadoras diferentes.
– Pode se perder no trajeto.
– Pode ficar parado em hubs sem integração.
– Pode voltar ao estoque sem nota correta.

E cada um desses pontos tem custo – financeiro, fiscal, logístico e de imagem. A logística reversa é, por natureza, antieficiente. Ao contrário da entrega, ela depende de múltiplas operações que raramente conversam entre si:

– Identificação do pedido.
– Autorização de devolução.
– Coleta no endereço ou ponto de entrega.
– Triagem técnica.
– Inspeção fiscal.
– Emissão de documentos de retorno.
– Reaproveitamento, descarte ou recondicionamento.
– Reinserção no catálogo.
– Retorno ao estoque físico.

Em operações pouco integradas, um atraso em qualquer etapa derruba toda a cadeia. E o impacto é direto no caixa:

Produtos perdem valor diariamente parados na reversa.
– Erros fiscais geram multas e retrabalho.
– Inconsistências de estoque criam rupturas no e-commerce.
– Custo logístico explode com coletas individuais e não consolidadas.

O resultado é um prejuízo silencioso que, somado ao longo do ano, corrói margens até de operações aparentemente saudáveis.

Os meses críticos e o colapso operacional

Novembro e dezembro são meses críticos. As empresas se organizam para vender mais, mas não para receber de volta. Sem automação e sem políticas claras de triagem, as equipes entram em colapso:

– Pedidos retornam sem classificação.
– Produtos vendáveis viram descarte.
– Itens de alto giro ficam semanas fora do estoque.
– As plataformas registram inconsistências que derrubam reputação.
– Transportadoras ficam sobrecarregadas com retornos fragmentados.

Ou seja: enquanto a operação comemora o pico de vendas, a reversa está produzindo um prejuízo que só será computado em janeiro. A reversa não é resolvida com mais caminhões ou mais pessoas. Ela é resolvida com inteligência de processo.

O mercado que desponta para 2026 está adotando três pilares:

1. Triagem antecipada digital (pré-coleta)

Entender o estado do produto antes de movimentá-lo. Isso permite classificar em:

– reaproveitável.
– reembalável.
– renovável.
– descarte.

A decisão correta reduz custos logísticos imediatamente.

2. Integração fiscal e operacional ponta a ponta

A devolução é, antes de tudo, um evento fiscal. Erros de NFe, cartas de correção, notas de entrada e devolução podem representar semanas de retrabalho.

Automatizar essa cadeia:

– reduz irregularidades.
– acelera reintegração ao estoque.
– evita perdas tributárias.

3. Descentralização dos pontos de coleta

A reversa fica mais barata quando fica mais curta. Lockers, hubs urbanos, redes de lojas parceiras e drop-off points reduzem:

– custo por km rodado.
– tempo de retorno.
– emissões.
– ociosidade das transportadoras.

    A maior parte do prejuízo da reversa está na distância, não no produto. A logística reversa não é mais uma etapa periférica. Ela é determinante para:

    – Margem.
    – Recompra.
    – Sustentabilidade.
    Gestão de estoque.
    – Experiência do consumidor.
    – Imagem da marca.
    – Previsibilidade fiscal.

    Empresas que dominam a reversa ganham eficiência total. Empresas que ignoram essa etapa convivem com margens cada vez menores, mesmo vendendo mais. O conflito entre “vender barato” e “devolver caro” se tornou a equação que precisa ser resolvida urgentemente. E 2026 será o ano em que essa conta ficará explícita no balanço das varejistas.

    A nova métrica de sustentabilidade no e-commerce

    O varejo que sobreviverá ao novo ciclo é o que enxergar logística reversa como vantagem competitiva, não como uma obrigação. Quem automatiza, integra e descentraliza transforma o maior passivo do e-commerce no maior acelerador de margem.

    No fim, a pergunta não é mais “quanto vou vender na Black Friday?”. A pergunta que define lucro é: “Quão rápido e barato consigo trazer de volta o que meu cliente devolver?”.

    Essa é a métrica real da sustentabilidade do e-commerce moderno.