O varejo digital brasileiro vive um paradoxo perigoso: vende-se mais do que nunca, mas devolve-se ainda mais. A cada ciclo de Black Friday, o país assiste a uma realidade pouco discutida – a devolução se tornou o novo colapso silencioso do e-commerce, drenando margens, travando estoques e pressionando a sustentabilidade operacional.

A verdade é que nenhuma operação tradicional foi desenhada para lidar com o fluxo reverso em escala. E, em 2025, esse gargalo deixou de ser um problema de pós-venda: tornou-se um dos maiores fatores de risco financeiro do varejo digital.
Os números do mercado mostram a gravidade do cenário: em categorias como moda, acessórios, calçados e eletrônicos, as devoluções podem atingir 30% no pós-Black Friday. Em marketplaces sociais como TikTok Shop, esse percentual pode ser ainda maior, porque a compra é impulsiva, emocional e realizada com pouca informação.
Isso significa que, enquanto a operação comemora picos de faturamento, um volume equivalente – ou superior – inicia um caminho reverso que poucos times conseguem ver em tempo real.
Por que a logística reversa se tornou invisível
E o maior problema é justamente esse: a reversa é invisível.
Na entrega, tudo é previsível, linear e rastreável. Na devolução, o caos toma conta:
– O produto pode retornar em condições diferentes das esperadas.
– Pode passar por transportadoras diferentes.
– Pode se perder no trajeto.
– Pode ficar parado em hubs sem integração.
– Pode voltar ao estoque sem nota correta.
E cada um desses pontos tem custo – financeiro, fiscal, logístico e de imagem. A logística reversa é, por natureza, antieficiente. Ao contrário da entrega, ela depende de múltiplas operações que raramente conversam entre si:
– Identificação do pedido.
– Autorização de devolução.
– Coleta no endereço ou ponto de entrega.
– Triagem técnica.
– Inspeção fiscal.
– Emissão de documentos de retorno.
– Reaproveitamento, descarte ou recondicionamento.
– Reinserção no catálogo.
– Retorno ao estoque físico.
Em operações pouco integradas, um atraso em qualquer etapa derruba toda a cadeia. E o impacto é direto no caixa:
– Produtos perdem valor diariamente parados na reversa.
– Erros fiscais geram multas e retrabalho.
– Inconsistências de estoque criam rupturas no e-commerce.
– Custo logístico explode com coletas individuais e não consolidadas.
O resultado é um prejuízo silencioso que, somado ao longo do ano, corrói margens até de operações aparentemente saudáveis.
Os meses críticos e o colapso operacional
Novembro e dezembro são meses críticos. As empresas se organizam para vender mais, mas não para receber de volta. Sem automação e sem políticas claras de triagem, as equipes entram em colapso:
– Pedidos retornam sem classificação.
– Produtos vendáveis viram descarte.
– Itens de alto giro ficam semanas fora do estoque.
– As plataformas registram inconsistências que derrubam reputação.
– Transportadoras ficam sobrecarregadas com retornos fragmentados.
Ou seja: enquanto a operação comemora o pico de vendas, a reversa está produzindo um prejuízo que só será computado em janeiro. A reversa não é resolvida com mais caminhões ou mais pessoas. Ela é resolvida com inteligência de processo.
O mercado que desponta para 2026 está adotando três pilares:
1. Triagem antecipada digital (pré-coleta)
Entender o estado do produto antes de movimentá-lo. Isso permite classificar em:
– reaproveitável.
– reembalável.
– renovável.
– descarte.
A decisão correta reduz custos logísticos imediatamente.
2. Integração fiscal e operacional ponta a ponta
A devolução é, antes de tudo, um evento fiscal. Erros de NFe, cartas de correção, notas de entrada e devolução podem representar semanas de retrabalho.
Automatizar essa cadeia:
– reduz irregularidades.
– acelera reintegração ao estoque.
– evita perdas tributárias.
3. Descentralização dos pontos de coleta
A reversa fica mais barata quando fica mais curta. Lockers, hubs urbanos, redes de lojas parceiras e drop-off points reduzem:
– custo por km rodado.
– tempo de retorno.
– emissões.
– ociosidade das transportadoras.
A maior parte do prejuízo da reversa está na distância, não no produto. A logística reversa não é mais uma etapa periférica. Ela é determinante para:
– Margem.
– Recompra.
– Sustentabilidade.
– Gestão de estoque.
– Experiência do consumidor.
– Imagem da marca.
– Previsibilidade fiscal.
Empresas que dominam a reversa ganham eficiência total. Empresas que ignoram essa etapa convivem com margens cada vez menores, mesmo vendendo mais. O conflito entre “vender barato” e “devolver caro” se tornou a equação que precisa ser resolvida urgentemente. E 2026 será o ano em que essa conta ficará explícita no balanço das varejistas.
A nova métrica de sustentabilidade no e-commerce
O varejo que sobreviverá ao novo ciclo é o que enxergar logística reversa como vantagem competitiva, não como uma obrigação. Quem automatiza, integra e descentraliza transforma o maior passivo do e-commerce no maior acelerador de margem.
No fim, a pergunta não é mais “quanto vou vender na Black Friday?”. A pergunta que define lucro é: “Quão rápido e barato consigo trazer de volta o que meu cliente devolver?”.
Essa é a métrica real da sustentabilidade do e-commerce moderno.