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Do primeiro desenho humano à arte digital: Blombô, um marketplace de obras de arte

Por: Amanda Lucio

Jornalista e Repórter do E-Commerce Brasil

Há cerca de cem mil anos, caçadores da Idade da Pedra fizeram o que seria o primeiro desenho humano na caverna Blombos, localizada a 300 km a leste da Cidade do Cabo, na África do Sul. O famoso desenho foi descoberto em 2018, no mesmo período em que a empresária Lizandra Alvim pousava no Brasil, planejando novas formas de vender obras de arte no país. A tecnologia inovadora usada pelos Homo sapiens serviu como inspiração para ela batizar o primeiro marketplace de arte no Brasil: Blombô, lançado em 2017, simbolizando uma conexão entre o passado e a inovação.

Foto do espaço físico do marketplace de obras de arte Blombô
Espaço expositivo da Blombô que abriga obras de arte para venda (Imagem: Antônio Vitor Maia/My360)

Com experiência no mercado internacional, especificamente na casa de leilões norte-americana Christie’s, trabalhou em São Paulo, Nova York e Londres desde 1997, Lizandra Alvim, fundadora e CEO da Blombô, surfou no movimento do que estava acontecendo lá fora ao acompanhar a construção do mercado digital de arte. E pensou “por que não começar engatinhando nesse sentido?”.’

“No Brasil, ainda não existia nenhum site parecido e ninguém fazia nada similar, então resolvemos começar do zero”, comenta. Para estruturar o marketplace, ela começou com duas pessoas em uma salinha em São Paulo e um pequeno time remoto de tecnologia. Lizandra relembra que o lançamento em 2017 foi acompanhado por grandes desafios. Naquele momento, vender obras de arte pela internet parecia uma insanidade. Ela afirma que ouviu comentários do tipo: “quem vai comprar arte sem ver, sem o acesso físico?”. Mas compraram.

Rocha com desenho humano encontrado na caverna Blombos (Imagem: Chris Henshilwood/Reprodução)

A proposta deu certo quando com a decisão de criar uma casa com solidez e credibilidade. Os 10 anos vividos por Lizandra na Christie’s foram fundamentais para chancelar o espaço. A partir disso, os clientes se sentiriam confiantes para adquirir obras que teriam passado por uma curadoria especializada, como um atestado de autenticidade.

Os dados da décima edição do relatório de comércio de arte online da Hiscox, lançado em 2023, não deixam mentir. Comparado a 2012, o mercado de compra e venda de arte digital cresceu cinco vezes mais, sendo considerado, atualmente, uma parte do mercado de arte convencional, com casas de leilão e galerias comercializando e vendendo peças pela internet rotineiramente.

Por isso, nem só do marketplace vive a Blombô. A experiência de Lizandra em casas de leilão no mercado internacional também foi um aceno para trazer a experiência ao Brasil. “As pessoas faziam leilões de arte duas, três vezes por ano. Quando montamos uma agenda mensal de leilões, fomos bombardeados por todos os lados”, relatou.

A dúvida sobre a captação para leilões mensais foi substituída pela alta demanda de pessoas interessadas em vender obras de arte e artigos de luxo, mas que ainda não sabiam como fazê-lo. Com a agenda mensal de leilões, os calendários foram rapidamente preenchidos, e logo a Blombô passou a organizar mais de um leilão por mês, chegando a três ou até mesmo quatro. O crescimento vertiginoso levou à expansão para outros segmentos, como os leilões de bolsas, vinhos e beneficentes.

Print da página de produtos do marketplace de obras de arte Blombô
Página de obras de arte do marketplace (Imagem: E-Commerce Brasil)

Entre o marketplace e o pregão

Na plataforma, são vendidos tanto itens de acervos particulares quanto de galerias. Os vendedores que chegam organicamente, passam por uma curadoria da equipe para garantir se eles estão sintonizados com a proposta da plataforma. Se estiver tudo certo, o cadastro é liberado. Então, o vendedor pode fazer o registro e colocar as obras à venda. No marketplace, eles têm acesso a um painel, também monitorado pela equipe. Nele, é possível alterar informações da obra e mudar o preço.

