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Do balcão à inteligência artificial: o que mudou no perfil do lojista brasileiro?

Por: Guillermo Arslanian

Co-CEO da BackChannel

Formado em Engenharia Industrial pelo ITBA (Instituto Tecnológico de Buenos Aires), na Argentina, tem trajetória marcada por atuações em e-commerce, tecnologia, sustentabilidade e startups de impacto. É cofundador da Trocafone, marketplace líder na compra e venda de eletrônicos seminovos no Brasil e da BackChannel, startup dedicada a transformar a comercialização de estoques na América Latina, conectando grandes marcas a compradores.

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A figura do lojista brasileiro mudou. Muito além do balcão e da loja física, o novo varejista atua hoje como elo estratégico entre indústria, plataformas digitais e o consumidor final. Isso porque o comportamento de compra no Brasil no segmento B2B passou a exigir habilidades e estruturas diferentes, que vão da precificação baseada em dados à logística ágil, passando por canais integrados e atenção às práticas ESG, o que os posiciona como protagonistas mais ágeis e conectados ao comércio nacional.

As vendas de comércio eletrônico B2B em todo o mundo têm aumentado ano após ano na última década. De acordo com a Administração de Comércio Internacional dos EUA (International Trade Administration-ITA), o mercado global de comércio eletrônico B2B deverá alcançar a marca de US$ 36 trilhões até 2026. A digitalização é o primeiro e, talvez, o mais profundo vetor dessa transformação, impulsionando vendas no comércio online.

É sabido que cada vez mais empresas têm adotado plataformas para eliminar falhas nas operações e tornar o processo de compra e venda mais eficiente. Nesses ambientes digitais, vendedores conhecem compradores ideais, alinhados aos objetivos do negócio. Eles também têm acesso facilitado a produtos de alta qualidade, com logística integrada e serviços complementares ao longo de todo o processo de compra.

A pesquisa Future of Sales, da Gartner, mostra que, até 2025, 80% das interações de vendas B2B entre fornecedores e compradores ocorrerão em canais digitais. Isso acontece porque 33% de todos os compradores preferem uma experiência de compra sem a presença de um vendedor – preferência que sobe para 44% entre os millennials.

A importância da presença omnicanal no B2B

Assim como no B2C, compradores B2B pesquisam em múltiplos canais antes de tomar sua decisão: redes sociais, webinars, sites de fornecedores e marketplaces. Essa jornada híbrida exige que o lojista esteja presente, com consistência, em todos os pontos de contato possíveis. Mas, mais do que vender em diferentes canais, o varejista moderno precisa integrá-los. A “multicanalidade” se tornou uma exigência, não mais um diferencial. Integração logística, crédito embutido e inteligência preditiva devem fazer parte desse novo pacote de serviços.

Nesse ambiente, o uso de inteligência artificial está se tornando padrão. De acordo com o portal E-Commerce Brasil, mais de 60% das vendas B2B são influenciadas digitalmente, e 90% dos líderes afirmam ter experimentado soluções de IA em suas operações. As aplicações vão da recomendação de produtos à precificação dinâmica, passando pela previsão de demanda e otimização de estoques. Paralelamente, o modelo antes exclusivo dos bancos de embedded finance (crédito, seguros e meios de pagamento integrados a plataformas de venda) agora é oferecido em marketplaces, marcando um avanço significativo na digitalização das compras e vendas no atacado.

Esse avanço não é mais apenas uma promessa e já está transformando a realidade do setor. Hoje, compradores e lojistas podem negociar, tirar dúvidas e concluir pedidos em tempo real, por meio de uma IA treinada com milhares de interações do setor. Recomendar produtos, gerar orçamentos automáticos, explicar políticas comerciais, verificar disponibilidade e até sugerir condições personalizadas com base no perfil do cliente são tarefas realizadas atualmente por sistemas inteligentes, acelerando a tomada de decisão e elevando a experiência de compra B2B a um novo patamar.

Outro dado relevante está no tempo e na complexidade do ciclo de compras. Transações B2B, que envolvem mais etapas e múltiplos stakeholders, levam em média 84 dias da prospecção até a compra, com um acréscimo médio de 18 dias no processo nos últimos dois anos. Apesar disso, a grande maioria dos compradores preferem comprar online, mesmo em mercados tradicionalmente presenciais. Essa contradição entre desejo de agilidade e realidade burocrática leva muitos lojistas a migrarem para soluções mais automatizadas e acessíveis, com menor atrito na jornada.

O fator ESG também entrou definitivamente no radar do varejo intermediário. Ou pelo menos, deveria. No B2C, vemos os consumidores exigirem que as empresas das quais compram ajam de forma responsável e com foco no futuro de longo prazo do nosso planeta. Mas será que o mesmo vale para os compradores B2B?

O ESG também vale para o B2B?

De acordo com o relatório The B2B Future Shopper Report 2023-24, elaborado pela VML e Wunderman Thompson, a sustentabilidade é percebida como ainda mais relevante no B2B do que no varejo direto ao consumidor. Enquanto 61% dos consumidores afirmam estar mais propensos a comprar de varejistas com propósito, 69% dos compradores B2B dizem preferir fornecedores que tenham um propósito que vá além da simples venda de produtos e serviços. Trata-se de uma tendência clara: propósito e responsabilidade ambiental já se tornaram critérios de decisão nas relações comerciais entre empresas.

Qual o perfil do novo lojista?

Frente a isso, o perfil do novo lojista é cada vez mais evidente. Ele é digital, atua simultaneamente em site, aplicativo, redes sociais e marketplaces. É omnicanal por definição, conectando a loja física a múltiplos canais digitais com fluidez. Baseia suas decisões em dados, com o apoio de inteligência artificial, análise preditiva e soluções financeiras integradas. Busca encurtar o ciclo de compras com processos automatizados e plataformas de autoatendimento. E, acima de tudo, compreende que sustentabilidade, transparência e reputação corporativa são partes centrais da sua estratégia de crescimento.

De acordo com o artigo da McKinsey, essa complexidade é real: compradores B2B usam, em média, até 20 canais, digitais e tradicionais, para pesquisar produtos e comparar preços. Além disso, 59% preferem canais de autoatendimento nas fases iniciais da jornada, enquanto 60% optam pelo contato direto com representantes comerciais no momento de fechar o negócio. Dominar essa multiplicidade de interações é hoje condição essencial para competir no médio e longo prazo.

Oportunidades e gargalos da transformação

Esse novo perfil de lojista conta conta com uma série de oportunidades, mas também desafios. A integração entre sistemas antigos e plataformas modernas, a formação de equipes preparadas para usar ferramentas digitais e interpretar dados, questões logísticas, especialmente no que diz respeito à logística reversa, que demandam investimentos consistentes e redes de apoio robustas. E, no campo do ESG, a comunicação precisa deixar o discurso genérico e ganhar profundidade, clareza e autenticidade.

Em um país como o Brasil, onde o comércio impulsiona a economia e o pequeno varejo alcança os rincões mais distantes, compreender e fortalecer esse novo perfil de lojista é, na prática, entender para onde caminha o futuro do consumo, das parcerias e do crescimento sustentável.