O e-commerce é a “economia movida a dados” original. Transações eletrônicas são uma simples troca de informações – bits e bytes que representam os dados financeiros do consumidor e a movimentação de dinheiro entre contas – por um (ou mais) produtos. Mas não é só nessa camada que os dados são importantes. A riqueza de informações que é possível se obter através das interações digitais é enorme. E as maiores empresas de comércio eletrônico do mundo, hoje, são as que aprenderam a manipular e monetizar esses dados melhor do que qualquer concorrente.
A Amazon, que hoje é uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, é um excelente exemplo. Em seus primórdios, quando era apenas um e-commerce de livros, ela ganhou espaço no mercado trabalhando os dados dos clientes de maneira mais inteligente e mais eficiente do que os concorrentes. Analisando os dados de compra e de navegação dos clientes no site, foi uma das pioneiras na utilização de algoritmos de recomendação (“quem comprou esse produto também comprou…”) para direcionar a atenção dos consumidores e aumentar as vendas. Foi pioneira também na oferta da “compra com um clique”, uma aplicação simples de dados que reduz a fricção e aumenta as vendas. Nessas, e em dezenas de outras áreas, a Amazon aplicou sua capacidade de tratamento e análise de dados para chegar na posição dominante de mercado que tem hoje.
Outro exemplo interessante é o Alibaba, o maior site de e-commerce da China – e um dos maiores do mundo. De suas origens como um marketplace focado na conexão entre fabricantes de produtos e lojas, a empresa expandiu para atuar nas mais diversas áreas, do e-commerce para clientes finais até serviços financeiros e aplicativos móveis. Tudo isso alavancado por dados, que permitem à empresa antecipar tendências de consumo, oferecer crédito com condições diferenciadas e, muitas vezes, saber mais sobre as pessoas do que sabem sobre elas mesmas. Não à toa que as ações dela foram uma das mais afetadas pela recém-lançada legislação de proteção de dados chinesa.
Os dados mais óbvios que todo e-commerce – ou ao menos todo e-commerce que opera seu próprio site – possui são os dados dos clientes. Quem eles são, o que eles compram, como interagem com o conteúdo sendo exibido, como navegam entre produtos. Tudo isso são informações que podem ser utilizadas de uma forma muito direta: ofertas promocionais, sugestões de produtos que o cliente ainda não viu e tem propensão a comprar, análise do comportamento para descobrir se existem chances de a compra ser ou não uma fraude. Todas essas ações são exemplos de monetização dos dados, ou seja, de como um e-commerce pode gerar novas receitas (ou reduzir custos) a partir de dados que já são coletados em seu dia a dia.
Esses dados de clientes, no entanto, são apenas a ponta do iceberg. Uma loja digital permite a realização de testes – mudanças de preços, descrições, fotos, posicionamento etc. – com os produtos e com a forma como o cliente interage com eles, que são impossíveis no varejo convencional. E todos esses testes geram novas informações.
Experimentando com o preço, por exemplo, é possível identificar como o valor de um produto afeta as vendas. Com isso, um varejista pode aumentar os preços para melhorar suas margens, ou reduzi-los para maximizar o volume de vendas. Alterações nas descrições e fotos dos produtos podem indicar quais são os atributos mais relevantes para uma compra. E, mesmo as avaliações que os clientes deixam sobre os produtos comprados, por mais simples que sejam, permitem um estudo mercadológico sobre o que funciona ou não em determinadas categorias de produtos. Todas essas informações podem ser monetizadas, seja diretamente pela loja ou através do compartilhamento com terceiros.
O compartilhamento é um elemento fundamental da monetização dos dados, mas acaba sendo deixado de lado ou feito da maneira errada por desconhecimento ou por pressão externa. Vamos pegar, por exemplo, os marketplaces. Eles oferecem uma grande vantagem para as lojas, de aproveitar uma marca mais conhecida para ter acesso a uma base maior de potenciais clientes, diminuindo a necessidade de investir em anúncios e mídia. Geralmente, oferecem também outras facilidades, como meios de pagamento integrados e outros sistemas.
Em troca de tudo isso, recebem uma comissão nas vendas dos lojistas. Até aí, tudo bem. Só que os marketplaces também pegam os dados dos clientes que estão realizando as compras, e não compartilham com os lojistas. Para quem está em um marketplace, a monetização dos dados fica praticamente impossível, porque essa loja não detém mais nenhum dado do cliente final além do endereço onde o pedido deve ser entregue. O lojista paga pelos serviços duas vezes: com a comissão e com os dados.
O mesmo desequilíbrio ocorre no relacionamento com outros prestadores de serviço para o e-commerce. Empresas de prevenção à fraude têm uma atuação importante no mercado reduzindo os riscos de quem está vendendo. Mas, além de cobrarem pelo serviço prestado, coletam dados dos clientes que depois são usados para vender outros produtos no mercado. Algo similar ocorre com empresas que oferecem serviços de recomendação. As recomendações de produtos ajudam os varejistas a vender mais. Mas, além de pagar pela tecnologia, eles pagam também com a entrega de dados de comportamento dos clientes, que são utilizados para melhorar as recomendações de outras empresas. Novamente, não há nada de errado com um modelo de negócios que envolva o compartilhamento de informações, mas é importante que os dois lados entendam o valor do que está sendo compartilhado.
Este é um ponto fundamental: para sobreviver no futuro, todo e-commerce será obrigado a entender o valor que seus dados possuem e monetizar esses dados. Ou seja, transformar esse valor em receitas tangíveis. Parte dessa transformação é direta. Quem souber analisar os dados pode extrair deles insights que melhoram as operações, aumentando as receitas e reduzindo os custos. A outra parte, talvez até mais importante, é indireta. Reduzir os custos operacionais “pagando” por uma maior parte do serviço com os seus dados, ou mesmo trocando dados com outras empresas. Dados podem até mesmo ser licenciados e vendidos para terceiros (para a indústria, por exemplo) que podem explorar melhor o valor da informação. Os dados são um ativo tão importante quanto o estoque e o caixa, e os varejistas devem ter consciência desse valor para extrair o máximo possível deles.