Já no leilão, o processo de venda é diferente: feito em site apropriado, além de ser pontual. Nessas operações, existe a captação para uma data específica e uma seleção do que será leiloado. Os pregões acontecem ao vivo e online, com uma quantidade determinada de obras em lotes, sendo geralmente entre 130 ou 140, ficando no ar por dez dias, em média. Assim, as pessoas acessam, dão lances e participam ao vivo do encerramento.

“Nos leilões, existe a questão de obras com custo de oportunidade, pois, na maioria das vezes, não dá para encontrar essas obras pelo valor de base inicial, como na galeria, que tem um ‘preço cheio’. O propósito do leilão é ser uma oportunidade de comprar obras por um valor abaixo de uma galeria e da venda direta”, disse.

Um facilitador de vendas

Qualquer pessoa que começou um negócio antes de 2020 sentiu o impacto da pandemia, e o mercado de arte não foi diferente. Segundo a Hiscox, o setor teve um “boom” nas vendas de obras de arte online durante o período. Atualmente, o mercado se mantém estável, com 42% dos compradores declarando não ter preferência entre os canais de compra. Isso indica que essa modalidade está se tornando cada vez mais familiar para os consumidores.

Perguntada sobre o tema, a CEO contou que “naquele tempo, as galerias não estavam estruturadas para vender online, então elas nos procuravam para colocar o acervo à venda. A gente já tinha estrutura, site e um negócio acontecendo. Fomos facilitadores também para essas galerias, e a pandemia ajudou a consolidar o digital, porque ainda tinha gente temerosa, que não confiava e preferia não comprar online. Isso foi desmistificado, fomos forçados a isso.”

Lizandra Alvim, CEO da Blombô (Imagem: Marúcia Kintschev)

Palavra-chave: experiência

A plataforma, que já vendeu obras da artista contemporânea Lygia Clark por quase R$ 3 milhões, tem apostado cada vez mais na experiência de compra. O conteúdo é um carro-chefe: a Blombô envia vídeos de obras específicas do espaço expositivo para os interessados, e contrata uma empresa especializada para filmar e promover um tour virtual da galeria, com o recurso de clicar na obra para obter mais informações. Isso fomenta uma experiência digital para aqueles que não conseguem ver as obras no espaço físico.

A sensação de exclusividade, fundamental no mercado de luxo, é oferecida por meio de uma espécie de venda consultiva, em que uma equipe atende o cliente remotamente, solucionando dúvidas, fazendo recomendações e detalhando informações. Caso o comprador resida em São Paulo, ele tem a oportunidade de receber a equipe em casa ou ir até a galeria para ser atendido.

Em relação à autonomia do mercado digital, a empresária foi pragmática: “não tem como anular a parte física dessa interação, as duas coisas andam juntas. Existe uma situação em que a pessoa compra online, recebe a obra em casa e pronto, mas também existe aquela pessoa que compra online e quer ver a obra antes de enviarmos para sua casa. Ela quer ter essa experiência de ver mais, vir aqui ou receber um material mais detalhado.”

Tradição e modernidade de mãos dadas

A plataforma conta com muitos compradores do exterior, principalmente da Europa, embora com uma porcentagem bem menor do que no Brasil. Conforme explicou Lizandra, a expansão está sendo feita lentamente para atingir esses compradores e os esforços da Blombô estão focados na parte tecnológica, que está em constante crescimento. Ela ressaltou que “ainda existe um caminho bem intenso para ser percorrido, porque a parte técnica de tecnologia tem avançado cada dia mais e queremos oferecer uma experiência melhor.”

As tradicionais galerias de arte também estão percebendo a importância de construir uma presença digital, seja para divulgação de conteúdo ou a venda de obras. “É uma parte que estamos olhando com muito carinho e queremos fazer acontecer da melhor forma possível. O propósito é investir na parte digital para proporcionar a melhor experiência tanto para quem compra quanto para quem vende. Temos que cuidar dos dois da mesma maneira, senão o negócio não existe; um sem o outro não tem como existir”, declarou.